Voltam as eleições legislativas e o país está novamente num impasse sem saber se a solução governativa será à esquerda ou à direita. A maioria parlamentar será conquistada por quem conseguir 116 deputados e neste contexto, os partidos políticos definem as suas estratégias de campanha com base em três dimensões: (a) públicos-alvo, (b) propostas prioritárias para cada público-alvo e (c) popularidade dos candidatos/ações de campanha nos distritos onde podem eleger mais mandatos.
A este nível, distritos com menos mandatos são deixados para segundo plano durante a campanha eleitoral e, inclusive, durante a própria governação (ainda que de forma dissimulada). É uma problemática que em nada está relacionada com ideologias, é simplesmente aritmética eleitoral e parlamentar. Os partidos políticos, e em especial os do arco da governação, ambicionam estar o maior tempo possível no poder e é com base nisso que definem as suas prioridades a nível nacional.
Nas últimas eleições legislativas votaram 5,5 milhões de pessoas, mas 690 mil votos não elegeram nenhum mandato (sem considerar os votos nulos e em branco). O sistema eleitoral atual favorece, sobretudo, os grandes partidos e os distritos com mais mandatos, o que condiciona e atrasa a coesão territorial e o desenvolvimento do interior. Temos 6 distritos que representam 66% dos mandatos e os restantes 34% são distribuídos por 12 distritos, R.A. Madeira, R.A. Açores e Estrangeiro (Europa e fora da Europa).
Os distritos com menos mandatos vivem numa espécie de “armadilha do sistema eleitoral”.
Primeiro porque apenas os grandes partidos conseguem eleger mandatos nestes distritos (a diferença de votos em relação aos pequenos partidos é muito considerável) e isso leva, por um lado, a que os grandes partidos não precisem de se empenhar demasiado para atingir os objetivos eleitorais e, por outro lado, que os partidos mais pequenos apenas dêem atenção aos distritos onde é mais provável eleger deputados.
Segundo porque os distritos com menos mandatos acabam por não ser prioritários para o núcleo da ação governativa, apesar de serem os distritos que necessitam de mais atenção, porque são confrontados com enormes desafios económicos, demográficos e ambientais. Os restantes distritos também enfrentam desafios importantes, mas os ecossistemas público, privado, académico e cultural acabam por contribuir com soluções que mitigam parcial ou totalmente os problemas que vão surgindo.
Para ilustrar o impacto da “armadilha do sistema eleitoral” vou considerar o Distrito de Beja. Nas últimas eleições legislativas votaram 67 mil pessoas e os três mandatos disponíveis foram distribuídos pelo PS e pelo PCP-PEV, que conseguiram, respetivamente, 29 mil e 12 mil votos. Devido ao sistema eleitoral, partidos como o Chega, B.E., IL ou Livre não vão conseguir eleger nenhum mandato nas próximas eleições (víde tabela abaixo). A alteração da geometria política a nível distrital pode demorar anos.
O Chega, que foi o quarto partido mais votado no distrito em 2022, precisaria de pelo menos 7 mil votos do PPD/PSD e dos restantes partidos à direita para superar o PCP-PEV nas próximas eleições. O cenário mais provável é que o PS consiga, novamente, 2 mandatos e que o PCP-PEV e o PPD/PSD disputem 1 mandato. Tendo em conta este contexto, a pergunta que se impõe é: os eleitores do Chega e IL devem votar no PPD/PSD? No sentido oposto, os eleitores do B.E. e Livre devem votar no PS ou no PCP-PEV?
A minha recomendação aos eleitores deste distrito é que ao longo das próximas semanas reflitam considerando três fatores: (a) benefícios específicos no distrito que resultaram de propostas do PS e PCP-PEV (partidos com mandatos), (b) desempenho dos deputados que representaram o distrito na última legislatura e (c) prós e contras do voto útil no PS, PCP-PEV ou PPD/PSD (partidos que estão mais próximos de eleger mandatos nas próximas eleições).
Sem a reforma do sistema eleitoral e a consequente alteração para um sistema misto de representação proporcional personalizada (leia-se, círculos uninominais com círculo de compensação), a fatura para os distritos com menos mandatos será crescente porque estes continuarão a estar ausentes das linhas de ação prioritárias dos governos. É fundamental encontrar uma solução que aumente a representatividade destas populações e a sua capacidade de influênciar positivamente os decisores políticos.
Com a alteração do sistema eleitoral, os próprios candidatos a nível distrital serão incentivados a apresentar as suas propostas e os resultados a atingir ou atingidos (caso tenham sido deputados na legislatura anterior). Por outras palavras, com a alteração do sistema eleitoral a população será mais envolvida, as suas ambições e necessidades serão conhecidas, bem como as expectativas sobre os representantes a nível distrital.
Por último, importa referir que em dezembro foi chumbada a proposta da IL para a criação de um círculo de compensação nacional nas eleições legislativas que elegeria 40 dos 230 deputados. O B.E., PAN, Chega e Livre votaram a favor e o PS, PPD/PSD e PCP-PEV votaram contra (a principal razão do chumbo foi o momento da apresentação da proposta a poucos meses das eleições).
Considero que os partidos políticos dariam um excelente sinal ao país se voltassem a discutir a reforma do sistema eleitoral em 2024, pelo simbolismo dos 50 anos do 25 de Abril, e pela sua importância para a representatividade política dos distritos com menos mandatos, para a coesão territorial e em última instância para o reforço do regime democrático em Portugal.