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Quem é Marine Le Pen e como chegou à liderança da FN?

Marine Le Pen é, desde 2011, a líder da Frente Nacional, o partido de extrema-direita que o seu pai, Jean-Marie Le Pen, ajudou a fundar em 1972 e liderou até dar o lugar à sua filha.

Aos 48 anos, e à medida que as eleições presidenciais de abril de 2017 se aproximam, Marine Le Pen pode estar à beira de levar o seu partido ao seu melhor resultado de sempre numas presidenciais — e já há quem aponte que, depois de Donald Trump ter chegado à Casa Branca, também Marine Le Pen pode chegar ao Eliseu.

Marine Le Pen é a irmã mais nova das três filhas da relação entre Jean-Marie Le Pen e Pierrete Lalane — o casal divorciou-se quando Marine tinha 16 anos, iniciando a mãe uma relação com um jornalista que à altura escrevia uma biografia sobre o líder da Frente Nacional. Segundo Jean-Marc Simon, biógrafo de Marine Le Pen, disse à BBC, “a partida abrupta da mãe foi um drama” para a jovem de 16 anos. A partir de então, começou a entrar na política e a acompanhar o pai nos seus comícios.

Depois de ter estudado Direito na Université Panthéon-Assas, em Paris, Marine Le Pen foi advogada oficiosa — o que a levou por vezes a ter de defender imigrantes ilegais em tribunal.

Em 1998 deixou a advocacia e passou a ser responsável pelo departamento legal da Frente Nacional. Em 2004, foi eleita pela primeira vez para o Parlamento Europeu, onde é deputada até aos dias de hoje. Em 2011, sucedeu ao pai na direção do partido depois de ter vencido com 66,7% dos votos o seu único adversário, Bruno Gollnisch.

Desde então, tem sido a cara da mudança do partido, que tenta reformar sobretudo aos olhos dos franceses. Procurou afastar-se das polémicas do pai — com quem entretanto entrou em conflito aberto, expulsando-o do partido e do cargo de presidente honorário — e centrou o seu discurso contra o multiculturalismo, apostando fortemente na retórica anti-imigração e anti-islamista, ao mesmo tempo que promove os “valores da República”.

Internacionalmente, Marine Le Pen vê em Donald Trump um aliado e também uma motivação adicional para as eleições de abril de 2017, depois da vitória inesperada do empresário norte-americano nas presidenciais deste ano. Além disso, quer aproximar a França da Rússia de Vladimir Putin.

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O que defende Marine Le Pen?

Até agora, o programa da Frente Nacional para as eleições presidenciais de abril de 2017 não é conhecido — será publicado apenas em fevereiro do próximo ano.

Porém, há já várias pistas que podem ser encontradas no programa apresentado por Marine Le Pen nas eleições presidenciais de 2012, sob o lema: “A voz do povo, o espírito da França”.

Nesse programa, Marine Le Pen procurou centrar-se numa política económica claramente estatizada, aproximando-se de alguma extrema-esquerda nalguns pontos, ao mesmo tempo que procurava reforçar o caráter soberanista e anti-imigração do seu partido. Em 2016, e a caminho de 2017, esta parece ser novamente a tendência de Marine Le Pen e da Frente Nacional.

Na economia, propunha o aumento de 200 euros limpos a todos os salários abaixo dos 1500 euros, uma medida que seria tornada possível”pela instauração de uma contribuição social de 3% sobre o valor dos bens importados”; e a redução do preço do gás, da eletricidade e dos comboios em 5%.

Enquanto isso, a permanência da França no euro seria colocado à disposição dos franceses num referendo. Entretanto, depois de os britânicos terem votado a favor do Brexit em junho de 2016, Marine Le Pen disse que também faria um referendo à União Europeia caso seja eleita.

Na imigração, Marine Le Pen dizia há quatro anos que queria reduzir a entrada legal de indivíduos no país “de 200 mil entradas por ano para 10 mil entradas, privilegiando os talentos que permitirão abrilhantar o nosso país e a inovação”. De igual forma, defendia a expulsão de todos os imigrantes que tivessem entrado ou permanecessem ilegalmente em França. Além disso, a contratação ou seleção por discriminação positiva seria “interdita” na função pública e nas empresas privadas.

No campo militar, Marine Le Pen defende a saída da França do comando integrado da NATO — algo que já tinha sido feito por Charles de Gaulle e anulado por Nicolas Sarkozy —, dizendo que a França “deve assegurar por si mesma os seus interesses e garantir a sua segurança”.

