No passado dia 15 de Novembro, pelas 3 da manhã, estava com a minha família na Escola de Fuzileiros, no Barreiro, para receber o meu irmão mais novo no final do exercício “Operação Mar Verde”. Esta é a última prova do curso de fuzileiros (propositadamente reminiscente da operação anfíbia de mesmo nome que se deu durante a guerra colonial), que se prolonga em intensidade física e psicológica durante mais de uma semana e que culmina numa dura marcha de cerca de 50 km.

Apesar do extremo cansaço físico de que sofriam, após suportarem violentas provações, apareceram da bruma da mata da Machada em formação e a entoar os seus característicos cânticos militares a plenos pulmões, pois engane-se quem pense que tal proeza se atinge por simples força dos músculos. Observei a determinação nos rostos magros e exaustos, a camaradagem na forma como carregavam um camarada lesionado nos últimos metros, e a capacidade de sacrifício e sofrimento por uma recompensa tão singela como um distintivo de fuzileiro. No entanto, não me parece que a trocariam por nada, porque aquilo que simboliza é maior que qualquer recompensa material, qual coroa de oliveira dos atletas olímpicos de outrora. Adicionando a isto as dezenas de familiares e amigos que preteriram de uma noite de sono a meio da semana (em alguns casos viajando longas distâncias) para estar lá de madrugada para os receber e para “cinco minutos de confraternização”.

Lembram-me as palavras daquele livro: “Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinhos e figos dos abrolhos? Toda árvore boa dá bons frutos; toda árvore má dá maus frutos. Uma árvore boa não pode dar maus frutos; nem uma árvore má, bons frutos.” Há algo de bom aqui. Os “frutos” parecem bons, não só pela determinação, camaradagem e espírito de sacrifício, mas pela dedicação que inspiraram nas respectivas famílias. Importa pouco se são capazes, ou não, de intelectualizar ou articular essas virtudes (como é lugar-comum ouvir-se quando se fala da via militar), quando as incorporam e as colocam em prática. De qualquer das maneiras, a intelectualidade, por toda a sua teorização, sempre teve uma tendência para opor o Homem à virtude praticada.

O afastamento físico, e consequentemente psicológico e emocional, do Ocidente em relação à guerra, tem vindo a manchar a percepção que temos dos combatentes e da formação militar, um infeliz dano colateral que é imperativo erradicar. Para isso, podemos começar por salientar que a guerra não é necessariamente má. Não o é quando feita em defesa de um bem, ou contra um mal. Ou estaremos prontos para condenar os Aliados por terem feito guerra ao Eixo? Porventura a condenação não esteja tão relacionada com os fins ou motivações da guerra, mas sim com os seus meios e infortúnios próprios, algo que é compreensível pela forma como esta tende a empurrar a Humanidade até ao limite da sua vontade, iluminando as suas faces mais escuras. No entanto, não será esse mais um motivo de consideração positiva pela formação militar? O sabermos que foram treinados para minimizar os danos colaterais da guerra? Que tentam aliar bons meios a um bom fim? Então, talvez possamos olhar para o facto de a guerra não os corromper totalmente como um forte indicador da boa formação que têm, e não para o seu envolvimento nesse mundo como prova da sua culpa intrínseca.

Penso que é hora de reconhecer que a “árvore” que dá estes “frutos” também deve ter algo de bom; de parar de confundir a guerra com os seus intervenientes; de substituir o desprezo e a condescendência pelo respeito e a gratidão. No fundo, é tempo de julgar a árvore pelos seus frutos.

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