Índice
Índice
Primeiro investimento: uma volta a Portugal
A par da democratização que trouxe à moda, a fast fashion* desencadeou fenómenos curiosos. É mais acessível comprar como forma de terapia e há mais clientes a fazê-lo, sem que venham sequer a vestir as peças. Em viagem, pode ser mais económico comprar umas quantas t-shirts no destino do que pagar uma mala de porão e a compra nem chega a fazer a viagem de regresso, acaba no lixo. Chegados ao Natal, o movimento intensifica-se e as camisolas de natal — ou as ugly Christmas sweaters, com tradição nos países anglo-saxónicos —podem ser um símbolo da velocidade frenética a que consome: compram-se no início de dezembro, deitam-se fora em janeiro e para o ano há mais. As camisolas efusivamente decoradas com renas, pinheiros e pais natal são tudo aquilo que Tom Cridland rejeita e por isso criou uma que promete durar até 2046.
*Fast Fashion?
↓ Mostrar
↑ Esconder
Fast fashion, por vezes traduzido por moda rápida, é um termo associado aos grandes grupos retalhistas que produzem roupa rapidamente, em massa, e a um preço acessível.
Olhando para o design de Tom Cridland e da marca com o seu nome, pode cair-se no erro de achar que a sua luta é contra a profusão de efeitos que costuma habitar cada camisolas. As suas são descomplicadas: os dois modelos disponíveis este ano são lisos, em azul marinho, com um estampado de um São Nicolau ou de uma árvore de natal e trazem uma garantia de 30 anos. A contenda deste inglês é contra o desperdício e contra a “degradação intencional na indústria da moda”, como escreveu o britânico Times no ano passado.
Quando criou a marca há três anos queria produzir apenas as melhores calças de homem de que fosse capaz, feito que lhe conseguiu a admiração de celebridades internacionais como Hugh Grant, Daniel Craig ou Leonardo DiCaprio. Foi a oportunidade de conhecer melhor o trabalho deste último pela sustentabilidade que o despertou para uma necessidade maior, para lá da qualidade do produto que estava a vender. Por essa altura, há cerca de dois anos, viu também The True Cost, o documentário de Andy Morgan sobre a segunda indústria mais poluente do mundo, logo a seguir ao petróleo: a moda. Tudo convergiu para que criasse uma linha de roupa com 30 anos de garantia onde entram camisolas a 65 libras (70 euros), casacos até 249 libras (270 euros) e t-shirts a 35 (40 euros). O objetivo é apontar para a qualidade, o bom corte das peças, envolvendo a classe média. “É único o que fazemos em termos de conceito. Ser os primeiros a fazê-lo e ser uma equipa pequena deu-nos um sentido de autenticidade: estamos mesmo a fazer a melhor roupa que conseguimos”, diz ao Observador numa entrevista telefónica.
Tom Cridland não tem uma tecnologia única nem inventou um novo material; está a recuperar o que se fazia antes da fast fashion: funcionários qualificados e com experiência, materiais de grande qualidade e naturais. “Tenho a certeza que a Gucci tem produtos na mesma liga de qualidade do que nós, mas custam cinco ou seis vezes mais e mesmo eles não garantem o que nós garantimos”.
O saber fazer vem da Serra da Estrela, onde se fazem praticamente todos os modelos, e do norte de Itália, onde se produzem algumas camisolas, entre elas a que motivou este artigo. Quando começou o negócio, Tom tinha 6500 euros no bolso e um terço foi gasto em comboios, táxis e hotéis por Portugal à procura do melhor sítio para produzir a roupa Tom Cridland. O intrarrail não foi desagradável para um inglês com mãe portuguesa e orgulho neste país — “mais que no Reino Unido”, onde cresceu, confidencia. No final encontrou uma estrutura que fabrica roupa desde 1964, que já tinha contactos na indústria do algodão (essenciais para uma linha de roupa feita apenas a partir desta fibra natural) e que se adaptou à lógica de comércio online que a marca adotou para reduzir custos e ter um contacto direto com o comprador. Hoje mantém um negócio de cerca de 2 milhões de euros apenas com dois funcionários: ele e a namorada Deborah Marx.
