O mote da arquidiocese de Braga, na pessoa de sua Excelência Reverendíssima, o Sr. D. José Manuel Garcia Cordeiro, “Juntos no Caminho de Páscoa (2023-2033)”, tem por missão, o sempiterno objetivo da Igreja: “Levar Jesus a todos e todos a Jesus”. Nesse sentido, a presente comunicação/reflexão – em tom mais coloquial -, comporta, visceralmente, o compromisso da Igreja Católica que se faz solícita, do Amor que emana de Jesus – como fonte que jorra inesgotável-, junto de todos e todas, na medida em que a Igreja existe para todos (como tão bem frisou o Santo Padre, nas JMJ 2023) e está ao serviço de todos, de sobremaneira, de quem mais precisa. Esta é a essência da Igreja Católica! Neste dia, temo-nos a todos presentes em Cristo, que sara as nossas feridas, mormente, quantos passam por momentos delicados em termos de saúde, seja católico ou não, pois a Igreja existe para continuar a ação libertadora e curativa de Cristo.

1. Um dia de todos nós

Assinalar o dia mundial do doente não deve ser para nós motivo de encararmos o doente como um “coitadinho”, como um “aleijado”, como alguém que precisa de todos os cuidados e mais algum – é verdade que precisa porque está mais necessitado -, mas também todos quantos mais sãos, porque, em boa verdade, ninguém tem saúde a cem por cento e todos, na vida, temos períodos de maior ou menos saúde e, se com saúde, atualmente, não sabemos o dia de amanhã. Podemos, então, afirmar, sem comiseração, mas factualmente, que é um dia de todos nós! Todos nós somos doentes de alguma coisa. Portanto, é um denominador comum de todos nós, seres humanos, mas sobretudo, procurar ter presente que os doentes – por mais paradoxal que possa parecer e até ofensivo-, são privilegiados da mensagem de Jesus! Todos nós! Ministério, esse, que radica e nasce em Jesus Cristo e se prolonga nos ministros ordenados, episcopado e presbiterado (“Alguém entre vós está doente? Chame os presbíteros da Igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com azeite em nome do Senhor; e a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados” (cf. Tg 5, 14-18) [sacramento da Santa Unção], e também, nos diáconos e membros não ordenados, ou seja, o laicado, de doentes para menos doentes, não fosse uma obra de misericórdia, visitar os doentes.

Com efeito, uma vez que assinalamos este dia mundial do doente 2024, gostaria de partilhar convosco um texto bíblico da cura perpetrada por Jesus a um homem – que poderíamos ser qualquer um de nós-, enfermo pela lepra, que penso ser elucidativo para todos, no modo como devemos encarar a doença e a nossa sempre eterna condição de enfermos e sobretudo, para quem tem fé, nas graças que Deus continua hoje a conceder ao doente e ao mundo inteiro – volto a frisar, por mais paradoxal que possa parecer (assim o é à ótica cristã, tal qual o sacrifício redentor de Cristo)-, devido a quem está privado da saúde.

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2. Jesus cura a lepra do pecado, das fraturas sociais e enfermidades

Esta data foi instituída em 1992, pelo Papa São João Paulo II. Nesse sentido, convido o leitor (católico ou não) – se assim o entender-, a refletir sobre passagem evangélica segundo são Lucas: «Encontrando-se Jesus numa das cidades, apareceu um homem coberto de lepra. Ao ver Jesus caiu com a face por terra e dirigiu- lhe esta súplica: “Senhor, se quiseres, podes curar-me!” Jesus estendeu a mão e tocou-lhe dizendo: “Sim, quero fica curado”. E imediatamente a lepra o deixou, ordenou-lhe então que a ninguém o dissesse. No entanto, acrescentou, vai mostrar-te ao sacerdote e oferece, pela tua purificação, o que Moisés ordenou para lhe servir de prova. A sua fama espalhava-se cada vez mais, juntando-se grandes multidões para O ouvirem e para que os curasse de todos os seus males. Mas Jesus retirava-se para lugares solitários, e aí se entregava à oração» (Lc 5, 12-16).