Nesse programa de 2012, é ainda dito que com Marine Le Pen no Eliseu a idade da reforma seria reduzida para os 60 anos (a partir de 2017, mudará para os 62 anos) para quem tivesse descontado durante 40 anos. A ASPA, uma contribuição mensal de 750 euros para os reformados com poucos recursos, seria “suprimida” para “todos os estrangeiros que não tenham trabalhado nem descontado em França durante pelo menos dez anos”.

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Até agora, que resultados é que a Frente Nacional teve nas presidenciais?

Até agora, o melhor resultado de sempre foi em 2002, o único ano em que a Frente Nacional levou um candidato à segunda volta — Jean-Marie Le Pen, que acabou por ser fortemente derrotado por Jacques Chirac.

Veja a lista completa, por ordem cronológica:

1974 (7º lugar)
Jean-Marie Le Pen – 0,8% (1ª volta)

1988 (4º)
Jean-Marie Le Pen – 14,4% (1ª volta)

1995 (4º)
Jean-Marie Le Pen – 15% (1ª volta)

2002 (2º)
Jean-Marie Le Pen – 16,9% (1ª volta); 17,8% (2ª volta)

2007 (4º)
Jean-Marie Le Pen – 10,4% (1ª volta)

2012 (3º)
Marine Le Pen – 17,9% (1ª volta)

Fora das presidenciais, em 2015, a Frente Nacional teve o seu melhor resultado de sempre nas eleições regionais, onde obteve 27,7% dos votos na primeira volta e 27,1% na segunda. Apesar disso, não chegou para passar do terceiro lugar. Em segundo ficou o PS (23,1% na primeira volta, 28,9% na segunda) e em primeiro ficaram destacados Os Republicanos (26,7% e 40,2%, respetivamente).

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Marine Le Pen tem mais hipóteses do que o seu pai teve em 2002?

Ainda é cedo para falar com certezas — mas é possível que sim.

Em 2002, a política francesa ficou marcada pela ascensão do já então veterano da extrema-direita, Jean-Marie Le Pen, que conseguiu ficar em segundo lugar na primeira volta e acabou por disputar diretamente contra Jacques Chirac as presidenciais daquele ano. Na segunda volta, o então Presidente de França conseguiu a reeleição, com 82,2% dos votos. Jean-Marie Le Pen não conseguiu passar no maior teste da sua carreira política, é certo. Mas o facto de o fundador da Frente Nacional ter chegado a esta fase tornou ainda mais pertinente a seguinte pergunta: até onde é que a extrema-direita pode chegar em França?

Mais de uma década depois, e já com Marine Le Pen ao comando, a Frente Nacional pode muito bem voltar a ter os seus melhores resultados de sempre numas presidenciais — mas poderá ser apenas um triunfo relativo e não absoluto.

São as sondagens que o indicam. No domingo, quando ainda não era conhecidos os resultados das primárias d’Os Republicanos, que ditaram a vitória de François Fillon, foram publicadas algumas sondagens que confirmam que estas eleições deverão ser disputadas à direita. Nestas, François Fillon aparece à cabeça, obtendo entre 26% e 32% dos votos. Depois, segue-se Marine Le Pen, entre os 22% e 24%. A confirmar-se estes resultados, ficam duas certezas. Primeiro, o candidato d’Os Republicanos e a líder da Frente Nacional iriam a uma segunda volta. Segundo, Marine Le Pen teria já o melhor resultado de sempre do seu partido em mãos.

Piores são os números Emmanuel Macron — ex-ministro socialista que já disse que vai concorrer às eleições mas ainda não confirmou se vai entrar nas primárias do Partido Socialista, agendadas para janeiro —, que aparece cm 14%. Segue-se depois Jean Luc-Mélénchon, da extrema-esquerda e já candidato declarado, com 13%. E, depois, um nome bastante familiar: François Hollande, com apenas 9%. É um número claramente desencorajador para um Presidente que, no final do seu primeiro mandato, está com apenas 4% de taxa de aprovação. Segue-se depois o centrista Françoi Bayrou, com 6% dos votos.

