No alvoroço dos dias modernos, em plena era do mundo digital, surge um fenómeno silencioso: os “news avoiders”, aqueles que deliberadamente e consistentemente procuram afastar-se das correntes informativas, evitando consumir notícias. Movidos por uma amálgama de descrença e desconfiança nos media – por sua vez, vistos como parciais ou manipuladores – este fenómeno de iliteracia, embora compreensível do ponto de vista cognitivo e emocional, lança uma extensa sombra sobre o tecido social.

Numa tentativa de evitar informações que podem ser percebidas como perturbadoras, enviesadas ou irrelevantes, os news avoiders desafiam os padrões tradicionais de consumo mediático, compondo um grupo populacional diverso, que inclui as faixas etárias mais jovens e as diferentes alas do espectro político (Nieman Journalism Lab), não sendo, deste modo, necessariamente caracterizados como figuras marginais à sociedade digital.

Segundo estudos publicados em 2018 pela More in Common e em 2024 pela American Psychological Association, a sobrecarga de informação e a narrativa noticiosa marcada por tons apocalíticos e polarizadores, levando ao esgotamento emocional e a um crescendo da ansiedade da população, são identificados como as principais causas que ampliam a procura pela evasão na esfera informativa. Numa sociedade saturada pelo turbilhão dos meios de comunicação, a perceção de que somos alvos diretos de um bombardeamento de informação torna-se prevalente, especialmente entre os mais jovens, que veem o acompanhamento ativo das notícias não tanto como uma necessidade, mas mais como uma escolha entre as muitas formas de consumo de conteúdo.

Mas o que significa para a sociedade, a proliferação deste fenómeno? Uma população menos informada é menos capaz de participar de modo significativo em processos democráticos, resultando numa cidadania enfraquecida e potencialmente mais suscetível à desinformação. Além disto, este distanciamento contribui para a amplificação de divisões sociais e políticas, uma vez que diferentes grupos sociais acabam por consumir realidades informativas que reforçam somente as suas crenças preexistentes, diminuindo o espaço e capacidade de diálogo e de entendimento mútuo entre grupos com diferentes perspetivas, contribuindo para o acentuar da polarização político-social.

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Contudo, esta dinâmica de evasão de notícias, embora desafiadora, oferece também uma oportunidade para os meios de comunicação repensarem a forma como envolvem efetivamente um público diversificado e relutante. É o caso do Solutions Journalism (Jornalismo de Soluções), uma corrente jornalística que investiga e explica, de forma crítica e clara, o modo como as pessoas procuram resolver problemas amplamente partilhados, procurando assim reconectar a sociedade através do entendimento mútuo. Esta nova abordagem ao jornalismo sugere uma mudança crucial nos filtros através dos quais consumimos notícias, convidando-nos a procurar histórias que fortaleçam nosso sentido de agência e possibilidade coletiva, em vez de nos rendermos à narrativa de um mundo irremediavelmente dividido. Com o desafio de procurarmos um maior envolvimento cívico, pelo bem da saúde coletiva na cultura política, o fenómeno dos news avoiders não deve ser interpretado apenas como um mero ato de auto-preservação, um refúgio na ignorância seletiva, mas como uma procura por uma narrativa mais palatável e fiel à complexidade da realidade noticiada. Contudo, quando observado como um comentário mordaz ao estado atual dos media, este sinal de alerta para aqueles preocupados com a integridade da conversa cívica, deixa-nos um “cautionary tale” que deve ser recordado: um corpo político menos informado é terreno fértil para a manipulação e o crescimento de teorias conspiratórias.

(*) A expressão “cautionary tale” representa uma história, experiência ou situação que serve de aviso futuro para outros.

Observador associa-se aos Global ShapersLisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.