É uma longa lista de investimentos na Cultura, no Brasil, que circula numa imagem partilhada no Facebook sob o aviso: “Tome um calmante, sente e leia”. E depois explica o porquê de terem “faltado verbas aos hospitais” no país. Segundo a publicação, elas foram desviadas para estes projetos culturais. Contudo, o post é falso: dá como atribuídos investimentos que não foram de todo feitos ou que não aconteceram tendo por base aqueles valores — no caso do livro fotobiográfico sobre Chico Buarque, um dos exemplos que aparece, a captação de investimento ficou aquém do que é exposto.

Na imagem partilhada aparece ainda a referência à deputada federal no país, eleita pelo Partido Social Liberal, Bia Kicis, que é apoiante de Jair Bolsonaro, presidente do Brasil. A referência sugere que será ela a responsável pela publicação original, o que não foi possível confirmar.

A publicação apresenta valores diferentes que alegadamente foram desviados de hospitais

Já quanto à veracidade do conteúdo, pode ser verificado através do portal brasileiro de Visualização do Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (é possível pesquisar informações sobre cada projeto aqui). Os projetos citados foram, de facto, autorizados pelo Ministério da Cultura a candidatarem-se ao apoio dos incentivadores culturais, ao abrigo da lei de Incentivo à Cultura, criada em 1991, e que visa promover a cultura no país, possibilitando que empresas e pessoas possam patrocinar espetáculos, tendo como contrapartida uma dedução — até 6% (sendo que para as empresas é 4%)  no imposto sobre os rendimentos. Os eventos em causa têm de ter uma quota de bilhetes gratuitos.

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É uma espécie de mecenato, em que o Estado entra apenas na parte da coleta, ou seja, beneficiando empresas e mecenas individuais ao nível fiscal e deixando de recolher uma parte do imposto devido a essas entidades que investiram em projetos culturais autorizados pelos Ministério da Cultura — é o Governo que decide que projetos podem candidatar-se ao mecenato. A lei que é um dos principais mecanismos de apoio à Cultura no Brasil e ficou conhecida por Rouanet, o apelido do secretário da Cultura na altura em que foi criada, foi alterada recentemente nos seus critérios.

Um estudo da Fundação Gertúlio Vargas do final de 2018, encomendado pelo Governo brasileiro, dava conta que o imposto sobre os rendimentos que deixava de entrar nos cofres do Estado, por causa da atribuição deste benefício a mecenas, equivalia “apenas a 0,64% do total de incentivos concedidos em nível federal. Para o País, é muito pouco. Para a Cultura, é fundamental”, dizia nessa altura o Governo (o atual Presidente só entraria em funções dias depois).

O impacto da arrecadação fiscal é, pelos dados disponíveis, pouco significativo. E nem todos os 14 projetos que constam desta lista tiveram o apoio efetivado, tendo em conta que falharam a captação de investimento. E outros acabaram por recolher menos investimento do que era suposto. Não há nada que bata certo na informação partilhada.

O projeto da fotobiografia de Chico Buarque, por exemplo, terminou o período de captação de investimento em março de 2019 e conseguiu apenas 280 mil reais (cerca de 47 mil euros, investidos pela seguradora Icatu), em vez dos 414 mil autorizados pelo Ministério.

O DVD do artista funk MC Guimé, outro exemplo da lista (já passada em revista pela Lupa, site de fact check brasileiro em dezembro de 2018), candidatava-se a 516 mil reais de investimento, em 2015, e terminou com zero. O mesmo fim (zero captação de investimento) foi registado com o tour “Detonautas”, o livro de poesia de Maria Betânia, a peça infantil “Peppa Pig”, o filme do Brizola, o tour “Luan de Santana”, o Painel do Clube São Paulo ou o “Show Claudia Leitte”. O livro sobre a vida de José Dirceu foi um projeto cancelado e o musical Shrek arrecadou bem menos do que os quase 18 mil reais que pedia: 6 mil reais, em 2013.

O museu do Trabalho e dos Trabalhadores (conhecido por museu Lula da Silva) arrecadou cerca de 3,6 milhões de reais (cerca de 600 mil euros), da multinacional de minérios Vale e da construtora OAS. Mas o projeto original acabou por não avançar.

Conclusão

A informação divulgada é falsa. Dá como atribuídos investimentos que não foram de todo feitos ou então que não aconteceram naqueles valores — no caso do livro fotobiográfico sobre Chico Buarque, um dos exemplos que aparece, a captação de investimento ficou aquém do que é exposto. Além disso, esta publicação dá a entender que se tratam de investimentos diretos do Estado, o que não é verdade, já que se tratam de projetos que concorrem a um mecanismo existente no Brasil, de apoio à atividade cultural, que procura o mecenato. Ou seja, trata-se de investimento privado e não de investimento público que é desviado da saúde. O impacto nos cofres públicos acontece por via de imposto que não é arrecadado — e numa dimensão pouco expressiva — por causa dos benefícios fiscais atribuídos aos mecenas, como forma de os incentivar a entrar nesse esquema de apoio à cultura.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

Errado

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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