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WALTER BIERI/EPA

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Viver do talento? “Maioria das pessoas não tem essa sorte”

De um estudo da COTEC e Gulbenkian, saíram 13 medidas prioritárias para fornecer talento das escolas às empresas. Conhece o CR7? E a jovem de 27 anos que conseguiu investimento de milhões nos EUA?

Cristiano Ronaldo, 30 anos, três bolas de ouro e uma marca avaliada em 149 milhões de euros, segundo um estudo da Universidade de Valência. Alex Ferguson, ex-treinador do Manchester United, escreveu na autobiografia que lançou em 2013, que o português tinha sido “o jogador mais talentoso” que treinou. E a estrela do futebol francês, Zinedine Zidane, também não poupou elogios ao craque português numa entrevista que deu ao The Times of India. “Ronaldo tem um talento que emociona”, disse.

Talento: “conjunto de aptidões, naturais ou adquiridas, que condicionam o êxito em determinada atividade”; “grande inteligência, agudeza de espírito” ou “pessoa que sobressai pela aptidão excecional para determinada atividade”, lê-se na definição do dicionário da Porto Editora. Talento. Ou Cristiano Ronaldo, José Mourinho, António Damásio. António Horta Osório, Mariza, Paula Rego, Siza Vieira, José Saramago ou Alexandre Farto (Vhils). Todos os portugueses internacionalmente reconhecidos pelo seu trabalho. No desporto, na gestão, na música, na literatura ou nas artes. Têm e são talentos. Mas não são os únicos.

“São pessoas que tiveram a sorte de terem sido descobertas pelas suas capacidades, o que é bom para eles e para as pessoas com quem trabalham. Mas a maioria das pessoas não tem essa sorte e não consegue mostrar aquilo que sabe fazer”, explicou Daniel Bessa, ex-ministro de Economia e diretor-geral da COTEC – Associação Empresarial para a Inovação, ao Observador.

Daniel Bessa, diretor da COTEC, quer que mais portugueses tenham mais oportunidade de descobrirem oq ue querem fazer

AESE

Quais são as reais oportunidades do talento em Portugal? E o que deve ser feito para maximizar este potencial? O assunto vai estar esta quinta-feira em discussão na Fundação Calouste Gulbenkian, durante o Encontro Nacional da COTEC, onde vai ser apresentado o estudo “Transforma Talento Portugal”, iniciativa que partiu da Everis (e que já tinha sido feito em Espanha). “Torna-se premente uma análise aprofundada dos recursos que Portugal possui em matéria de talento, bem como um diagnóstico de atuação sobre as melhores soluções para potenciar esse mesmo talento”, lê-se no estudo a que o Observador teve acesso.

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No final das 40 entrevistas a personalidades portuguesas como Alexandre Soares dos Santos, António Vitorino, António Mexia ou António Murta, saíram 40 medidas que funcionam como eixos de ação. E 13 são consideradas prioritárias. “Estudos há muitos. Já se fizeram outros sobre o talento, mas aqui, a nossa preocupação maior é a de ver se conseguimos aplicar [estas medidas] e fazer algumas experiências. É pôr a coisa em prática”, explicou Daniel Bessa ao Observador.

"Importa identificar e estimular as potencialidades e os talentos dos nossos jovens, sejam eles investigadores e cientistas, empresários ou trabalhadores, criadores e artistas, ou voluntários”
Aníbal Cavaco Silva, Presidente da República

Para colocar “a coisa em prática”, a COTEC e a Fundação Calouste Gulbenkian vão dinamizar o “Movimento Transforma Portugal”. Objetivo: assegurar a concretização das 13 medidas identificadas como prioritárias para a transformação do talento em Portugal, e que passam pela educação a nível básico, Ensino Superior, sociedade, empresas, ciência, empreendedorismo ou pela diáspora portuguesa. Quer o estudo, quer o movimento têm o alto patrocínio do Presidente da República.

“Importa identificar e estimular as potencialidades e os talentos dos nossos jovens, sejam eles investigadores e cientistas, empresários ou trabalhadores, criadores e artistas, ou voluntários”, escreveu o Presidente da República no prefácio que assina no estudo. Qualificações e méritos devem ser enquadrados e transformados em valor, diz Cavaco Silva. “Aqui reside o maior valor estratégico de Portugal”, acrescenta.

O Movimento Transforma Portugal pretende assegurar a concretização das 13 medidas identificadas como prioritárias para a transformação do talento em Portugal

As medidas passam por criar mecanismos para consciencializar e aumentar a participação da família na educação e formação dos jovens; pela identificação de talentos nas escolas, pela flexibilização e enriquecimento do currículo educativo com estruturas mistas de disciplinas; pelo fomento da criatividade; pela consolidação de uma cultura de meritocracia e rigor nas instituições de Ensino Superior; pela maior partilha do conhecimento entre universidades e empresas, pelo desenvolvimento de um mindset empreendedor; pela aproximação entre a ciência e a sociedade, entre outras.

“Se alguém disser que não há talento em Portugal, não acredito”

Cristina Fonseca tem 27 anos e é líder de uma startup que emprega 40 pessoas, em Portugal e nos Estados Unidos, país onde tem dois escritórios: um em Portland e outro em Silicon Valley, na Califórnia. Em novembro, a Talkdesk angariou investimento norte-americano de 3,15 milhões de dólares (2,7 milhões de euros). “Éramos sete portugueses. Houve um investidor norte-americano que pôs três milhões de dólares numa empresa só de portugueses. A única razão pela qual isso aconteceu foi porque nós fizemos um trabalho muito bom até essa altura. Por isso, se alguém me disser que não há talento em Portugal, não acredito”, disse ao Observador.

