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Um safari Pokémon no Barreiro

É o jogo do momento e Bruno Vieira Amaral não podia falhar. Pediu um telemóvel emprestado à mulher, foi para a rua caçar e cruzou-se com vários seguidores da Igreja Universal do Pokémon. Teve pontaria

Pokémon Go. Pois, mas go aonde? Como é que se apanham os pokémons? Primeiro, como é que instalo o jogo? É assim e tal, vais ali e coiso, descarregas e pronto. Problema nº 1: comprei o meu telemóvel em 2ª mão a um filho de Noé. Precisava de um telemóvel umas semanas mais novo. Solução? Pedir à minha mulher que me empreste o telemóvel dela. Problema resolvido. Pergunto-lhe se no Barreiro também há pokémons. Há pokémons em todo o lado, diz-me. Pergunto-lhe se todo o lado abrange a Barra Cheia, Sarilhos Pequenos e o Afonsoeiro. Diz-me que sim embora eu tenha a certeza de que não sabe onde fica o Afonsoeiro.

Depois de algumas tentativas a instalação é bem-sucedida, mas há problemas no servidor. Não consegue entrar. Porquê? Deve ser a esta hora que há mais pessoas a jogar, é a explicação perfeitamente sensata da minha mulher. A estas horas, às onze da noite, pessoas a caçar pokémons? Pois. De manhã, antes de levarmos os miúdos para a escola, diz-me que ontem ainda apanhou um pokémon em casa. Antes isso. Se fosse uma barata tinha-me acordado. Vamos lá então. Na minha rua, vejo dois tipos de colete a fumigar as tampas de esgoto? Uau! Serão caçadores de pokémons? Não, trabalham para uma empresa de desinfestações.

Saí de casa às onze da manhã. Destino: Barreiro. Já explico porquê. O objectivo é caçar o maior número de pokémons. Só não sei como o fazer. Apesar de ser quase impossível escapar à febre do Pokémon Go não li nada sobre as regras do jogo. Chego à Praceta Dom Carlos I e estaciono o carro. Vou começar a caçada. Ligo o GPS e os dados móveis. Vejo um item azul no ecrã. PokéStop na Igreja Adventista do Sétimo Dia, na Rua Júlio Dinis. Adventistas do Sétimo Dia 1 – Pokémórmons – 0.

“Desculpa, estás a jogar Pokémon?” Devo ter falhado a palavra-passe porque o ser humano olha para mim desconfiado e diz que não. Provavelmente teme que eu seja um serial killer e não quer aparecer nas notícias como a primeira vítima mortal do jogo.

Ok, sei onde fica a igreja, mas que raio será uma PokéStop? Ainda por cima sou informado que estou longe. Na verdade, são duzentos ou trezentos metros. Estou em frente à igreja. Carrego no ícone azul. Nada. Nesse momento caço o meu primeiro Pokémon. É um ser humano do sexo masculino, de aproximadamente 90 quilos, com um telemóvel na mão. Pela imagem no ecrã percebo que é dos meus. Vou pedir-lhe ajuda porque não sei o que fazer na PokéStop. Aliás, nem sei para que serve uma PokéStop.

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Os resultados da minha caçada

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Pokémons

Pidgey: 1
Magnemite: 8
Raticate: 1
Rattata: 1
Magmar: 1
Pidgeotto: 1
Zubat: 1
Horsea: 1
Voltorb: 1

Ovos: 2

Nível: 4

“Desculpa, estás a jogar Pokémon?” Devo ter falhado a palavra-passe porque o ser humano olha para mim desconfiado e diz que não. Provavelmente teme que eu seja um serial killer e não quer aparecer nas notícias amanhã como a primeira vítima mortal do jogo. Segue em frente e, um minuto depois, volta para trás. Passa por mim sem falar e desaparece numa esquina. Entretanto, eu ainda estava ali na PokéStop à espera de um sinal divino ou de uma mensagem dos criadores do jogo: “Calma, Bruno, só tens de rodar a esfera que aparece no centro do ecrã.” Fantástico! Mas só descobri isto depois de fazer uma pesquisa no Google. Agora sei que é aqui que o pessoal se abastece de pokébolas e que é com estas que se apanham os pokémons.

Ao fim da rua viro à esquerda e começo a descer como quem vai para a estação dos barcos. A meio da descida tenho o meu primeiro encontro imediato de terceiro grau com um Pokémon. É um Rattata. Apresentações feitas, atiro-lhe uma pokébola. É uma cena bastante intuitiva. Gotcha! Nunca te irei esquecer, meu primeiro Pokémon. Go.

