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O Governo está a preparar uma lei anti chumbo?

Não. Em nenhum parágrafo do programa do Governo se prevê o fim das retenções dos estudantes por decreto, ou seja, a instituição de passagens administrativas.

 

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O que diz o programa do Governo?

Sobre este assunto, o programa do Governo diz exatamente o que dizia o programa eleitoral do PS. Para a atual legislatura, o executivo de António Costa prevê “criar um plano de não retenção no ensino básico, trabalhando de forma intensiva e diferenciada com os alunos que revelam mais dificuldades”. A referência a esta medida aparece na parte do programa de governo intitulada “Combater as desigualdades à entrada e à saída da escola”.

Não são ainda conhecidos detalhes de como será desenhado este plano que pretende reduzir o número de chumbos.

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Mas vai haver ou não passagens administrativas?

Não. Uma passagem administrativa significa que um aluno transita de ano, mesmo que não tenha feito as aprendizagens necessárias. O que o Governo pretende, como esclareceu ao Observador o Ministério da Educação, é criar condições para que todos os alunos aprendam, garantindo que não está previsto instituir passagens administrativas ou estratégias que desvirtuem o processo de ensino/aprendizagem.

“Conhecida a baixa eficácia das retenções, o Programa do Governo prevê que seja desenhado um programa assente em medidas pedagógicas que garantem a aprendizagem de forma mais individualizada, visando a progressiva redução das retenções”, respondeu ao Observador o gabinete do ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues. O programa, garante, “será objeto de ampla discussão e não constitui uma mera eliminação administrativa da figura da retenção, sendo a continuidade do trabalho que tem visado a progressiva diminuição das retenções”.

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Por que motivo não se fez isso na legislatura anterior?

Na verdade, o fim das retenções já estava previsto no anterior programa de governo. No documento de 2015, sob o título “Combater o insucesso na sua raiz”, defendia-se algo semelhante: “Dar prioridade ao 1.º ciclo do ensino básico, criando condições para que todos os alunos alcancem os objetivos de aprendizagem previstos no currículo nacional e assegurando que, no final da legislatura, a retenção seja um fenómeno meramente residual.”

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E houve planos ou medidas concretas para tornar a retenção residual?

Sim. O Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, o Apoio Tutorial Específico ou o Projeto Piloto Inovação Pedagógica (PPIP), por exemplo.

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O que foi o Projeto Piloto de Inovação Pedagógica?

O projeto piloto das chamadas escolas PPIP já chegou ao fim e deu origem aos atuais planos de inovação pedagógica que permitem às escolas, desde o início deste ano letivo, ter autonomia total. Ainda antes de se dar este passo, o então secretário de Estado da Educação, João Costa, explicava ao Observador que com aquela experiência, um dos objetivos do Ministério da Educação era o de perceber se é possível chegar à taxa de retenção zero.

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“O pressuposto do PPIP é a existência de uma escola sem alunos retidos. Numa conversa com um amigo, que sabe que não acredito na eficácia dos chumbos, ele colocou-me a situação como se fosse uma questão de fé. Mas não é. Nós vemos nos dados estatísticos que, enquanto medida pedagógica a retenção é muito pouco eficaz, o aluno que reprova é aquele que tendencialmente volta a reprovar. E ele, a brincar, disse-me: ‘Agora que estás no Governo, proíbe.’ A minha resposta é que a proibição é um ato administrativo e não é esse o caminho que queremos, mas fiquei a pensar naquilo, até porque há países que já o fazem, que não têm retenções nas escolas. E decidimos experimentar, perceber se é possível em Portugal ter uma escola onde os alunos aprendam e não precisem de reprovar”, explicou, em dezembro de 2018, João Costa ao Observador, que agora é secretário de Estado Adjunto da Educação.

A experiência foi avaliada e no “Estudo de avaliação do Projeto-Piloto de Inovação Pedagógica” a conclusão foi de que na maioria dos agrupamentos a tendência foi para “a sustentabilidade da quase erradicação da desistência e retenção escolar”, com apenas um dos agrupamentos de escolas a apresentar oscilações nos resultados.

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Então, já há escolas onde os alunos não chumbam?

Há, pelo menos, escolas onde os chumbos são residuais e de que são exemplo os sete agrupamentos que fizeram parte do projeto piloto das escolas PPIP. Um deles é o agrupamento da Marinha Grande Poente, que o Observador visitou em reportagem.

Agrupamento de Escolas Marinha Grande Poente

“Aqui nunca pusemos a questão da retenção em cima da mesa, nunca me pareceu que fosse isso o fulcral. A nossa grande preocupação era a qualidade das aprendizagens dos alunos. A alternativa a chumbar tinha de ser aprender”, dizia então o diretor do agrupamento, Cesário Silva.

