As consequências das vacinas contra a Covid-19 continuam a ser tema de discussão, sobretudo nas redes sociais. E é também aqui que é partilhada desinformação sem sustentação científica, como aconteceu este mês, quando começou a circular no Instagram a informação de que a Janssen — uma das vacinas autorizadas pelas autoridades do medicamento de diversos países, incluindo Portugal — está relacionada com um surto da síndrome de Guillain-Barré, uma doença autoimune, que causa, essencialmente, fraqueza muscular.
Numa das muitas partilhas, um dos utilizadores refere que “a Janssen atualizou o rótulo da vacina e diz que ela pode provocar síndrome de Guillain Barré”. Refere ainda que o “Peru decretou estado de emergência em razão do atual surto da síndrome”.
E a acompanhar esta informação aparece uma reportagem da CNN Brasil, que fala sobre as mudanças nos rótulos da referida vacina. No rodapé desta estação de televisão é referido que existe um “efeito colateral raro” e que o governo norte-americano já alertou para este problema. “Vacina pode ter relação com síndrome de Guillain Barré”, acrescentam. Também a jornalista descreve que esta mudança nos rótulos serve “para alertar a população de uma possível complicação neurológica rara”.
No entanto, para desmontar a informação que surge na partilha feita a 12 de julho, é necessário olhar para duas questões: a mudança nos rótulos e o surto no Peru.
Primeiro, a mudança nos rótulos da vacina Janssen, de facto, aconteceu, mas foi feita em 2021, quando o mundo ainda atravessada diferentes níveis de confinamento por causa da pandemia. A notícia da CNN existe — pode ser consultada aqui –, mas a alteração não é recente. Na altura, há praticamente dois anos, o regulador norte-americano do medicamento (FDA) emitiu um comunicado em que confirmava estar a rever as fichas técnicas da vacina contra a Covid-19 “para incluir informações relativas a um risco aumentado observado de síndrome de Guillain-Barré”.
“Houve 100 relatórios preliminares de síndrome de Guillain-Barré depois da vacinação com a vacina Janssen após, aproximadamente, 12,5 milhões de doses administradas”, lê-se no relatório, que acrescenta ainda existir um relato de morte. No entanto, também é indicado que “todos os anos, nos Estados Unidos, estima-se que 3 mil a 6 mil pessoas desenvolvam síndrome de Guillain-Barré” e “a maioria das pessoas recupera totalmente”.
Na ficha técnica desta vacina passou a ser indicado que, caso os pacientes desenvolvam algum dos seguintes sintomas, devem procurar ajuda médica de imediato: “fraqueza ou sensação de formigueiro, especialmente nas pernas ou braços, dificuldade em andar, dificuldade com movimentos faciais, incluindo falar ou mastigar.” Apesar dos alertas, a FDA concluiu também que as vacinas dos lotes em circulação podiam continuar a ser administradas e que “os benefícios superam claramente os riscos conhecidos e potenciais”.
Depois, em relação ao surto que surgiu no Peru, este é recente e acontece dois anos depois de a FDA ter alterado a ficha técnica da vacina contra a Covid-19. O estado de emergência de 90 dias foi decretado a 8 de julho deste ano e, de acordo com o comunicado emitido pelo governo peruano, estavam identificados 182 casos. Destes, 31 continuavam hospitalizados e 147 tiveram alta. “Até agora, a doença está controlada. A síndrome de Guillain Barré identifica-se todos os anos e houve aumento significativo nas últimas semanas, que nos obriga a tomar medidas como Estado para proteger a saúde e vida da população”, lê-se no comunicado.
Mas também noutra comunicação do governo do Peru é feita uma análise ao contexto epidemiológico desta síndrome naquele país e é indicado que, por exemplo, em 2019, foram detetados 900 casos, num aumento “sem precedentes”.
Em 2019, quando foi detetado um número muito elevado de casos, ainda não existia sequer vacina contra a Covid-19, e foi indicado que a causa poderia estar ligada a infeções provocadas pela bactéria Campylobacter jejuni, que pode estar presente em alimentos ou bebidas contaminados e cujos sintomas são vómitos e diarreia.
No entanto, o governo peruano ainda não explicou o que poderá ter causado o recente aumento, apontando sempre para a investigação da situação epidemiológica, que está ainda a decorrer. E a hipótese de ser causada pela vacina da Janssen nunca foi mencionada pelas autoridades de saúde do Perú.
Conclusão
A informação partilhada no Instagram suscita confusão. De facto, as duas informações são verdadeiras: A ficha técnica da vacina da Janssen foi atualizada com informações sobre casos de síndrome de Guillain-Barré e o Peru decretou estado de emergência depois de identificar um aumento do número de casos desta síndrome. No entanto, estas duas medidas aconteceram em momentos diferentes — a alteração da Janssen foi feita em 2021 e o surto no Peru aconteceu este mês, dois anos depois, e não foi mencionada qualquer relação com a vacina. Ou seja, não é possível relacionar a situação no Peru com a toma da vacina contra a Covid-19.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ENGANADOR
De acordo com o sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook.