Uma série de publicações nas redes sociais acusa um grupo de indígenas na Amazónia de fazer “contrabando” de animais, enviando para a Europa “tartarugas, jabutis” (um réptil de aparência semelhante à de uma tartaruga) e “cágados”.

Estas publicações, acompanhadas por um vídeo em que um grupo de indígenas transporta paletes de corpos destes animais, retiradas de uma carrinha de caixa aberta, sugerem que o contrabando terá por objetivo vender a carne destes animais em países europeus. “Estes são os nossos coitadinhos” que as ONGs “defendem”, atira o autor desta publicação, que fala em “perversidade” e em efeitos nocivos para as florestas.

Na verdade, o que as imagens mostram é um ritual especificamente levado a cabo pelo povo indígena Xikrin, explica ao Observador a Fundação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil, numa resposta enviada por email em que nega que a prática tenha alguma coisa a ver com tráfico animal.

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“Trata-se da Coleta de Jabuti para Ritual na Terra Indígena Xikrin do Cateté”, lê-se nesta resposta, em que a fundação explica que a recolha de jabutis é uma prática “ancestral e sagrada” naquela região, que se encontra no estado do Pará, na região amazónica do Brasil, e é um território tradicional dos Xikrin.

Segundo as explicações da fundação, o processo de recolha de animais é “cuidadosamente conduzido” por este povo com “o objetivo de obter esses animais para uso em rituais”. O papel dos jabutis neste contexto é “simbólico” e “profundo” e associa-se à “renovação cultural e conexão espiritual com a natureza”, reforçando, acreditam os indígenas, os laços entre a comunidade e o meio que a rodeia.

No caso deste grupo em particular, detalha-se, é mantido “um relacionamento histórico e espiritual com o território que ocupam e com a fauna local, especialmente em relação ao jabuti”.

A fundação insiste ainda que a prática “não se confunde” com o tráfico ilegal de animais. “A coleta de jabutis pelos Xikrin é uma prática cultural e ritualística protegida pela legislação brasileira, que reconhece o direito dos povos indígenas a manterem seus costumes e tradições”, escreve. Essa referência pode ser encontrada aqui, no “estatuto do índio”, lei aprovada em 1973 que estabelece várias normas sobre os direitos dos povos indígenas e o seu relacionamento com o resto da sociedade.

“Diferente do tráfico ilegal de animais, a coleta de jabutis realizada pelos Xikrin é limitada, respeita o equilíbrio do ecossistema local e é orientada por princípios de respeito à natureza. A Funai e outros órgãos reguladores supervisionam práticas tradicionais como essa para garantir que não haja impacto negativo à fauna local e que as tradições culturais dos povos indígenas sejam respeitadas”, garante.

Em 2019, o Supremo Tribunal Federal do Brasil declarou que o sacrifício de animais em cultos religiosos é constitucional, depois de o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ter autorizado a prática em relação a religiões de matriz africana, desde que sem excessos e crueldade, e de a decisão ter sido alvo de recurso do Ministério Público daquele estado, como contava aqui o Globo.

Conclusão

O vídeo não mostra os indígenas a transportarem corpos de animais para serem traficados para países europeus, mas antes para serem usados em rituais tradicionais. Segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas, a recolha de jabutis é “limitada”, respeita o ecossistema local e é monitorizada por “órgãos reguladores”.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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