3. Um homem dado por perdido pela sociedade; não por si próprio!

Prezados leitores que embarcam nesta séria reflexão de um dia, que o é de todos nós. Esta passagem que acabámos de ler apresentam-nos a cura de um homem. Um homem dado por perdido (quantos doentes, assim não se sentem, por força da negligente sociedade atual que não os tem em conta). Jesus cura um homem de uma doença, à época incurável e infetocontagiosa, como também, nos nossos dias, há bem pouco tempo, vivemos num tempo onde grassou violentamente – nunca se tendo extinguido -, de uma forma avassaladora, a pandemia do COVID-19, também ela, uma doença infetocontagiosa.

Este homem dado por perdido pela sociedade – porque à época não havia cura-, nunca esteve perdido para Deus! Infelizmente, ainda hoje, há muita boa gente – que podíamos ser nó s-, a morrer da lepra (cujo dia é assinalado a 28 de janeiro), por falta de posses económicas para a sua cura, uma vez que essa cura já existe. E, por isso, também é uma excelente oportunidade de nos solidarizarmos com todos quantos, sobretudo em países menos desenvolvidos, sofrem desta doença, ajudando-os, à ótica da caridade cristã, economicamente. Existem várias campanhas, como a da APARF (Associação Portuguesa de Amigos de Raul Follerau 2), também no sentido de nos associarmos ao combate da lepra, mas não foi por esse motivo que escolhi este episódio evangélico.

Voltando ao tema, este homem encontrando Jesus numa das suas cidades, Jesus, que veio ao nosso encontro assumindo a nossa condição humana e, portanto, Jesus não fala de cor. Sabe o que é ser homem. Sendo a segunda pessoa da Trindade, fez-se em tudo igual a nós, exceto no pecado (cf. Heb 4, 15) e é, pois, nesse sentido, que Jesus, estando perfeitamente ciente do que é ser um ser humano, sabe, na “pele” o que é ser frágil, limitado, estar sujeito às contingências da própria natureza…

De coração apaixonado e enternecido por cada um de nós, caminha nas nossas cidades e Jesus não caminhou apenas há 2000 anos atrás. Jesus continua hoje a trilhar os nossos caminhos. Jesus continua hoje a fazer-se presente e vem, como uma mãe disposta a dar a vida pelo filho, ao nosso encontro. É Jesus quem primeiro dá o primeiro passo, o de vir ao nosso encontro, quando encarna (“faz-se carne”, o incriado e existente antes do mundo, sem o qual nada foi feito cf. Jo 1), possibilitando que este mesmo homem, tal como os homens e mulheres de hoje, possam, por conseguinte, livremente, ir ao encontro de Jesus. A cura passa, justamente por aqui: partir corajosamente, ousando os limites socialmente impostos, ao encontro de Jesus, que nos amou primeiro (cf. 1 Jo 4, 19).

Assim sendo, ousando ir ao encontro de Jesus – que mais ousou ao fazer-se Homem-, este homem ao ver Jesus, foi ao seu encontro. A cura só foi possível, porque Jesus se tornou acessível; Deus tornou-se acessível, na sua magnificência. Caiu com a face por terra, isto é, caiu a seus pés (reconheceu-O como Deus). Apenas uma ressalva: este homem malparou enfrentar o sistema da sociedade do seu tempo, uma vez que ele tinha uma doença infetocontagiosa e, portanto, os leprosos viviam segregados e ostracizados pela sociedade, sendo impedidos de participar socialmente desta e Jesus vai justamente reintegrá-lo de forma integral.

Posto isto, este homem já não era uma pessoa plena – era uma coisa, alguém perdido para a sociedade-, para além da patologia em si da. Vivia posto à margem, posto à parte da vida da maioria dos seus cidadãos e do culto. Por esta razão, Jesus vem para nos curar das nossas maleitas, das nossas enfermidades, de tudo aquilo que perturba a nossa existência e vem também curar as nossas feridas sociais. Jesus vem para curar, não vem para pôr remendos, mas “curar” («Eu faço novas todas as coisas» (Ap 21, 5), mediante o arrependimento e perdão) daquelas que são as fraturas que nós tantas vezes fazemos, não só nas nossas relações sociais, familiares, mas de modo principal, na relação com Ele, sendo Ele quem se coloca ao nosso alcance, quando ainda eramos pecadores (cf. Rm 5, 6-11). Deus “fez-se carne” para que o Homem seja verdadeiramente Homem! Só somos verdadeiramente pessoas, na medida em que nos relacionamos. «Somos um animal social» (Aristóteles). Não existe o ser humano isolado – o isolamento é um indício patológico. Só existimos enquanto relação e comunhão e, por isso, este homem que estava à parte, em Jesus, é plenamente reintegrado e já pode voltar a fazer parte da sociedade do seu tempo e da prática cultural.

4. Fé: pressuposto para a cura

“Senhor, se quiseres, podes curar-me”! Será que nós, na nossa oração, na nossa relação com Deus, também acreditamos nisto mesmo, com a mesma fé inquebrantável deste homem? Será que nos colocamos na disposição de sermos curados por Deus? Quais curas desejamos? Será que O procuramos? Será que acreditamos que Deus cura, salva, redime, restaura as nossas relações sociais? Será que acreditamos? “Senhor, eu sei, Tu se quiseres, podes curar-me!” Foi a fé deste homem que o levou à cura, pois procurou o médico divino, Jesus Cristo, que, em primeiro lugar, tornou-se acessível (“vendo Jesus que passava”).

Não há cura, não há salvação sem que da nossa parte, haja uma resposta de fé coerente e assertiva. Uma resposta que exclame do mais fundo do nosso ser: “Eu Acredito, eu creio, Senhor, tu és o único que me pode curar”. E, então, face a este ímpeto de fé deste homem, Jesus afirma perentório o seu sempiterno desejo: “Sim, quero, fica curado”.

Todavia, tantas vezes perguntámo-nos, aflitos e desesperados, mas o que é que Deus quer? Será que Deus quer as tragédias? Será que Deus quer as mortes, a doença? É isto que Deus quer? Jesus, diz-nos, inequivocamente: “Eu quero, fica curado”. É este e não há outro desejo de Deus senão o da vida, que pressupõe a cura.

5. Que Cura?

Em primeiro lugar, importa apreender que a primeira cura – para quem se diz crente -, tem forçosamente de ser daquilo que mina a nossa relação com Deus, isto é, o pecado e, por isso, assinalar o dia mundial do doente – dia de todos nós – é celebrarmos e rezarmos pela nossa cura espiritual, no qual encontramos no sacramento da reconciliação, essa cura transformadora e revitalizadora. Estamos todos em pé de igualdade. Deus veio para nos libertar do grande mal que é o pecado. Esta é a primeira e grande cura que opera! Foi por isso que Jesus abriu os braços, na Cruz, e morreu por nós. E ao dar a vida por nós, ofereceu-nos a possibilidade de salvação. Se nós assim o quisermos e assim o desejarmos.

Depois, sim, sarada a nossa relação com Ele, cura as nossas fraturas sociais, que vamos criando. E são tantas…. Tantas mortes inocentes, idosos descuidados, pais negligentes, filhos inconsequentes, processos litigiosos, divórcios, competitividade social e laboral que mata (burnout), sinais de corrupção, o alarde belicista que assistimos em direto. Se nós formos ter com Jesus e lhe dissermos, com fé: “Jesus cura-nos, cura a nossa sociedade, cura as nossas famílias, cura o nosso mundo”! Jesus cura, Jesus salva, mas é preciso que nós acreditemos e lhe peçamos com fé (como a do leproso) e nos abramos, plenos, à sua graça salvífica, libertadora e curativa, que nos reintegra!

