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Delfim e Fernando, reclusos no EPCR.
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Delfim e Fernando, reclusos no EPCR.

Delfim e Fernando, reclusos no EPCR.

Um sexteto na cadeia das Caldas da Rainha. Quando a música traz 30 minutos de liberdade

Durante meia-hora a vida de 30 de reclusos mudou. O Festival “Dias do Jazz” entrou nos muros da cadeia das Caldas da Rainha para levar a normalidade possível a quem cumpre uma pena de prisão.

“Recomeça, se puderes, sem angústia e sem pressa”, a frase de Miguel Torga está escrita na parede numa sala de aulas da prisão. Há também colagens, pinturas, palavras escritas que tentam dar vida às quatro paredes da divisão. A sala de aulas da cadeia não é muito diferente da sala de aulas da escola, mas a sombra das grades permanece em todos os cantos do edifico, vigilante, sempre presente.

Naquela tarde de segunda-feira, 4 de novembro, o som do sexteto ecoou nas paredes da sala que suportam o conselho de Miguel Torga. As notas quebraram a monotonia dos dias quase sempre iguais no Estabelecimento Prisional das Caldas da Rainha (EPCR), palco de uma iniciativa diferente, um pequeno concerto de jazz. 6 músicos, alguns professores do conservatório das Caldas da Rainha, tocaram clássicos do cancioneiro norte-americano como “New York, New York — imortalizado por Frank Sinatra –, ou as melodias de William Christopher Handy, Herbie Hancock e Lois Armstrong.

O sexteto tocou clássicos do jazz na cadeia das Caldas da Rainha

Os primeiros acordes abriram o sorriso nos mais de 30 reclusos presentes na sala. A música tem essa capacidade de transportar os homens para um outro lugar ou para uma outra vida. A música pode ser libertadora, mas a sombra das grades permanece. O som dos instrumentos mistura-se com outro que chega do lado de lá da porta, o do detetor de metais. Os bips não respeitam tempos, nem compassos e não se calam durante toda a atuação. Dois guardas prisionais, à porta, não deixam esquecer que se trata de um momento extraordinário na vida de quem cumpre uma pena. Ainda assim, os sorrisos, a boa disposição e as palmas imperam durante meia-hora. Há quem grite “só mais uma!”. Os músicos e professores do conservatório acenam e correspondem ao pedido. São 30 minutos diferentes em vidas em que os minutos se arrastam. No fim, depois das palmas, regressa a monotonia das vozes, que se espalham pelos corredores e é o som dos ferrolhos que se impõe.

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Fernando Madeira, de 52 anos, natural de Santarém, diz-se agradecido. Sentiu-se em “liberdade total” por um momento e não esconde o lamento ao confessar que soube a pouco, “pena não ter sido mais tempo”. Está preso há apenas 2 meses. Foi condenado por violência doméstica a uma pena de 1 ano e meio. “Espiritualmente, emocionalmente (a música) liberta-nos”, acrescenta. Ao lado, Delfim Ribeiro, do Porto, conta ao Observador que fechou os olhos e sentiu transportado para “uma esplanada. A música ao vivo é muito melhor, foi 5 estrelas”. Delfim cumpriu 2 de 4 anos de pena a que foi condenado por fraude fiscal. E até já tem um pedido para a próxima, quer ouvir Blues.

A música quebrou a rotina de 30 reclusos

A iniciativa Dias do Jazz é um festival que, todos os anos, leva música às escolas do 1° ciclo, ao ensino pré-escolar da cidade e também a alunos com necessidades especiais. E desta vez, também a cadeia das Caldas da Rainha recebeu os músicos. A diretora do EPCR, Maria Helena Cardoso, salienta que a iniciativa foi bem recebida pelos reclusos e considera que é o primeiro passo para que mais eventos deste estilo possam surgir. Aquela responsável destaca que ajuda na tarefa de recuperar estes homens para a sociedade. E, por seu lado, “tentamos ao máximo que a comunidade não se esqueça destes seres humanos”, acrescenta Maria Helena Cardoso. A música ao vivo “é excelente para a saúde mental e para o bem estar de todos nós”.

A iniciativa Dias do Jazz é fruto de uma parceria entre o Centro Cultural e Congressos das Caldas da Rainha (CCC) e o Conservatório da cidade. “É o início de uma caminhada” que o CCC quer continuar a fazer”, diz o diretor do Centro Cultural, Mário Branquinho. “A arte também cura”, acrescenta. Também a autarquia se quer associar e defende a continuação da iniciativa no futuro. Conceição Henriques, veradora com pelouro da Acção Social considera que as aulas nos EPCR são insuficientes para promover e dar bases à reintegração dos reclusos depois de cumpridas as penas.

Fernando e Delfim não escondem o sorriso nem guardam os lamentos. 2024 é o ano do cinquentenário do 25 de abril de 1974. Esperavam uma amnistia, um sinal de que a liberdade pudesse chegar mais cedo. Afinal, para quem está preso, todos os minutos contam. A vinda do Papa Francisco trouxe perdões aos jovens até 30 anos, os mais velhos não foram contemplados. Por agora, gozaram apenas 30 minutos de música tocada por um sexteto, na sala onde, inscrita nas paredes, uma frase de Torga os exorta a recomeçar.

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