Lá em baixo, viro à direita para a Rua da Recosta e, uns metros à frente, novo Pokémon. Oh-la-la! Isto hoje vai ser um fartote. O bicho chama-se Raticate e, ao contrário do Rattata, não me parece muito contente. Talvez tenha contraído raiva na praia do Barreiro. Atiro-lhe uma pokébola. Nada. Outra. Nada. Mais uma e outra e depois ainda outra. Vai ser um combate prolongado. Tenho de me preparar para uma guerra de baixa intensidade. Pergunto-me se lhe posso atirar outra coisa que não uma pokébola. Olho em volta, mas presumo que as cadeiras da esplanada não sirvam para estes fins. De repente, depois de gastar umas vinte bolas e já sem esperança de capturar este animal, gotcha! Não sei como é que aconteceu. Desconfio que o venci pelo cansaço.

Pimba!, toma uma Pokébola

GLENN CHAPMAN/AFP/Getty Images

Sigo para a ADAO – Associação para o Desenvolvimento das Artes e Ofícios, que funciona há dois no antigo quartel dos bombeiros. Era aqui que queria vir desde o início por causa do curioso cartaz que afixaram há uns dias e que se tornou viral. Falo com Jorge Sol, um dos elementos da direcção. Diz que a ideia de fazer o cartaz surgiu como uma brincadeira e sem qualquer intenção de criticar quem joga Pokémon Go. Só não estavam à espera do tremendo impacto do cartaz. Em poucos dias angariaram 400 likes no Facebook e pode-se dizer que a brincadeira teve o efeito positivo de chamar a atenção para o trabalho desenvolvido pela ADAO. Salvé, Pokémon Go!

Atravesso a linha do comboio. Felizmente não há por aqui Pokémons por isso não corro o risco de estragar o dia a quem utiliza o comboio que vem de Setúbal. Já na Rua Miguel Pais vejo dois adolescentes de telemóvel em punho. Não há dúvida. São pokémonistas. “Estão a jogar Pokémon Go?” Claro. Pessoal, apresento-vos o Jorge, de dezasseis anos, e o Daniel, de catorze. Dizem-me que se meteram nesta vida há uns dias. O Jorge começou há cinco e o Daniel instalou o jogo no próprio dia em que ficou disponível na Playstore. Estão no nível 14 e no nível 15, respectivamente. Pergunto ao Jorge o mais longe que já foi para caçar pokémons. Pensa um bocado e responde: “Baixa da Banheira, mas estou a pensar ir a Setúbal.” O Daniel ainda não saiu do Barreiro.

Recebo uma formação básica em pokemonologia. Há muitas PokéStops por aqui? “Sim, há muitas ali perto do parque Catarina Eufémia, mas estão mal distribuídas.” Alguém já prometeu uma distribuição mais equilibrada de pokéstops, não sei se foi o presidente da junta ou alguém da Nintendo. Quero saber o que é que fazem depois de apanhar pokémons. Olham para mim como se estivessem a falar com Ramsés II. “Treinamos os pokémons e fazemos combates.” Onde? “Tem de ser nos gyms.” E jogam contra os outros treinadores que estão no gym, é isso? “Sim”, responde o Daniel, e acrescenta que daqui a uns tempos vai ser possível combater PVP. Pergunto se PVP quer dizer Player vs. Player. Ficam impressionados com a minha rapidez de raciocínio. “É isso mesmo.”

Tenho Pokébolas suficientes para apanhar toda a população do Luxemburgo. Chego à estátua de Alfredo da Silva, outra Pokéstop, e agora aparece-me uma criatura amarela com a cauda em chamas.

Fico a saber que passam horas a caçar pokémons e que costumam juntar-se a outros treinadores no Parque da Cidade, um spot onde há muitos gyms. E de que é que gostam mais nesta cena toda? “É que o jogo cria uma comunidade de pessoas de todas idades e é como se tivessem a mesma idade.” Pois. “Temos um amigo de vinte anos.” Pois. E quais são as dificuldades? “São os bugs dos servidores. À noite, como há muito pessoal a jogar porque está mais fresquinho, os servidores não aguentam.” O Jorge confirma: “É chato quando o servidor “buga”.

Então e quais são os pokémons mais difíceis de apanhar? “É o Ditto. Com dois t.” Na verdade, ninguém sabe se o Ditto existe, é uma espécie de lenda urbana. Parece que alguém no Japão já apanhou um, mas pode ser só conversa. O Daniel diz que apanhou um Magmar e, para provar, mostra-me o ecrã. “Ganhei logo 23 candys.” OK, miúdo, não estou interessado nos candys, diz-me lá se achas que o jogo contribui para uma sociedade melhor e mais justa. “É uma grande ideia para combater a obesidade porque obriga as pessoas a sair de casa”, diz o Jorge com a voz da Isabel do Carmo. Está bem, abelha. E perigos? “São os lures, que o senhor sabe o que são.”

