“Isto é Fake News!” As palavras estão carimbadas por cima de uma montagem com capturas de ecrã de várias notícias que foram publicadas nos meios de comunicação social portugueses. “Portugal é o segundo país da UE com melhores estradas”, diziam as notícias de órgãos como o Jornal de Notícias, a Rádio Renascença ou o Notícias ao Minuto. Para a página de Facebook Acorda Portugal, a afirmação é mentira. Na sua publicação de 22 de março, que teve 51 partilhas, a página apressava-se a “desmentir” a chamada fake news:
A verdade é que Portugal tem boas estradas e muitas ruins se incluir as Nacionais como a N2 que liga o Nordeste Transmontano ao Algarve, e aí pergunto, quantas horas e qual o estado degradante desta estrada assim como outras espalhadas pelo país. Portugal não tem melhores estradas que a Espanha, a França, a Alemanha, Inglaterra, Holanda, Suécia ou Dinamarca, estas notícias são para enganar e para tirar proveito Político”, sentenciava a página.
De seguida, acrescentava: “A notícia poderia muito bem ser Portugal é talvez o segundo se não o primeiro onde se mais paga para poder se viajar nas suas estradas em toda a Europa”. A página Acorda Portugal sugere ainda que a notícia inicial teria sido “paga” aos media pelo “governo ou algum instituto ligado”.
Portugal tem mesmo as segundas melhores estradas da UE? De acordo com o Fórum Mundial, sim
Vamos então por partes. Em primeiro lugar, é preciso verificar a validade da notícia inicial, que coloca Portugal em segundo lugar dentro da UE ao nível da qualidade das suas estradas.
A notícia foi inicialmente publicada pela agência Lusa e replicada um pouco por toda a imprensa nacional, incluindo pelo Observador. Nela, explicava-se que a conclusão é do “painel de avaliação sobre transportes” da Comissão Europeia e que Portugal tinha obtido uma classificação de 6,05 em 7 pontos possíveis, ficando apenas atrás da Holanda.
Portugal é o segundo país da UE com melhores estradas e tem reduzido vítimas mortais
Indo à procura do referido painel, aquilo que se encontra é o Relatório Anual de Mobilidade e Transportes da União Europeia, de 2019, que avalia o estado dos transportes e infraestruturas país a país. Nele, pode ler-se que “a qualidade geral das infraestruturas de transportes em Portugal é relativamente alta”: “A qualidade das infraestruturas viárias é muito boa, mesmo tendo em conta que no rescaldo da crise financeira o investimento público em infraestruturas tenha sido reduzido”. A comparação da qualidade das estradas portuguesas com a de outros países europeus que coloca Portugal em segundo está disponível no chamado scoreboard de transportes da Comissão Europeia: ali se confirma o segundo lugar, apenas atrás da Holanda, como as notícias indicaram inicialmente.
Os dados, contudo, não foram recolhidos pela própria Comissão Europeia, mas sim pelo Fórum Mundial e estão disponíveis no seu Relatório da Competitividade Mundial de 2018. Aqui, Portugal tem uma classificação de 6.1 em 7 no item “qualidade das estradas”, o segundo valor mais alto registado por um país da UE, atrás da Holanda. No ano anterior, em 2017, Portugal tinha ficado em terceiro lugar, ao registar uma classificação de 6.0, atrás da Holanda e da França.
Como foi calculada esta classificação? No relatório é possível ver que estes dados foram obtidos com base num inquérito a empresários de cada país. A pergunta colocada sobre a qualidade das estradas era: “No seu país, qual é a qualidade (em termos de extensão e condições) das infraestruturas rodoviárias? [1 = extremamente pobres — entre as piores do mundo; 7 = extremamente boas — entre as melhores do mundo]”. Para o estudo de 2018, o Fórum Mundial interrogou 16.658 empresários, 165 deles em Portugal.
Outra fonte, o Índex de Performance Logística do Banco Mundial, coloca Portugal num lugar muito menos lisonjeiro no que diz respeito à qualidade das suas infraestruturas em 2018. Utilizando um método semelhante de avaliação, através de inquéritos online, Portugal aparece em 17.º lugar entre os Estados-membros da UE, atrás de países como Alemanha, Suécia, Espanha ou até Hungria e Eslovénia. Mas é preciso recordar, contudo, que esta avaliação diz respeito a infraestruturas no geral, não especificando sequer se o que está em causa são vias de transporte ou outro tipo de infraestrutura. E, mesmo dentro dos transportes, não pode ser ignorado o facto de que neste estudo são igualmente avaliados outros meios como a ferrovia, onde Portugal costuma registar índices piores de desenvolvimento face à rodovia, nomeadamente ao nível da conservação.