E numa segunda volta, quais são as chances de Marine Le Pen? Segundo as sondagens, nada boas — e é aqui que o seu triunfo poderá ser apenas relativo (comparando a todos os outros anos) mas não absoluto. De acordo com as duas sondagens divulgadas no domingo, a mulher-forte da Frente Nacional teria entre 29% e 33% dos votos na segunda volta, perdendo em larga escala para François Fillon, que teria entre 67% e 71%.

Assim, as sondagens neste momento indicam que Marine Le Pen pode ter uma vitória nestas eleições, sim. Mas apenas moral.

Seja como for, ainda é fácil falar. Depois de uma sucessão de eventos desastrosos para as sondagens eleitorais (vide eleições no Reino Unido em 2015 e, já neste ano, o referendo do Brexit e as presidenciais nos EUA) e também para uma ascendência dos políticos populistas um pouco por toda a Europa, Marine Le Pen ainda tem uma óbvia margem de manobra até às eleições de abril de 2017.

A juntar a tudo isto, há ainda um elemento importante que falta esclarecer: quem será o candidato do Partido Socialista? As primárias da esquerda serão a 22 e 27 de janeiro e até agora há um grande nome entre os candidatos: o primeiro-ministro Manuel Valls. Isto depois de o Presidente François Hollande ter dito que não se ia recandidatar e de o ex-ministro socialista da Economia Emmanuel Macron ter dado a entender que não ia participar numas primárias, que diz ser uma “querela de clã”. O ex-ministro da Educação do socialista Jean-Marc Ayrault, Vincent Peillon, também já disse que vai avançar para as primárias da esquerda.

Quanto à extrema-esquerda, já há escolha: Jean-Luc Mélenchon, que já tinha concorrido às eleições de 2012, conquistando na altura o quarto lugar com 11,1%.

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Qual é a relação da atual direção da Frente Nacional com o seu ex-líder Jean-Marie Le Pen?

Bastante má.

Durante quase quatro décadas, Jean-Marie Le Pen e a Frente Nacional foram sinónimos. Desde que co-fundou o partido em 1972 até 2011, o ex-militar liderou o maior partido da extrema-direita francesa, concorrendo à presidência por cinco vezes sob a sua bandeira. A vez em que chegou mais longe foi em 2002, quando foi disputar (acabando por perder) a segunda volta das presidenciais contra Jacques Chirac.

Durante os 39 anos que esteve à frente da Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen destacou-se como uma das figuras mais polémicas da política francesa. Com o passar dos anos, que trouxeram até à Frente Nacional cada vez mais apoiantes, Jean-Marie Le Pen foi intensificando essas tiradas. Porém, há uma que há muito tempo repete e que já lhe valeu três multas — aquela em que diz que as câmaras de gás foram um “detalhe” da Segunda Guerra Mundial — sendo que a última foi em abril de 2016 e custou-lhe 30 mil euros. Além disso, é conhecido por desculpar o marechal Pétain, colaboracionista na invasão da Alemanha nazi em França, aquando da Segunda Guerra Mundial. “Nunca considerei o marechal Pétain como um traidor”, disse numa entrevista. E noutra ocasião, em 2014, quando o ébola começava a alastrar-se nalguns países africanos, falando do “problema da imigração” e da “explosão populacional”, disse que “o Senhor Ébola trata do assunto em menos de três meses”.

Depois de Jean-Marie Le Pen, a liderança da Frente Nacional passou para Marine Le Pen. À altura eurodeputada por aquele partido, começou a introduzir no partido, e a projetar para fora dele, um processo conhecido como “desdiabolização”. Neste processo, o partido passou a focar-se menos no passado, com as referências em relação à Segunda Guerra Mundial e ao colonialismo, e passou a falar para a França do presente. Os temas passaram a ser, mais do que nunca, o anti-islamismo, o anti-europeísmo e a anti-globalização.

Muito disto fez-se por via da língua, conforme explicam Cécile Alduy e Stéphane Wahnich no livro Marine Le Pen Prise Aux Mots (2015, sem edição portuguesa). “A desdiabolização pode ser interpretada como uma empreitada pela modernização do ‘signo’ da Frente Nacional: do seu conteúdo, da sua imagem, da sua história oficial, das suas conotações e da sua extensão”, escrevem. “Desempoeiramento lexical, uma sobreposição semântica sobre o vocabulário republicano, até de esquerda, reformulação dos seus antigos conceitos paternais para uma língua cuidada e dinâmica, silenciosa nos temas fraturantes… Marine Le Pen fez um trabalho formidável na reescritura do código frontista.”

