886kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Urgências em Santa Maria
i

Agência Lusa

Agência Lusa

Direção executiva do SNS quer generalizar as Unidades Locais de Saúde, mas médicos garantem que modelo não é eficiente

No final do ano, 80% da população ficará abrangida por uma ULS. A Direção Executiva do SNS garante que o modelo melhora a integração de cuidados mas os médicos (e a ERS) dizem que é "ineficiente".

    Índice

    Índice

O conceito pode ainda ser estranho para a maioria dos portugueses, mas a verdade é que, em certas zonas do país, o modelo de Unidade Local de Saúde (ULS) está implementado há mais de duas décadas, sobretudo em zonas menos povoadas. Agora, a Direção Executiva (DE) do SNS quer generalizar as ULS, alargando o modelo a todo o país e substituindo os atuais centros hospitalares.

Mas a decisão está a gerar críticas: tanto Ordem dos Médicos (OM) como a Associação de Unidades de Saúde Familiares (USF-AN) dizem que o modelo está longe de ser eficiente e “que não resolveu nenhum problema” do sistema de saúde até agora. Também a Federação Nacional dos Médicos lança críticas às ULS e defende até um modelo alternativo.

Mas comecemos por explicar o que é uma ULS. Trata-se de um modelo que junta hospitais/centros hospitalares e Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES), e que pretende garantir a prestação de cuidados de saúde primários, hospitalares e continuados, de forma integrada, à população.

Agilidade na gestão e respostas mais integradas: as vantagens das ULS, segundo a Direção Executiva

Ao Observador, a DE do SNS sublinha que o modelo permite “organizar os serviços de uma forma integrada e centralizada no utente, conseguindo que as populações beneficiem de cuidados cada vez mais próximos, diferenciados e diferenciadores”. Ou seja, o objetivo é “colocar as unidades de saúde a funcionar em rede e os profissionais a pensar de forma global”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Atualmente existem oito ULS, que servem um milhão de utentes

“Não podemos pensar numa população só para cuidados primários ou só para os cuidados hospitalares”. O organismo, liderado por Fernando Araújo, enumera quatro grandes vantagens que o modelo pode trazer: a resposta integrada às necessidades da população (com uma maior aproximação entre profissionais, com respostas clínicas integradas para cada pessoa), a agilidade de gestão (ao nível da coordenação e operacionalização de projetos clínicos integrados entre centros de saúde e hospitais), os ganhos de eficiência (evitando, por exemplo, a duplicação de atos clínicos) e as economias de escala (com ganhos na gestão de recursos humanos e na gestão financeira).

Atualmente, existem 8 ULS em Portugal, que servem cerca de um milhão de utentes. A mais antiga, a ULS de Matosinhos, foi criada ainda antes da viragem do milénio (em 1999). A outras sete situam-se em região de baixa densidade populacional: Norte Alentejano, Guarda, Baixo Alentejo, Litoral Altentejano, Castelo Branco, Alto Minho e Nordeste.

Como estas unidades vão “dominar” o país já no final de 2023

A estas ULS, a direção executiva do SNS quer juntar mais 25 até ao final deste ano. A concretizar-se este objetivo, 80% da população ficará na área de influência de uma ULS. Segundo a DE, até final de junho, serão criadas as ULS de São João; de Vila Nova de Gaia/Espinho; de Barcelos; de Dão Lafões (Tondela e Viseu); do Baixo Mondego (Figueira da Foz); do Tejo (Vila Franca de Xira); e do Médio Tejo.

Já concluíram planos de negócios (a documentação necessária a criação de uma ULS) outras 12: Guimarães; Aveiro; Entre o Douro e Vouga; Região de Leiria; Alentejo Central; Arrábida; Almada – Seixal; Lezíria; Arco Ribeirinho; Póvoa de Varzim/Vila do Conde; Médio Ave e Braga. Em fase adiantada de elaboração da documentação estão as ULS de Santo António (que vai integrar o Hospital de Santo António, no Porto); Tâmega e Sousa; Cova da Beira; Loures/Odivelas e Lisboa Norte (que vai incluir o Hospital de Santa Maria, o maior do país).

Carlos Cortes, bastonários da Ordem dos Médicos, sobre as ULS: “Não é um modelo que tenha dado provas de ser eficiente"

LUSA

Mas este modelo de Unidade Local de Saúde será mesmo eficiente, a ponto de justificar uma mudança tão profunda na organização dos cuidados de saúde? Há pelo menos três entidades (Ordem dos Médicos, Associação das Unidades de Saúde Familiar e a Federação Nacional dos Médicos) que questionam as ULS e pedem mudanças na orgânica e na composição da direções das ULS.

“As ULS existem há 20 anos e não resolveram problema nenhum”

“As ULS existem há 20 anos e não resolveram problema nenhum”, garante, ao Observador, o presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar (USF-AN), um tipo de centro de saúde que representa 40% das unidades a nível nacional. “Foi com preocupação que soubemos que era intenção da DE-SNS abrir mais”, diz André Biscaia.

Já a posição da Ordem dos Médicos (OM) vai no mesmo sentido. “A criação das novas ULS não é, necessariamente, uma boa notícia”, afirmou o bastonário, Carlos Cortes, em abril, à agência Lusa. “Não é um modelo que tenha dado provas de ser eficiente“, sublinhou ainda o responsável, acrescentando que “a esmagadora maioria das ULS, neste momento, não está a funcionar”.