Evidentemente, por fim, curar as nossas maleitas físicas, neste caso, uma doença concreta, a lepra, uma doença infetocontagiosa.

Hoje, também temos presente, todos quantos sofrem por força das suas doenças, das suas maleitas, das suas enfermidades.

Hoje, temos presente todos quantos profissionais de saúde ajudam e se dão nesta missão de serem também eles o braço estendido de Jesus. De facto, temo-los presente também a eles, porque eles continuam, hoje, a missão de Jesus, sendo verdadeiros heróis.

6. Jesus, revolucionário, rompe com o estigma/castigo social

Como vimos, Jesus age sempre ao contrário daquilo que os seus contemporâneos julgariam que agisse. Não demonstra problema nem repulsa, antes pelo contrário, toca no leproso, pelo amor desmedido que lhe tem. Jesus não precisava de tocar nele para que a cura sucedesse – como a cura do servo do centurião romano (cf. Mt 8, 5-13) -, mas perante aqueles olhares incrédulos e, sobretudo, todos quantos queriam afastar Jesus daquele homem – ainda que bem intencionados, Jesus Toca. Mais ainda, continua a tocar! Basta correr para Ele com fé!

Jesus Toca nas nossas feridas. Jesus assume em si, por inteiro, as nossas fragilidades, as nossas dores, as nossas penas. Jesus açambarca tudo para si, tudo! Tu não estás sozinho na tua dor, no teu sofrimento. Ele carrega essa mesma dor e esse sofrimento contigo, se tu quiseres. Partilha com ele a dor, partilha com ele esse sofrimento, mas com fé, na certeza de que não é da sua vontade que tu estejas doente. Se tu estás doente, não é porque seja essa a vontade de Deus, mas porque Deus assim nos criou – em última instância, até é, porque foi assim que Deus nos criou, contentando a sua obra como boa, o ser humano como muito boa, mas nunca perfeita (cf. Gn 1, 31) -, porém, criou-nos numa realidade transitória, numa realidade finita. Nós somos seres infinitos (alma), somos seres que vivemos já eternamente a nossa vida presente, que não acabará nunca mais. Vivemos a caminho da Páscoa eterna!

O certo é que, agora, vivemos no contexto da nossa materialidade (corpo e mente) e, por isso, finitos para este mundo. Somos seres em caminho, seres a caminho da pátria eterna. Não somos seres já acabados. A nossa realidade é transitória e é de crescimento e, por isso, também as dores são de crescimento (como uma criança). As doenças que porventura tenhamos são para nós uma graça e uma fonte enorme de crescimento pessoal, ajudando-nos a perceber o que é essencial na vida e a destrinçar de tudo o que é supérfluo.

7. A doença recorda-nos que somos criaturas, não deuses; a doença como oportunidade de renascer

A doença é proximidade também da morte, pois recorda-nos, que não somos o criador, mas criaturas. Não nos bastamos a nós próprios, somos seres em relação e só podemos salvar-nos em relação primeiro com Deus e com os irmãos – não de forma isolada como vivia o leproso. As doenças purificam o nosso olhar. Não que Deus as deseje, mas são aquilo que nos recorda verdadeiramente quem somos: criaturas, não deuses. O leproso ainda que vivo, não vivia. Era um homem isolado de Deus, dos demais e de si próprio, pois estava desfigurado.

Adiante, após a cura, Jesus ordenou-lhe que não contasse este mesmo episódio a ninguém, mas este homem não foi capaz de conter em si aquilo que a graça de Deus nele operou. Este homem não foi capaz de conter em si o que é sentir o Toque da mão de Deus em si. Depois de nos sentirmos, assim, curados, sobretudo, na relação com Ele e com os irmãos, a nossa vida não pode voltar a ser a mesma. É nova! Jesus disse-lhe que a ninguém o dissesse, apenas, para se mostrar ao sacerdote, pois assim estava previsto no livro do Levítico, para que a sua cura fosse comprovada pela sociedade e, assim, reintegrado na sociedade e no culto.