Tiago Paiva e Cristina Fonseca, os jovens por detrás da Talkdesk

Talkdesk

A Talkdesk nasceu para apoiar Pequenas e Médias Empresas (PME). “Qualquer empresa pode criar um call-center em cinco minutos”, conta Cristina Fonseca, que juntamente com Tiago Paiva, criou uma plataforma que permite criar um call-center sem ser preciso instalar um software. O produto já fez com que a empresa angariasse cerca de mil clientes. E entre eles há nomes de peso, como a norte-americana Dropbox. “Acho que estamos a mudar a forma como as pequenas empresas comunicam via telefone”, disse a jovem.

Foi a Dropbox que contactou a Talkdesk. Queria ser sua cliente. “Eles chegaram até nós por necessidade. É isso que faz o produto espetacular: perceber que os clientes têm mesmo necessidade de um produto deste género”, conta Cristina Fonseca, que, quando tirou o mestrado em Engenharia de Telecomunicações e Informática, no Instituto Superior Técnico, recusou propostas de grandes empresas como a Portugal Telecom “porque não tinha 100% de certeza do que queria fazer”.

“Portugal é um país cheio de talento e não há estrangeiro que não fique hiper mega surpreendido com a qualidade da equipa técnica portuguesa a vários níveis”
Cristina Fonseca, fundadora da Talkdesk

A incerteza levou-a a estar durante um ano em diversos projetos, à procura de algo que a levasse a “fazer a diferença”. “Não queria desperdiçar tempo a fazer uma coisa que não era realmente o que queria fazer”, diz. Quando encontrou o projeto ideal, quase por acaso, juntamente com Tiago Paiva, concorreu ao prémio que lhe mudou a vida e que a levou durante seis meses para uma incubadora de startups em Silicon Valley, a 500 Startups.

No final dos seis meses, voltou para Portugal para montar a equipa técnica da Talkdesk no país que a viu nascer e com uma ronda de investimento de 450 mil dólares (397 mil euros). Hoje, diz que “Portugal é um país cheio de talento e não há estrangeiro que não fique surpreendido com a qualidade da equipa técnica portuguesa a vários níveis”. Sobre a cultura portuguesa diz que apesar de estarmos ao nível dos melhores, “temos um bocadinho o complexo de inferioridade”.

No escritório da Talkdesk em Portugal, trabalham 20 pessoas. As outras 20 trabalham nos EUA

Talkdesk

“Somos dominados por empresas muito grandes, que podem limitar um bocadinho a criatividade”, diz, referindo-se ao facto de muitos jovens terminarem os cursos superiores e estarem focados em encontrar emprego numa multinacional porque é uma solução “fácil e segura”. “As coisas são feitas by the book. Os professores estão mais associados à vida académica do que à vida real e a transferência de tecnologia entre universidades e empresas também não está muito bem feita, porque acaba por não ter aplicação prática”, revela.

Daniel Bessa concorda. O diretor da COTEC avança que a carreira de um professor universitário é valorizada pela componente de investigação e que o ensino e a transferência de tecnologia são “ignoradas”. “O reconhecimento de um professor universitário não tem anda a ver com o que se passa dentro da sala de aula”, explica. Para mudar isto, a COTEC propõe que o financiamento das universidades esteja ligado à transferência de conhecimento. Ou seja, as universidades que fizessem melhor esta transferência seriam premiadas e poderiam, por sua vez, premiar os docentes.

"No ensino mais clássico, a criança responde bem ou mal e não há muito mais a fazer e quando é deixado entregue a si próprio num laboratório, experimenta. Os laboratórios não. Não são áreas de preto ou branco, de oito ou 80”
Daniel Bessa, diretor da COTEC

As mudanças não se devem ficar pelas universidades. Para Daniel Bessa, a mudança deve começar nas escolas, passar pelas universidades e acabar nas empresas. “As aulas devem ter componentes mais laboratoriais. São essenciais para que haja mais espaço para a criatividade. Porque é onde as crianças podem ter mais autonomia. No ensino mais clássico, a criança responde bem ou mal e não há muito mais a fazer e quando é deixado entregue a si próprio num laboratório, experimenta. Os laboratórios não. Não são áreas de preto ou branco, de oito ou 80”, diz.

Quanto às empresas, lembra uma expressão utilizada por Belmiro de Azevedo, “as carreiras ziguezague”, nas quais os profissionais “não ficam eternamente a fazer as mesmas coisas”. Por isso, refere que é importante que as pessoas sejam postas à prova, que sejam confrontadas com desafios. “[As pessoas e as empresas] têm de perceber o que é que fazem melhor. Uma pessoa que chegue ao topo de uma organização sem ter oportunidade de passar por outras áreas vai ter sempre uma visão muito limitada e distorcida”, adianta.

"Ter talento não é equiparável a ter sorte e não é, só por si, uma condição suficiente para alcançar o sucesso”
estudo "Transforma Talento Portugal"

Uma das soluções também passa por aliar a ciência às empresas – procurar que os projetos de investigação das universidades tenham mais parcerias com as empresas. “Porque assim ambos veem melhor a utilização que aquele produto pode ter”, diz.

No estudo da COTEC lê-se: “O talento não é exclusivo e reservado a um conjunto de pessoas. Não é específico de uma área de conhecimento, religião, nacionalidade ou área geográfica. Também não é hereditário, não escolhe idades, nem é estanque ao longo da vida. Muito menos se resume a um conjunto de competências para realizar determinada tarefa. Sobretudo, ter talento não é equiparável a ter sorte e não é, só por si, uma condição suficiente para alcançar o sucesso”. Há algum Cristiano Ronaldo por aí?

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