Um jovem de 26 anos garante que a sua roupa dura 30
Conhecendo Tom (ou Thomas) Cridland a dúvida é legitima: como é que um rapaz de 26 anos garante que a roupa que produziu vai durar 30? “A produção da Serra da Estrela mostrou-me peças dos anos 1970 em excelente estado. Foi assim que decidimos os 30 anos. Depois testámos a possibilidade de encolherem com 300 ciclos de secagem e reforçámos os acabamentos. Não quer dizer que não haja alguma que precise de reparação, mas até agora só nos devolveram um ou duas e foram facilmente arranjadas — um fio que se descoseu e que cozemos de graça”, explica.
Nos anos 1970, a indústria da moda e a velocidade de consumo eram bastante diferentes. Também nesse aspeto a Tom Cridland se reporta a essa década, em que se comprava em menos quantidade e para durar mais tempo. Passada a barreira dos anos 2000, chama-se a isto slow fashion, por oposição ao ritmo frenético a que saem novas coleções nas grandes cadeias de roupa e ao tempo que essas peças demoram a desfazer-se. Se esta revolução democratizou a moda e o ato de vestir como uma forma de expressão individual, também tornou a indústria num sistema desigual no impacto que tem no ambiente e nos trabalhadores.
As camisolas de Tom não querem ser produtos de luxo inacessíveis, mas o seu preço não compete com as da Inditex (grupo retalhista responsável por marcas como a Zara, Mango ou Pull&Bear), por exemplo. Ainda assim, o seu custo por uso será menor no fim dos 30 anos, argumenta. “Claro que há camisolas mais baratas, mas a razão por que são tão baratas é que algures há pessoas a serem mal pagas para produzir essas camisolas. Acho que é importante olharmos para as coisas e perguntarmo-nos ‘como é que esta t-shirt pode custar 5 euros? Quanto tempo demorou a ser feita e qual o seu custo de produção para que possa ser transportada do Bangladesh para Portugal a este preço? Quanto custou o material?’ Eu adoraria baixar mais os preços, se mudássemos a produção para a Índia por exemplo… mas mesmo nesse caso, eu quereria pagar aos funcionários o mesmo que pago em Portugal. É um dilema muito grande.”
Tornar a moda sustentável acessível a um grande número de pessoas não é apenas uma questão ética — envolver a grande massa de população numa causa global — mas também de negócio. “O que temos todos de descobrir é como é que aplicamos a uma produção sustentável ao nosso negócio e criamos lucro. As pessoas têm de começar a ver ecologia como forma de fazer dinheiro e não como uma coisa filantrópica — um rótulo desadequado. Aí vamos ter progressos”, afirma Cridland em relação à forma como toda a indústria — em particular as cadeias de fast fashion — tem de estar pronta para encarar este problema.
Neste campo é inevitável não falar da H&M, frequentemente referida como exemplo de boa relação com o ambiente, graças à sua política de sustentabilidade, campanhas globais de reciclagem de roupa e à gama Conscious. Mas as reações céticas ao conjunto da sua produção (somando a produção massiva e rápida às campanhas e à linha secundaria sustentável) crescem. Tom reconhece-lhes o mérito de, entre pares, serem a empresa que está a fazer mais, embora aponte uma grande dose de placebos administrados pela sua comunicação e marketing.
O algodão não engana, mas polui
Tal como para os super-alimentos ou o rótulo de biológico, é difícil antever se a onda de amizade pelo ambiente veio para ficar ou se é mais uma tendência de consumo rápido. “Não é o caso de as pessoas fazerem escolhas sustentáveis para mostrar a outras pessoas que o estão a fazer, os designs [de roupas sustentáveis ou não] não são assim tão diferentes. Espero que a atenção para a ecologia continue a crescer, mas isso só depende, em certa medida, na direção que o mundo toma. Se todos nos preocuparmos mais com o ambiente, mais pessoas vão vestir moda sustentável. Com Trump eleito agora tudo pode mudar, ele não parece ser um impulsionador da sustentabilidade, não parece sequer acreditar no aquecimento global. Não sei o que o futuro trará. Mas haverá sempre pessoas a querer fazer escolhas sensatas e a perguntar-se como podem fazer a sua parte”, acredita Tom.