Mas a verdade é que se a Frente Nacional parece apostar cada vez mais nessa mudança (em vez da habitual chama, o logótipo da candidatura de Marine Le Pen é uma rosa azul), Jean-Marie Le Pen não está disposto a mudar. A prova disso foi que numa entrevista em abril de 2015, ao jornal de extrema-direita Rivarol, voltou a dizer que as câmaras de gás tinham sido um “detalhe” da Segunda Guerra Mundial.

Subitamente, a própria Marine Le Pen reagiu sem reservas às palavras do próprio pai. “Ele está numa espiral entre a estratégia de terra queimada e o suicídio político. A Frente Nacional não quer ser refém de provocações grosseiras. O seu objetivo é o de me prejudicar”, disse ao Le Monde. E, logo a seguir, disse que o comité-executivo do partido ia reunir-se para “encontrar a melhor maneira de proteger os interesses do movimento”.

O conflito entre pai e filha ganhou contornos caricatos no 1 de maio de 2015 quando, prestes a discursar, Marine Le Pen viu o co-fundador do partido a invadir o palco com a ajuda de seguranças. De costas viradas para a filha, cerrou os punhos e sorriu para o público, que o aplaudiu. Em segundo plano, visivelmente incomodada, a líder da Frente Nacional aguardava o fim desta demonstração para poder falar.

https://www.youtube.com/watch?v=EUMM6lj9CH4

Pouco depois, o partido acabou por decidir-se pela expulsão de Jean-Marie Le Pen, que além de militante é o seu presidente honorário. A moção foi a votos em agosto de 2015 e 94% dos militantes do partido votaram a favor. O ancião não concordou e foi para a justiça, que lhe deu razão por duas vezes. Porém, à terceira, a 17 de novembro deste ano, o tribunal chegou a uma sentença confusa, paradoxal e que acaba por beneficiar o co-fundador da Frente Nacional: Jean-Marie Le Pen terá de deixar ser militante do partido, mas poderá continuar a ser seu presidente honorário.

Ao Libération, uma fonte da atual direção apontou para o descontentamento de Marine Le Pen em relação à sentença que ditou a permanência do seu pai como presidente honorário. “Conhecendo a presidente, não penso que ela se deixará parasitar pelas provocações do seu pai”, disse àquele jornal. Mas, ao que parece, o caso ficará por aqui: “Ela não está verdadeiramente com vontade de reabrir o debate”.

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Se ganhar as eleições, Marine Le Pen será a primeira mulher Presidente de França?

Sim.

Porém, este está longe de ser o facto que salta mais à vista no caso de uma eleição de Marine Le Pen. Afinal, se tal dia chegar, além de ser a primeira mulher no Eliseu, esta será também a primeira vez que alguém de um partido de extrema-direita chega ao cargo mais alto da política francesa.

A ajudar a isto estará também o facto de Marine Le Pen não ser conhecida pelo seu feminismo, opondo-se várias vezes a algumas das bandeiras daquela corrente de pensamento, como a despenalização do aborto ou a paridade.

Porém, no início de 2016, depois das notícias de violações e agressões sexuais cometidas contra mulheres por migrantes na passagem de ano em Colónia, na Alemanha, Marine escreveu um artigo no L’Opinion onde dizia ter “medo de que a crise migratória seja o início do fim dos direitos das mulheres”.

Suzy Rojtman, porta-voz do Coletivo Nacional Para os Direitos da Mulher, disse em setembro ao Le Monde que no caso de Marine Le Pen “o discurso feminista é instrumentalizado ao serviço do racismo e da xenofobia”. “Segundo ela, só os estrangeiros é que são autores de crimes. Como é que ela pode fazer isso se não há qualquer estatística relativa à etnia?”, questionou a ativista.

Até agora, a mulher que esteve mais próxima de tornar-se na primeira a liderar a França foi a socialista Ségolène Royal, que em 2007 disputou a segunda volta das eleições presidenciais com Nicolas Sarkozy, da então UMP.

Na primeira volta, Nicolas Sarkozy saiu vencedor com 31,2% dos votos, e Ségolène Royal acabou em segundo com 25,9%. Na segunda volta, o candidato da UMP venceu no confronto direto, ao juntar 53,1% dos votos — acima dos 46,9% da sua adversária.