Os resultados estão à vista: “No último ano, no 1.º ciclo, houve sete retenções entre os cerca de 530 alunos. Em alguns casos, tivemos de perceber se a retenção significava um momento de aprendizagem, por exemplo para alunos estrangeiros e para miúdos condicionais que entraram para a escola com 5 anos… No 2.º ciclo, tivemos apenas uma retenção em 350 alunos. No 3.º ciclo, ficámos nos 2%. E, praticamente, não temos abandono. Mas se me perguntar se fazemos o pino para os miúdos aprenderem, garanto-lhe que fazemos”, contou o diretor do agrupamento.

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O que vai ser feito agora para acabar com a retenção?

O primeiro passo deste plano começará com uma sistematização de todos os programas e medidas existentes, explicou o Ministério da Educação ao Observador. Avaliada a sua eficácia, será decidido se medidas que já estão em curso, como os planos de inovação ou as tutorias, são para continuar.

Acima de tudo, o gabinete de Tiago Brandão Rodrigues sublinha que não há uma única solução que sirva todos os alunos ou todas as escolas, sendo fundamental que as comunidades educativas participem na procura de soluções que mais se adequam ao seu caso.

O ministro Tiago Brandão Rodrigues

“Temos criado uma panóplia de medidas que as escolas têm adequado às suas realidades e à de cada um dos seus alunos”, detalhou o ministro da Educação, em declarações ao jornal Público no fim de semana passado.

Projeto de voluntariado diminuiu “chumbos” em 44% num grupo de alunos da área metropolitana do Porto

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Já foi posta mais alguma medida em prática nesta legislatura para combater o insucesso?

Sim. Na quarta-feira passada, Tiago Brandão Rodrigues apresentou o programa ‘Includ-Ed’ para combater ao abandono e insucesso escolares através de práticas pedagógicas inovadoras que envolvem a comunidade. Este ano letivo deverá chegar a 50 agrupamentos de escolas TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária) do país, depois de nos últimos dois anos ter arrancado, a título experimental, em 10 agrupamentos. Nesses, registaram-se melhorias no aproveitamento escolar, redução das taxas de abandono e insucesso, segundo a subdiretora-geral de Educação, Maria João Horta.

Projeto de combate ao insucesso escolar chega a 50 agrupamentos de escolas

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O que pensa o Conselho Nacional da Educação do fim dos chumbos?

Em novembro do ano passado, Maria Emília Brederode, presidente do Conselho Nacional de Educação, defendia acabar com as retenções e com o 2.º ciclo do básico (5.º e 6.º ano). As duas ideias eram defendidas no prefácio do “Estado da Educação”, um dos mais importantes relatórios para perceber como vão as escolas e os alunos em Portugal. Esta quinta-feira, a conselheira voltou a defender a mesma ideia. Agora, tal como o ano passado, lembra que esta é uma ideia sua e não uma recomendação do CNE.

A presidente do Conselho Nacional de Educação, Maria Emília Brederode Santos

“A reprovação é uma arma que serve um bocadinho de ameaça. Com a reprovação, aprende-se pelo medo”, dizia a presidente do CNE em entrevista ao Observador. “Não há nada mais facilitista do que as retenções. ‘O aluno não sabe? Então fica.’ Não pode haver atitude mais facilitista do que esta. O que defendo é que aprendam. É essa a responsabilidade da escola. Já constatamos que a metodologia da reprovação não é a melhor para que os alunos aprendam, agora temos de encontrar outras.”

“Com a reprovação aprende-se pelo medo”. Entrevista a Maria Emília Brederode

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Mas o Conselho Nacional de Educação nunca recomendou acabar com os chumbos?

Já recomendou, mas não com a composição atual do órgão independente. Em 2015, quando David Justino era presidente do Conselho Nacional de Educação, foi emitida uma recomendação sobre retenção escolar nos ensinos básico e secundário. Nela, considerava-se os chumbos “a situação mais grave do sistema de ensino em Portugal”.

David Justino, antigo ministro da Educação

A posição do antigo ministro da Educação (2002-2004) não mudou, embora tenha explicado ao Observador no final do ano passado, que a recomendação do CNE era do organismo e não sua. Continua a defender que este é um problema no sistema educativo português, que tem de ser combatido, embora admita que levará anos até se chegar à situação ideal.

“Em relação à retenção, a cultura da nota é um problema: é um problema daqueles que só lutam pela nota esquecendo o resto, mas também daqueles que só querem, no fundo, elevar as notas para que não haja retenção. É necessário ver os dois lados. O que dizíamos, em 2015, era que os resultados deviam melhorar à custa de melhores aprendizagens, não de alterações estatísticas”, sustentava então o antigo ministro de Durão Barroso.