Ou seja, a notícia é verídica, no sentido em que cita uma fonte credível que colocou de facto Portugal no segundo lugar do ranking. Os dados, no entanto, não foram recolhidos pela própria Comissão Europeia (mas sim pelo Fórum Mundial) e baseiam-se nas perceções dos utilizadores.
Portugal não é o país onde mais se paga em portagens
A segunda parte da publicação diz respeito ao custo das estradas. Vamos então aos dados disponíveis. Por um lado, é necessário avaliar o que os portugueses pagam em portagens de autoestradas concessionadas e nas ex-SCUTS (antigas vias sem custos para os utilizadores). Por outro, não se pode excluir o que é pago através de impostos, que são canalizados para a construção, manutenção de rodovias e para o pagamento aos privados que exploram as vias em regime de PPP (parcerias público e privadas).
Quanto ao primeiro ponto, olhemos para os dados da Associação Europeia de Concessionárias de Autoestradas (ASECAP), que tem 17 Estados-membros da UE como associados. Entre eles, Portugal ocupa o quinto lugar em termos de extensão da rodovia paga, com 2.948 quilómetros de autoestradas concessionadas — e portanto pagas. À frente tem apenas Alemanha (cerca de 15 mil kms), França (9 mil kms), Itália (6 mil) e Espanha (3 mil), todos países com uma área muito superior à de Portugal. Contudo, países também eles maiores como a Polónia ou a Grécia registam áreas de autoestrada concessionadas inferiores à portuguesa.
Em termos de receitas obtidas pelas empresas que detêm as concessões, a tendência mantém-se: Portugal é o quinto país onde as concessionárias mais arrecadam: são mil milhões de euros por ano, um valor apenas ultrapassado em França (quase 10 mil milhões), Itália (cerca de seis mil milhões), Alemanha (4 mil milhões) e Espanha (1,8 mil milhões).
No entanto, e tendo em conta o valor pago nas portagens, a OCDE conclui que, em abstrato, Portugal não é dos países europeus onde mais se paga nas estradas por distância percorrida. Em 2012, seriam 0,09€ por quilómetro, o valor mais baixo dos países da UE analisados, a par da Polónia, e muito aquém dos 0,35€ pagos na Áustria ou dos 0,26€ pagos na República Checa por quilómetro.
E quando se olha para o investimento público nesta área, os dados da OCDE também revelam que os portugueses não são dos que mais têm pago pelas estradas através dos seus impostos. Se entre 1995 e 2010 Portugal era dos países da UE que investia acima da média nesta área (a par da Grécia e de Espanha), de acordo com dados da Federação Internacional dos Transportes, com a crise esse cenário alterou-se por completo. Os dados mais recentes da OCDE, de 2013, indicam que Portugal terá gasto apenas 0,16% do seu PIB nesse ano em investimento para infraestruturas de transportes (que inclui a rodovia, mas também a ferrovia, por exemplo). Um valor inferior ao da Roménia (2,2%), Croácia (1,39%), Estónia (1,32%), Letónia (1,2%) e muitos outros países da UE. De facto, dos países da UE pertencentes à OCDE, apenas Malta (0,14%) teve um valor de investimento menor nesse ano.
Um relatório do Fórum Internacional de Transportes de 2017 destaca mesmo Portugal como o país onde o investimento em infraestruturas de transportes mais caiu de 2015 para 2016, registando menos 26%. Se a comparação fosse feita antes da crise quando havia mais investimentos públicos nas estradas, talvez o resultado fosse diferente.
Conclusão
A página Acorda Portugal não tem razão quando classifica a notícia em causa como fake news, já que esta se limita a citar a própria Comissão Europeia, que deu de facto destaque a esta classificação, obtida num estudo de uma organização credível. No entanto, é preciso ter em conta que estes dados não foram recolhidos pela própria Comissão (mas sim pelo Fórum Mundial) e que se baseiam em perceções dos utilizadores, através de inquéritos feitos a empresários. A falta de mais dados sobre a avaliação da qualidade das estradas a nível comunitário torna difícil verificar de outra forma a afirmação de que Portugal tem das melhores estradas a nível europeu.
Já no que diz respeito ao segundo ponto — o dos custos —, o Acorda Portugal não tem razão ao colocar Portugal em “segundo ou até primeiro lugar”. Em termos absolutos, Portugal é o quinto país com mais estradas concessionadas, embora, no que diz respeito à proporção relativamente à área do país, haja países maiores como Polónia ou Grécia onde há menos autoestradas pagas. Quando se analisa, contudo, o preço pago por quilómetro ou o investimento público aplicado na rodovia, os portugueses estão longe de ser os europeus que mais pagam por autoestradas.
Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
MISTO: As alegações do conteúdo são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou incompleta.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.