Curiosamente, naquela altura, o secretário-geral do Partido Socialista era François Hollande — com quem Ségolène Royal teve quatro filhos ao longo de uma relação de cerca de 30 anos. Um mês depois da derrota eleitoral em 2007, e quando os rumores já eram bastantes, o casal anunciou estar separado.

Cinco anos mais tarde, François Hollande viria a vencer à segunda volta Nicolas Sarkozy, tornando-se no primeiro Presidente socialista em França desde François Mitterrand (1981-1995).

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Qual é a margem de manobra que Marine Le Pen contra François Fillon?

Se as sondagens estiverem certas ao prever uma segunda volta entre Marine Le Pen e François Fillon, então este será sem dúvida um dos pontos mais fulcrais destas eleições: qual é a margem de manobra que a candidata da Frente Nacional tem quando Os Republicanos escolheram o seu candidato mais à direita?

François Fillon é um homem que, nalguns aspetos, conseguirá apelar à extrema-direita. O ex-primeiro-ministro de Nicolas Sarkozy descreve-se como “soberanista” e “patriota”, opõe-se pessoalmente ao aborto (embora diga que não queira rever a lei de 1975 que permite a interrupção da gravidez) e quer rever a lei da adoção por homossexuais. Além disso, foi o candidato d’Os Republicanos que mais fez um discurso de anti-imigração — e também o que mais defendeu uma aproximação à Rússia.

Por estes pontos em comum entre François Fillon e Marine Le Pen, a Frente Nacional já se começa a preocupar com tamanha proximidade nas questões sociais entre os dois candidatos.

“Uma grande parte dos conservadores e dos católicos tradicionais terão menos a sensação de quererem tapar o nariz para votar”, disse uma fonte da Frente Nacional ao Huffington Post francês. “Isso reduz as possibilidades, isto é, sobra menos espaço para a Frente Nacional.”

Existe, porém, um campo onde Marine Le Pen e François Fillon são o contrário um do outro: o da economia. Se Marine Le Pen consegue aqui ser mais próxima da esquerda, tomando posições protecionistas e claramente estatistas, François Fillon é um declarado thatcherista. E é precisamente por aí que a Frente Nacional já começou a atacá-lo.

“François Fillon encarna o campo mundialista ultraliberal, é o mais ultraliberal de todos”, disse Florian Philippot, vice-presidente da Frente Nacional, à i-Télé. “E não podemos esquecer que ele é perfeitamente responsável do legado de Nicolas Sarkozy, uma vez que ele foi primeiro-ministro durante os cinco anos do seu mandato.”

Ainda recentemente, Marion Le Pen, deputada da Frente Nacional, além de neta de Jean-Marie e sobrinha de Marine, partilhou um vídeo de 2010 no qual François Fillon aparece a inaugurar uma das maiores mesquitas da Europa, no subúrbio parisiense de Argenteuil. “Fillon, o primeiro-ministro que inaugura a maior mesquita da Europa ao lado de uma menina de hijab e que congratula pela islamização”, escreveu a deputada.

 

 

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O que une Marine Le Pen e Donald Trump?

Para começar, ambos partilham uma enorme felicidade perante os resultados de 8 de novembro nos EUA.

A partir de França, Marine Le Pen foi uma das primeiras vozes a dar os parabéns a Donald Trump. “Felicidades ao novo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e ao livre povo americano!”, escreveu no Twitter.

No dia seguinte, fez um discurso no qual disse que “os americanos rejeitaram o statu quo“.

“Os americanos mostraram através de uma decisão que surpreendeu aqueles que acreditavam que as situações são imutáveis, [e que ficaram supreendidos porque] o mundo gira, o mundo muda, o movimento faz parte da vida das nações”, disse. “O que se passou esta noite não foi o fim do mundo, mas o fim de um mundo.”

E acrescentou ainda: “A eleição de Donald Trump é uma boa notícia para o nosso país”.

A vitória de Donald Trump foi, para a Frente Nacional, o terceiro episódio de uma série de acontecimentos internacionais que o partido de Marine Le Pen tratou de felicitar. Primeiro, foi o referendo de 2015 na Grécia, contra novas medidas de austeridade de Bruxelas, que Marine Le Pen disse ter sido uma vitória contra a “oligarquia da União Europeia”. Depois, o Brexit levou-a a prometer um referendo semelhante em França caso chegasse ao Eliseu. E, finalmente, Donald Trump.