No entanto, este homem não foi capaz de esperar até chegar ao sacerdote. Depois de sentir a graça de Deus, o Amor que lhe Tocou, foi incapaz de conter a alegria de ser um homem novo em Cristo Jesus. É um homem novo, é um homem renovado, é um homem todo ele cheio de Deus, cheio da sua graça (cf. Ef 4, 22-24).

A cura é um renascer! Quando estamos doentes e, agora, já não falo só no sentido físico, falo no sentido espiritual, do pecado – que é essa a primeira doença da qual Deus nos vem resgatar -, nós vivemos desfigurados, não somos nós. Mas quando Deus entra em nós, faz-nos novas criaturas e, então, a nossa vida reluz, passámos a ser quem somos e a pele daquele homem voltou a ser o que era, e as relações daquele homem em sociedade voltaram a ser o que eram. E, mais importante que tudo, a relação deste homem com Deus passou a ser totalmente outra, ou melhor, nova!

8. Oração: com Deus tudo, sem Deus nada; Jesus Reza!

Não obstante tudo isto, assim o texto encerra- Jesus “retirava-se para lugares solitários e se entregava a oração”. E nós podemo-nos perguntar, retoricamente.: mas então Jesus, com tanta gente que a ele acorria, tanta gente que precisava da sua intervenção curativa, em vez de estar sempre a curar “em série”, vai rezar… Que desperdício na gestão de agenda…

Sim, Jesus tira tempo para rezar, porque Jesus só é capaz de curar, só é capaz de anunciar a Boa Nova do Pai, num enlace vital com o Pai! Jesus só cura, porque é Deus que cura através d’Ele. Portanto, mais ninguém cura, só Deus cura e salva. Jesus, mesmo sendo filho de Deus e sendo Deus na Trindade, ainda assim, tira tempo para a oração. Por isso, neste dia mundial do doente – que é nosso – , dediquemos, em família, tempo à oração!

Estou em crer que uma outra “lepra” pandémica que grassa celeremente é a da solidão, onde não nos podemos relacionar, mas, mas talvez, ainda grassa uma pandemia maior, que é a da ausência da relação com Deus. Se calhar, esta é a maior pandemia atualmente. Talvez, nos falte tempo para a oração. Mais do que estarmos logo a pedir – feitos “pedinchas” (desculpem-se a expressão) -, “Senhor cura-me, a minha família, aquela situação, aquela pessoa familiar ou amiga…”; já muito devemos antes! Oração!

9. «Senhor, ensina-nos a rezar» (Lc 11, 1)

Em primeiro lugar, dar graças ao Senhor pelo dom da vida, pelo dom da saúde que eu tenho, ainda que seja pouca.

Dar graças ao Senhor, pela família, pelas pessoas que Deus nos concede e são continuidade do braço estendido de Jesus que Toca e renova.

Reconhecermos que em tudo, d’Ele somos devedores e, depois, sim pedirmos-lhe com fé, “Senhor, se quiseres, eu sei que Tu podes tudo, que me podes curar”. É essa sempre a sua vontade. No entanto, uma ressalva: mesmo que peçamos com fé, às vezes pedimos mal. Não raras vezes, pedimos mal e, se pedimos mal e pedirmos o mal ou pedirmos com maldade (cf. Sto. Agostinho), Deus não nos concede o que pedimos.

