É uma publicação que, por algum motivo, tem sido partilhada vezes e vezes sem conta ao longo dos últimos anos. “Alguém já ouviu falar da Rosa de Saron? Aí está uma foto. Suas sementes são como os grãos de areia e podem sobreviver por décadas no deserto e ao primeiro sinal de água elas brotam”, escreveu no verão passado, num grupo de Facebook, uma de entre os seus mais de seis mil membros.

A acompanhar o texto, duas fotografias de uma flor que, garantem ao Observador vários especialistas em botânica, não é a citada mas uma espécie bem diferente — que, por ironia ou não, não só nem se dá em climas quentes como os do deserto como até só cresce a determinada altitude e na cordilheira dos Alpes.

“A espécie na imagem parece Geum reptans L., da família das Rosaceae, nativa dos Alpes a elevada altitude e a sua ecologia/habitat são as fendas de rochas, cascalheiras, etc”, explica César Garcia, biólogo, investigador do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais e coordenador do Jardim Botânico de Lisboa e do Jardim Botânico Tropical.

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Depois de identificar a flor da imagem com o mesmo nome científico, Marcelo Vianna, botânico do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, explica um pouco mais: “É uma planta herbácea nativa de altitudes acima de 2500 metros do nível do mar, nos Alpes. As sementes possuem um filamento longo para facilitar a dispersão pelo vento, são as chamadas sementes aladas”. Se dúvidas ainda houvesse, garante, não é de todo possível o seu cultivo em regiões quentes: “Há variedades ornamentais, cultivadas em menores altitudes, nas cores laranja, vermelha e amarelo, e podem ser simples ou compostas, porém precisam de ambiente  frio”.

Tanto na base de dados do GBIF, o Fundo Global de Informação sobre Biodiversidade, como no site da Agência Europeia do Ambiente, flores semelhantes às partilhadas nestas publicações surgem como “Geum Reptans”, observadas nas montanhas de Itália, Áustria ou Suíça.

Apesar do nome de família — Rosaceae —, e das parecenças — expressas nos espinhos, por exemplo —, as Geum Reptans não são rosas, garante o botânico da Universidade de Coimbra, para explicar depois que quem lhes deu nome foi o botânico, zoólogo e médico sueco Carl Nilsson Linnæus (Carlos Lineu, em português), “pai da botânica” e autor, no século XVIII, de uma taxonomia ainda hoje em uso, não apenas para plantas mas para muitas outras ciências biológicas. “Foi ele quem criou o sistema de classificação e de separação das plantas pelas características sexuais, o que foi um choque para a época”, detalha Marcelo Vianna.

Muito antes disso, a Rosa de Saron foi citada pela primeira vez no Cântico dos Cânticos, livro do Antigo Testamento — “Eu sou a rosa de Saron, o lírio dos vales”, diz uma mulher ao seu amado. A passagem nunca obteve consenso entre os cristãos: uns acreditam que é uma referência simbólica a Jesus, outros garantem que não.

Em vez de se imiscuírem nessa discussão, os especialistas ouvidos pelo Observador preferem manter-se no domínio da ciência: tal como a Geum Reptans, também a Rosa de Saron não será verdadeiramente uma rosa. A partir daqui, não há certezas, apenas conjeturas: “O nome rosa de Saron tem sido atribuído a diferentes espécies pertencentes a diferentes famílias, provavelmente o nome na Bíblia refere-se a uma espécie também existente em Portugal, o Pancratium maritimum L., mas não há consenso”, diz o biólogo César Garcia.

Para lá do nome que lhe deu Lineu, o Pancratium maritimum é também conhecido como lírio-das-praias, exatamente por crescer em areais e dunas junto ao Atlântico e na zona do Mediterrâneo — o vale de Saron fica junto ao mar, no território que hoje corresponde ao norte de Israel e que antes pertencia à Palestina. Pode, ou não, ser a rosa de que a Bíblia fala.

O mesmo acontece com outra flor nomeada pelo sueco, o Hibiscus syriacus, nome comum hibisco-da-Síria . De acordo com várias fontes, poderá ser esta a espécie descrita na Bíblia. Segundo o botânico Marcelo Vianna, mesmo que assim seja, não tem rigorosamente nada a ver com a imagem partilhada no Facebook. “O hibisco é da família do algodão e quando dá flor, quando se forma o fruto, também tem uma penugem, mas é de uma família e esta de outra. Não são sequer parecidos, são muito distantes.”

Conclusão

A imagem divulgada não corresponde à Rosa de Saron, flor referida no Antigo Testamento, nem tem características semelhantes. As plantas nas fotografias são Geum Reptans, nativas dos Alpes e impossíveis de cultivar em climas quentes. Não existe consenso científico sobre a que espécie corresponderão as rosas bíblicas do vale de Saron — a única certeza é que rosas não serão certamente. Alguns especialistas apontam para os lírios-das-praias, outros para os hibiscos-da-Síria.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook

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