Caro Leitor, se lhe perguntassem quais as áreas do Direito que podem comunicar mais diretamente com o mundo da Arte, o que responderia? O Direito de Autor ou Direito do Património Cultural? O Direito dos Contratos? E o Direito Fiscal? E o Direto do Seguros? Talvez também o Direito da Família e Sucessões?

Talvez todos estes ramos do Direito ocupem a vida de quem exerça advocacia ou assessoria jurídica no setor cultural.

O artista cria a obra de arte e torna-se titular de direitos de autor. Isto é, quase sempre, imutável – chamamos-lhe o conteúdo moral deste direito. Há, porém, uma parte “negociável” deste direito: o seu conteúdo patrimonial. Por exemplo, o colecionador de arte poderá expor publicamente uma obra de arte da sua coleção, sem prévio consentimento do artista?

Por regra, o titular do direito de propriedade pode, a seu bel-prazer (cum grano salis), alterar objetos que lhe pertençam. Será também assim com o proprietário de uma obra de arte com proteção autoral?

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Originalidade e autenticidade, requisitos de extrema relevância nos mercados da arte, são, necessariamente, também muito importantes para o Direito. Nem é preciso recorrer à imaginação: a história já nos mostrou como até leiloeiras de prestígio internacional levam a leilão obras de arte contrafeitas ou sem o prévio due diligence sobre a sua propriedade…

Aumentando a complexidade: o que é a arte ou uma coleção de arte para o Direito?

A norma jurídica não nos dá indicações literais acerca da terminologia coleção. Há institutos legais que, genericamente, podem integrar tal conceitualidade, como é o caso da Universalidade de Facto ou de Direito provenientes do Direito Civil.

Por outro lado, a definição de arte evolui, atualmente, a uma velocidade quase alucinante – pensemos em todo o universo da arte contemporânea do séc. XXI e dos recentes fenómenos da evolução tecnológica que, nessa sede, se imiscuem. Assim, o conceito de coleção de arte tem, em si, muito de desafiante, sob diversos prismas, para o intérprete da Lei.

Neste contexto, há um elemento de extrema subjetividade: as pessoas e instituições que colecionam arte. É imperioso compreender a origem, a natureza, e a filosofia evolutiva da coleção de arte. Pode ser estritamente privada, pública, museológica ou empresarial (corporate art collection), de entre outras fisionomias possíveis. Trata-se de um primeiro cenário a desvendar, que nos auxilia na identificação do perfil do colecionador. O retrato possível do colecionador é uma valiosa matéria-prima, permitindo antever as dinâmicas pretendidas e aconselhar de forma mais certeira. Será uma coleção que se deseje mais “estática”, ou mais itinerante, mais ou menos exposta e/ou divulgada, mais ou menos filantrópica, mais ou menos recente e diversificada, mais ou menos apaixonada ou racional, incorporada em pessoa coletiva (sociedade comercial ou fundação, por exemplo), de entre outros cambiantes ponderáveis.

A circulação da totalidade ou de parte de uma coleção de arte, está dependente de formalismos diferentes, consoante a sua antiguidade (de cada uma das obras de arte que a compõem) e a diáspora que se pretende prosseguir, por exemplo, dentro ou fora da União Europeia. A valorização que o Estado pretende atribuir a uma obra de arte ou coleção de arte pode influenciar ou diminuir as prerrogativas de um colecionador de arte (os denominados atos públicos de classificação de bens culturais). Um colecionador de arte que pretenda obter uma ARI (Autorização de Residência para Atividade de Investimento) em Portugal, mediante um investimento cultural, terá a lei do seu lado?

Serão quase infindáveis os cenários que podemos elencar quando a Arte e o Direto se cruzam. A coleção de arte está no Mundo da Arte, mas está também, inevitavelmente, no Mundo do Direito.