Se pedirmos algo que não serve para a nossa salvação eterna, Deus não nos concede. Mas se for para nossa salvação e se for uma coisa boa, Deus certamente no-la concederá. Com efeito, rezar “seja feita à vossa vontade” (Pai Nosso) – nem tudo o que acontece é vontade d’Ele, a começar pelo nosso pecado-, não é rezar para que seja feita a minha vontade. É ao contrário. Eu é que plenamente libérrimo, conformo a minha vontade com a de Deus, tal qual Jesus no Getsémani (cf. Mt 26, 39-46). Portanto, não se trata de anular-me, mas de entregar-me! É justamente o oposto! Temos é de ter consciência de que a doença é o meio natural de partir…. Por isso, é certo que há de haver, na divina providência, uma doença que nos conduzirá para Deus.

Isso não quer dizer que devamos deixar de rezar. Nada mais errado! «Senhor curai- me!», mas pode não ser da vontade d’Ele; mas também pode ser, porque a cura que Deus quer é da nossa relação com Ele e, por conseguinte, virão as curas sociais e, por último, as das nossas doenças físicas e mentais. Tantos são os relatos de curas físicas, mentais e espirituais, ao longo dos evangelhos. Portanto, Jesus não curou apenas há 2000 anos atrás! Sabemos, verosivelmente, por vida de tantos santos, de milhares de milagres que vão acontecendo a “olho nu”, mas sobretudo dos milagres quotidianos que acontecem e do qual nós nem sequer nos apercebemos e Deus, como sempre, continua agindo, subtilmente, como na brisa suave (cf. 1 Rs 19, 10-15).

10. Um dia de todos nós: um sempiterno dia da predileção de Jesus.

Encaremos este dia mundial do doente como sendo um dia em que Deus olha para toda a humanidade (todos, todos, todos) com um amor predileto, porque Deus, em Jesus e Jesus, na sua Igreja, olha para todos os doentes com um olhar que “Toca na alma”!

Que neste mesmo dia, dia de Nossa Senhora de Lourdes – ao qual a liturgia dominical tem precedência-, pudéssemos todos formar uma cadeia de oração, com e em Maria, para que, cada um nas suas casas, com as suas famílias rezássemos pelo fim da pandemia do pecado, das fraturas sociais e belicistas e pela nossa saúde e dos que amamos.

Rezemos, com especial solicitude, pelos nossos profissionais de saúde e todos quantos têm intervenção direta. No contexto atual das várias pandemias que vivemos, sobretudo, rezemos por todos nós, pois todos nós somos doentes – é o nosso dia-, quando muito, somos todos carentes da graça de Deus, da sua graça curativa e libertadora que Ele nos dá.

11. Em suma, este dia, como já o afirmei, é-o de todos nós:

– É dia de agradecer o inaudito da encarnação, que só foi possível pelo Sim generoso de Maria (hoje invocada como Nossa Senhora de Lourdes), pelo qual temos Jesus, nas nossas cidades, que cura, liberta e redime.

– É dia de reconhecermos, ainda que não queiramos, a nossa condição de pecadores, no que diz respeito ao pecado pessoal e social.

– É dia de agradecer o dom da vida e da saúde (mesmo que seja pouca).

– É dia de dizer Sim à Vida e Não à morte (aborto e eutanásia 3 ).

– É dia de não fecharmos os olhos, mas vermos a realidade com clarividência.

– É dia de recordarmo-nos quem somos, de onde viemos e para onde vamos.

– É dia de recordarmo-nos que hoje somos sãos, amanhã poderemos não ser.

– É dia de restaurar as fraturas sociais (perdão)… E são tantas!

– É dia de quantos mais sãos, contribuírem, caridosamente, pelos mais enfermos.

– É dia de visitar os doentes (uma das obras de misericórdia).

– É dia de rezar por todos os profissionais de saúde (de ajuda direta e indireta).

– É dia de rezar por todos os enfermos (não somente os “nossos”).

– É dia de ousar rezar com fé: “Senhor, se quiseres, podes curar-me”!

– É o dia em que nos descobrimos humanos (criaturas), na relação com o transcendente (Criador).

– É, na verdade, dia de levar Quem cura: “todos a Jesus e Jesus a todos”!