Já a FNAM, a Federação Nacional dos Médicos, um dos dois maiores sindicatos médicos do país, diz mesmo que “repudia” a criação de novas ULS que, realça, “são ineficientes e não constituem resposta aos problemas basilares do SNS”.

Um dos pontos que mais críticas gera entre os médicos é o da falta de integração dos centros de saúde neste modelo. A OM garante que, nas ULS já existentes, se tem verificado uma “fraca integração dos cuidados de saúde primários”. Há “um desequilíbrio” e o papel da Medicina Geral e Familiar é desvalorizado, sublinha o bastonário. Carlos Cortes pede à direção do SNS que “corrija a trajetória que tem vindo a tomar” e propõe que conselhos de administração das ULS passem a integrar um médico da Medicina Geral e Familiar, bem como um médico de Saúde Pública.

"Não há estudos que suportem a decisão" de aumentar o número de ULS
André Biscaia, presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar

A ULS têm um único conselho de administração e uma única direção clínica, que gerem tanto os hospitais como os centros de saúde. O problema, diz André Biscaia, é que “os hospitais não conhecem a cultura dos cuidados de saúde primários”. “O que é que se pretende com esta medida? Instituir uma cultura hierárquica, de comando e controlo, dos hospitais sobre os Cuidados de Saúde Primários?”, questiona.

Por isso, o médico afirma que, sob o ‘chapéu’ de um conselho de administração comum, “deveriam existir várias direções clínicas, conhecedoras da cultura de cada instituição”. “Tem de haver uma revisão do modelo de funcionamento”, reforça o médico.

O presidente da USF-AN diz também que a generalização das ULS pode fazer com que a “capacidade financeira dos centros de saúde seja desviada para os hospitais, para os internamentos e serviços de urgência”, aumentando ainda a mais a centralidade dos hospitais no sistema de saúde. Aliás, segundo a FNAM, nas ULS existentes verificou-se um aumento da recorrência ao serviço de urgência (um aparente contra-senso numa altura em o governo aposta na promoção dos recurso aos centros de saúde como a porta de entrada do SNS para situações de doença aguda pouco grave).

Regulador da Saúde ‘arrasou’ ULS, mas Direção Executiva desvaloriza as conclusões

Em 2015, a ERS (Entidade Reguladora da Saúde) realizou um estudo sobre o desempenho das ULS, entre 2011 e 2013, e as conclusões não favorecem estas unidades. “Está a trabalhar-se numa premissa errada”, garante André Biscaia.

Segundo a ERS, o tempo médio de internamento até à alta, nos utentes das ULS foi superior ao dos hospitais não integrados em ULS; o número de cirurgias em ambulatório em percentagem do total de cirurgias foi mais baixo nos hospitais pertencentes às ULS versus hospitais não ULS; em quase todos os hospitais das ULS não existiram ganhos ao nível da coordenação entre Cuidados de Saúde Primários e Hospital, nomeadamente com redução de hospitalizações desnecessárias; os tempos máximos de resposta garantida não foi cumpridos nas ULS; os hospitais das ULS têm menos recursos do que os hospitais não integrados; ou os atrasos para atendimentos agendados são maiores nas ULS.”

SNS Summit, a primeira cimeira organizada pela Direção Executiva do SNS, com a missão de criar sugestões para uma reforma nas urgências hospitalares. O líder da direção-executiva, Fernando Araújo. 23 de Março de 2023 Hospital de Santa Maria, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A Direção executiva do SNS, liderada por Fernando Araújo, desvalorizou as conclusões negativas de um estudo da Entidade Reguladora da Saúde sobre as ULS

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

No entanto, a direção executiva desvaloriza o estudo do regulador da saúde, que diz ao Observador, “tem falhas técnicas” e “usa indicadores cujo rationale é pouco habitual na avaliação de processos de integração ou de resultados de unidades de saúde”. Em vez disso, prefere basear-se numa dissertação de mestrado que garante ter encontrado “ganhos de perceção de integração de cuidados por parte dos colaboradores nas ULS”. O organismo liderado por Fernando Araújo admite, “contudo, que os ganhos de integração podem não implicar per se melhor nível de resultados em saúde”.

Nas respostas enviadas ao Observador, a entidade diz ainda que “a reorganização em curso no SNS português justifica-se pela transição epidemiológica e envelhecimento da população, características às quais o modelo tradicional de resposta, onde coexistem ACeS, hospitais e outros prestadores individuais, já não consegue dar uma resposta adequada”.

“Portanto, não há estudos que suportem a decisão agora tomada”, insiste André Biscaia, que é bastante crítico do alargamento das ULS. O responsável diz tratar-se de uma decisão meramente política e não baseada em critérios técnicos, tomada para evitar atribuir mais autonomia aos ACES. “As finanças nunca aceitarão que os ACES tenham autonomia financeira e autonomia na contratação de recursos humanos”, afirma.

Já a FNAM também salienta que o modelo “coarta a importante autonomia financeira dos diferentes modelos de organização, e fica à margem da real integração de cuidados, centrados em pessoas”. Como alternativa, o sindicato defende um outro modelo de organização dos cuidados: os Sistemas Locais de Saúde — que diz, “integram a promoção da saúde, permitindo majorar a utilização dos recursos, evitando o desperdício e colocando os meios onde eles são efetivamente mais necessários”.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.