O que quer que o futuro reserve a esse nível, as camisolas de natal (e não só) garantem manter-se nos próximos 30 anos. A oferta da Tom Cridland faz-se para já de clássicos como o chino, a t-shirt, a crewneck e o blazer, todos lisos mas com algumas cores vibrantes como o laranja ou o vermelho. A ideia é que sobrevivam a toda a hipótese de tendências que certamente aí vem e que se aproximem de um público que mesmo não estando rendido à atualidade sempre em mudança da indústria da moda também precisa de vestir-se. “Sim as pessoas compram coisas pelo design, mas se virmos a maneira como as pessoas se vestem… A maioria das pessoas na rua usa calças de ganga, t-shirts brancas, camisolas básicas. Talvez eu compre uns sapatos vermelho vivo com design extravagante mas isso é porque normalmente sou gozado por me vestir como um palhaço. O mercado da moda serve toda a população e não apenas aqueles que são obcecados por ela. E eu adoro moda, mas também preciso de t-shirts lisas. Desde que começámos tenho duas em excelente condições. Posso ter as que quiser, mas não preciso de mais”, conta.
20 Mil
Litros de água são precisos para produzir um quilo de algodão.
WWF
A retórica da sustentabilidade ajudou a empresa a crescer, confirma Thomas, mas quando um cliente compra pensa primeiro em si: quer que as peças tenham qualidade, elegância e que o preço não seja absurdo. O exemplo da t-shirt que se compra em qualquer cadeia de fast fashion e está transparente ao fim de um ano ou já não veste bem é o que mais usa. “Eu não acho que deva ser essa a razão por que compramos alguma coisa. Obviamente quero manter o meu negócio, mas tendo diversos designs e não porque o meu cliente teve de deitar fora a t-shirt e comprar outra. Não é uma questão de não querer comprar novos produtos: eu adoro moda e música e cinema e, claro que para investir nesses hobbies, tenho sempre que continuar a consumir, a comprar novas coisas. Não é nada contra isso. Não devemos estar sempre a substituir peças porque foram mal feitas.”
A um ritmo lento a marca vai introduzindo novas peças, para já focadas num público masculino. No próximo ano, porém, o que vai ser novo é o material usado. Agora que assumiu definitivamente a sustentabilidade como rótulo e missão, Tom não quer continuar a usar a fibra natural com maior impacto ambiental. Segundo a WWF, a produção de um quilo de algodão — equivalente a uma t-shirt e um par de calças de ganga — implica o gasto de 20 mil litros de água. Tom Cridland afirma não querer brincar às sustentabilidades e no próximo ano vai iniciar a pesquisa por fornecedores de algodão orgânico e técnicas de produção (a fábrica portuguesa nunca trabalhou em este material), tentando, ainda assim, manter os custos.
30 Natais com a mesma roupa
O nascimento das camisolas de natal foi típico do funcionamento capitalista do mercado: o consumidor quer, a obra nasce. A gama de camisolas com garantia de 30 anos foi lançada em Junho de 2015 e em Setembro alguns clientes contactaram a empresa pedindo uma edição especial para o Advento. Não havia tempo, só chegaram agora. Na família de Cridland esta é a primeira vez que se usam camisolas de Natal e o britânico garante que daqui a 30 anos serão as mesmas. A sua vontade é que o hábito natalício de comprar todos os anos uma roupa nova se substitua pelo de usar sempre a mesma roupa. E acredita que isto irá acontecer porque já que comprou uma camisola por 70 euros, o cliente quererá confirmar que ela realmente dura o tempo que garante durar.
“Adoraria que houvesse um elemento nostálgico na camisola, por exemplo, alguém postar uma foto no Instagram a usá-la todos os anos, seria engraçado”, imagina o fundador da marca. A capacidade da roupa criar e fazer-nos revisitar memórias é outro dos pontos a favor da roupa que dura. Tom conta a história que o cliente que levou para uma entrevista à CBS News, quando lhe pediram que escolhesse um consumidor que não fosse seu amigo para ter uma opinião mais imparcial. “Depois de ele falar, ficaram a achar que tinha combinado o discurso com ele, de certeza.” Perguntaram-lhe porque gostava do conceito dos 30 anos e Theodore, o cliente, ficou entusiasmado: “Eu não gosto, eu adoro! Acho que tem tudo a ver com instalar memórias no tecido”. Até Tom ficou surpreso e foi obrigado a concordar. Mas promete não usar a ideia para efeitos de marketing, até porque pode parecer “um bocado foleira”, admite.