Economicamente, Donald Trump e Marine Le Pen estão mais distantes do que em tudo o resto. Donald Trump defende um papel mínimo do Estado, é a favor da redução dos impostos e de políticas que favoreçam em primeiro lugar as empresas e os empresários, apostando que a partir daí o resto da sociedade lucrará com isso; Marine Le Pen tem uma linguagem estatista, chegando a ter mais pontos de acordo com a esquerda neste tema do que com alguma direita.

Mas é no plano internacional que a líder da Frente Nacional e o Presidente eleito dos EUA mais estão de acordo. Ao invés de uma maior integração, seja política ou económica, defendem os dois um maior isolacionismo. Donald Trump quer anular os tratados de comércio internacionais e renegociá-los e Marine Le Pen quer sair da União Europeia por meio de um referendo. Tanto um como o outro pretendem apertar a entrada de emigrantes no país — e ainda mais aos refugiados. No que diz respeito à guerra da Síria, são os dois favoráveis ao regime de Bashar Al-Assad e não se opõem à intervenção russa.

Até em relação à NATO cada um tem demonstrado as suas reticências. Ao longo da campanha norte-americana, Donald Trump defendeu que os outros países daquela aliança militar deviam pagar aos EUA, pondo em causa o Artigo 5 do Tratado de Washington, que diz que “um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas”. Marine Le Pen não vai tão longe, mas na lista de princípios da Frente Nacional (o programa eleitoral será publicado em fevereiro de 2017) é defendida a saída de França do comando integrado da ONU — algo que Charles de Gaulle fez em 1966 e que Nicolas Sarkozy anulou em 2008 — dizendo-se que “é preciso que a França esteja em posição de defender por si própria os seus interesses e de garantir a sua segurança”.

Além disso, o americano e a francesa admiram os dois o mesmo homem: o Presidente da Rússia, Vladimir Putin. Se Donald Trump referiu várias vezes que, como empresário que é, será um bom negociador com a Rússia; Marine Le Pen tem-no elogiado ao longo dos anos, tendo recentemente dito que ele pratica um “protecionismo razoável” e que está “a olhar pelos interesses do seu país, a defender a sua identidade”.

Em 2014, a Frente Nacional recebeu um empréstimo de 9 milhões de euros de um banco russo. E este ano, admitindo que ainda faltam “20 a 25 milhões de euros que os bancos franceses nos recusam a emprestar”, o tesoureiro do partido, Wallerand de Saint-Just, disse que “por causa disso não está excluído que façamos um novo apelo aos bancos russos”.

Seja como for, Marine Le Pen rejeita a ideia de ser isolacionista — e de potencialmente vir a isolar a França. “Com Trump, com Theresa May, com Putin e com o grupo de Visegrado [conjunto da República Checa, Hungria, Eslováquia e Polónia, todos contrários a receber refugiados] não me sinto de todo isolada”, disse no programa Dimanche Politique.

Antes disso, a 16 de novembro, disse que um trio presidencial entre ela, Donald Trump e Vladimir Putin “seria bom para a paz mundial”.

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Quem é que vota na Frente Nacional?

Segundo as sondagens à boca da urna das eleições regionais, a Frente Nacional conseguiu os votos de 43% daqueles cujo trabalho é essencialmente físico, 36% dos empregados por conta de outrem, cujo trabalho é principalmente intelectual, e 36% daqueles que não têm formação académica.

Em termos de idade, foi junto dos jovens entre os 18 e os 25 anos que teve maior apoio, com 35% destes a votarem no partido de Marine Le Pen. Entre os jovens que votaram na Frente Nacional, uma maioria simples de 43% fê-lo porque quer uma “mudança”.

No plano global dos eleitores da Frente Nacional, 48% votaram por “mudança”, 33% por “descontentamento”, 22% para “melhorar a região”, 20% por “confiança na Frente Nacional”, 18% porque acharem que a Frente Nacional se “preocupa” com eles e 13% porque o partido é “compreensível”.

As três questões que mais os levaram a votar na Frente Nacional foram o emprego (18,06%), a segurança (17,18%) e a imigração (14,98%). Segue-se a economia (11,01%), a educação (11,01%), os impostos (9,69%), as desigualdades sociais (9,25%) e transportes (8,81%).

Em relação às eleições presidenciais de 2012, 92% daqueles que então votaram na Frente Nacional voltaram a fazê-lo nas regionais. Os restantes 8% vêm maioritariamente da direita (5%), ao passo que 2% votaram na esquerda em 2012 e 1% “noutras listas”.