Lures, lures, por acaso não estou a ver. “Os jogadores põem lures para atrair Pokémons e depois o pessoal vai lá e se for em sítios isolados podem roubar-nos. Todas as noites há ali um na saída do Parque para os Casquilhos, mas nós não vamos lá.” Despeço-me dos meus novos amigos e desejo-lhes uma feliz caçada e que não se deixem apanhar por malta dos Casquilhos.

Bruno Vieira Amaral cruzou-se com vários seguidores da Igreja Universal do Pokémon

YOSHIKAZU TSUNO/AFP/Getty Images

Continuo pela Rua Miguel Pais. Agora tenho como destino a zona do Parque Catarina Eufémia, um paraíso de Pokéstops. No caminho, apanho mais um Pokémon. Estou a ficar especialista. Paro na Pokéstop das Flores do Parque e, mais à frente, na do Barreirense e depois na do Parque. Tenho Pokébolas suficientes para apanhar toda a população do Luxemburgo. Chego à estátua de Alfredo da Silva, outra Pokéstop, e agora aparece-me uma criatura amarela com a cauda em chamas. Deve ser dos mais difíceis, penso eu. Isto vai exigir toda a minha habilidade e concentração. Ando ali às voltas, mas sempre que carrego no ícone surge a imagem da estátua. Aproximo-me do quiosque, mas também não dá. Fico atrás da estátua e nada. Um bocadinho para o lado e… aí está ele, um Magmar de duas toneladas e meia, da ganadaria Ribeiro Telles. Toma lá uma Pokébola na testa que é por causa das tosses.

Entretanto, vejo que se aproximam outros seguidores da Igreja Universal do Pokémon. São eles o Miguel, 30 anos, nível 8, e Jorge, 16, nível 9. São primos e dedicam uma hora por dia a esta ferramenta de desenvolvimento espiritual. Miguel trabalha na área de facturação (nos meus tempos este era um eufemismo para call-center, agora não sei), recebe uma chamada e diz: “Estou aqui na Alfredo da Silva a falar com um gajo do Observador que anda a apanhar Pokémons.” Por muito que eu me queira enganar, esta é a dura verdade: ando na apanha do Pokémon. E porque é que eles aderiram a este culto? “Para sair de casa, apanhar ar.” Consideram que não há grandes perigos. Basta ter atenção para não se levar com um carro em cima. Pergunto-lhes se já viveram alguma situação caricata. “Não, nenhuma daquelas que se contam por aí.” Então, adeus, seguidores de Pokémon-Ra.

À terceira bola, algo corre horrivelmente mal e o bicho esfuma-se. Será que assassinei o meu primeiro Pokémon? Sigo rente às paredes, na esperança de não ser visto.

Na Avenida Alfredo da Silva, mais uma chumbada num Pokémon. Decido entrar numa sapataria para saber se costuma ir ali gente à caça de Pokémons. Não, ali é mais sapatos, diz Patrícia, 21 anos, funcionária da loja. Ora, ora, parece que temos aqui um covil da resistência. Se o Erdogan da Nintendo descobre, faz uma purga à indústria do calçado. Mas já ouviu falar do jogo? “Claro! Ninguém se cala com isso.” Já jogou? “Não, não acho graça e nem sequer tenho curiosidade.” E criar aqui na loja um centro de apoio aos treinadores de Pokémon como alguns estabelecimentos comerciais já fizeram? “Acho que o meu patrão não está a pensar nisso.”

Sónia, 38 anos, é cliente. Disponibiliza-se para falar comigo, mas só enquanto estiver a experimentar sapatos. Vamos lá. “Não gosto dessas coisas. É demasiado virtual, demasiado fantasia.” Também não tem curiosidade em experimentar, apesar de conhecer muitas pessoas que já apanharam a pokemonite. “Até a minha sogra que tem sessenta e tal anos no outro dia viu o meu telemóvel e perguntou-me logo se eu também andava a apanhar Pokémons.” Chama-lhe Pokémons, chama.

Avante! Hora do almoço que isto de caçar Pokémons com trinta e tal graus dá fomeca. Antes disso, pimba!, mais dois ou três Pokémons, sei lá, já lhes perdi a conta. Depois de almoçar, caço mais uns. Até que encontro um Pidgey. Atiro-lhe uma bola, mas ele, como que por magia, consegue escapar. “Olha-me este, armado em Houdini.” Toma lá outra. A cena repete-se. À terceira bola, algo corre horrivelmente mal e o bicho esfuma-se. Será que assassinei o meu primeiro Pokémon? Sigo rente às paredes, na esperança de não ser visto. Mas o destino não quer que eu termine a minha primeira caçada sem um Pidgey no saco. Aí está ele. É a carinha do outro. Atiro a Pokébola e desta vez não há dúvidas: gotcha, madafaca!

Bruno Vieira Amaral é crítico literário, tradutor, e autor do romance As Primeiras Coisas, vencedor do prémio José Saramago em 2015

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