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Há muitos chumbos em Portugal?

Quando se fala em chumbos, é impossível não olhar para os dois lados da retenção em Portugal. Por um lado, os números de alunos retidos não param de cair, por outro, continuamos a ser o terceiro país da OCDE onde mais estudantes chumbam.

O ano letivo de 2017/2018 conseguiu, tal como já tinha acontecido no ano anterior, ser o período da década em que se registaram menos chumbos nas escolas portuguesas, do básico ao secundário, segundo dados revelados pela Direção Geral de Estatísticas da Educação e da Ciência.

No 12.º ano, o último do ensino obrigatório, um quarto dos estudantes ficou retido. Apesar da diminuição (de 27,5% para 24,5%), continua a ser o ano que regista maior número de chumbos.

O padrão dos últimos anos mantém-se: há medida que se avança no ensino obrigatório, os chumbos aumentam. Por outro lado, os anos de início de ciclo, como o 5.º, 7.º e 10.º ano, continuam a ser dos que têm maior número de alunos reprovados. Em 2017/2018, a taxa de reprovação foi respetivamente de 5,6%, 9,8% e de 11,1% (contra 6,1%, 11,4% e 16,4%).

No 1.º ciclo do básico continua a ser no 2.º ano de escolaridade — o primeiro ano da escola primária em que um aluno pode ficar retido — que os números são mais significativos: 6,6% dos alunos não transitam (eram 7,4% no ano letivo anterior).

Olhando para o resto do mundo, o sistema educativo português destaca-se pela negativa: é o terceiro país da OCDE onde mais jovens chumbam antes dos 15 anos.

Em Portugal, 31,2% dos alunos com 15 anos já tem pelo menos um chumbo no seu percurso escolar, mostram dados do PISA 2015 (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). Pior que os estudantes portugueses, só os espanhóis (31,3%) e os belgas (34%). No mesmo relatório, a taxa média da OCDE rondava os 13%, ou seja, o valor nacional era quase o triplo da média internacional.

Chumbos continuam a diminuir, mas um quarto dos alunos do 12.º ano não passa de ano

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E quem chumba?

Há outra característica importante no perfil dos estudantes que reprovam em Portugal: quase 90% dos alunos têm um baixo estatuto socioeconómico, segundo dados do relatório PISA anterior, de 2012.

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Chumbar é benéfico para os alunos?

A maior parte dos estudos internacionais, incluindo os da OCDE, chega à mesma conclusão: chumbar um aluno não lhe traz benefícios nas aprendizagens futuras. Em Portugal, em outubro de 2016, um estudo publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, “Será a repetição de ano benéfica para os alunos?” conclui que os benefícios até existem, mas não numa ordem de grandeza suficiente para compensar o resto.

“Os resultados que obtivemos são dentro do que aparece na literatura. Neste grupo, em que todos eram alunos com dificuldades, os que tinham sido retidos tinham resultados ligeiramente melhores. A nossa conclusão foi que não eram suficientemente melhores para justificar fazer mais um ano. Porquê? Por que a diferença é pequenina e, provavelmente, há outras formas de conseguir esta melhoria. O que é relevante é conseguir apoiar os alunos de outra forma”, explicou ao Observador Ana Balcão Reis, que assina o estudo com Carmo Seabra e Luís Catela Nunes.

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Quanto custa chumbar um aluno?

Em 2012, uma resolução da Assembleia da República pediu ao Tribunal de Contas que aferisse qual o custo médio de um aluno na escola pública. O resultado foi uma estimativa de 4.415 euros, apenas válida para 2009/10, segundo o próprio auditor, já que muitos pacotes de austeridade se seguiram após aquele ano letivo.

Em 2014, assumindo que todos os anos um terço dos alunos fica retido no ensino obrigatório, estimava-se que o custo dos chumbos fosse de 250 milhões de euros, segundo números do “Atlas da Educação”, promovido pela associação Empresários pela Inclusão Social (EPIS) e pelo Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa. Para chegar a este número, colocou-se o custo médio por estudante nos quatro mil euros anuais.

Em 2018, foi a vez do Aqeduto — um projeto de investigação para avaliação da qualidade e equidade em educação — considerar que, comparativamente com outras soluções, os chumbos são de todas as medidas usadas para combater o insucesso dos estudantes, a mais cara, sendo também pouco eficaz.

Ao Observador, o Ministério da Educação reiterou que o plano para combater os níveis de retenção não é uma medida economicista, mas antes uma medida que visa melhorar as aprendizagens dos estudantes.