No seguimento da entrada da geringonça no cenário político português, o então líder do PSD, Pedro Passos Coelho, anunciou a vinda do diabo. No ano seguinte (2016), o PS surpreendeu-o a ele e a todos ao ser bem-sucedido em manter uma austeridade, escondida nas cativações, que era o oposto da natureza da sua campanha política e de tudo o que se poderia esperar de uma geringonça. Nesse âmbito, não culpo Pedro Passos Coelho por ter achado que vinha aí o diabo, pois foi surpreendente o modo como o PS e Mário Centeno enganaram a esquerda (BE+PCP) para se manterem no poder, mantendo a austeridade através de cativações.
É certo que, quando mencionou o diabo, Pedro Passos Coelho se referia a mais curto prazo, mas a verdade é que ele acabou por chegar, e a dobrar. Ambos os programas eleitorais do PS e PSD para 2015 contrastavam apenas de forma ligeira, com o primeiro a optar pela via de aumentar os gastos do Estado e apostar no consumo privado como fonte de crescimento económico, numa política de bolsos cheios, enquanto o segundo optaria por uma cautela orçamental e um crescimento sustentado em investimento e exportações numa política de prudência e de cofres cheios para enfrentar eventualidades.
Portugal tinha em 2015 a escolha entre o primeiro-ministro que era honesto e frontal sobre os desafios que o país enfrentava, e um líder da oposição que prometia voltar aos grandiosos anos de Sócrates: 2005-2011, com a qualidade de vida desses anos, escondendo a insustentabilidade visível desses tempos. Neste cenário eleitoral, que não deu maioria à coligação de Passos Coelho, o PS de António Costa escolheu abrir a porta a uma mudança: apesar de as eleições sugerirem que o povo pedia um bloco central (sugestão reforçada com a eleição de Marcelo para a presidência), Costa viu a estrada para o poder e tomou-o abusando dos votos, fazendo acordos com partidos cujos programas eram muito mais incompatíveis com o seu do que a alternativa sugerida pelo povo.
A prova de que o próprio António Costa teve a mesma leitura que eu dessas eleições, está visível no uso constante da expressão “contas certas” (outra expressão sinónima a austeridade) por parte do próprio e do respetivo governo, que se seguiu à formação da geringonça. O uso deste mote importante, marca original do PSD de Pedro Passos Coelho, demonstra o reconhecimento do eleitorado que Costa isolou com a sua maioria de esquerda. O PS procurou fazer da sua nova marca, as “contas certas”, para branquear o passado da maioria dos membros do governo, num outro governo que colocou o estado português de joelhos (o de Sócrates).
Passados os 7 anos do governo socialista, que ridicularizou a ideia do diabo em si, chegou o diabo com duas faces: o Covid e a guerra. Estes eventos, apesar de apelarem a uma maior solidariedade europeia (que nos vai salvando), podem levar a uma séria crise nos países que nos financiam, deixando Portugal numa situação frágil e de grande risco.
A opção de promover o crescimento pelo consumo perpetua o nosso empobrecimento ao desviar recursos da criação de capital produtivo (para produção futura) para gastos correntes (para o prazer imediato). À má política somam-se decisões desastrosas, como o resgate do novo banco e a nacionalização da TAP, entre outras que se vão revelando à medida que ficamos expostos à próxima tempestade, o tal diabo. Tudo isto leva o estado português a uma situação de falência: o estado está preso à sua despesa corrente, e ainda não conseguiu dar resposta a problemas graves em setores chave, como são a saúde e educação.
Para piorar a situação, ao seguir uma estratégia focada na despesa corrente, este governo ficou sem margem para dar apoios ou lançar pacotes de resposta às crises que vão surgindo (as tais eventualidades): isto foi evidente em 2020, quando a ajuda do governo a famílias e empresas deixou muito a desejar, e no pacote que vemos este ano, em outubro, que é seriamente limitado e simplista: não faz mudanças estruturais, é uma solução de curto prazo.
Ao ver os comentários dos campeões do governo que, ao defender o orçamento de 2023, dizem que os tempos são difíceis e que era tudo inesperado, para justificar a sua flagrante incompetência, não posso deixar de ficar perplexo. Por isso quando alguém que defende o governo disser isso, recomendo aos comentadores da oposição a seguinte resposta: as dificuldades que refere são o Diabo anunciado em 2015, e o governo não só não se preparou, como fizeram pouco de quem avisou e ainda cantaram vitória, tal é o preço da soberba dos que não são capacitados para o serviço a que se propõem.
Espero que, se vier o terrível dia em que o diabo nos leva a melhor, nos recordemos que em 2015 houve uma alternativa que foi derrubada, que punha o foco na preparação para enfrentar futuras crises e prevenir qualquer regresso a uma crise como a de 2011, que foi traumática para o país. Derrubada para nos trazer a mesma política que nos deixa expostos a tais crises.
PS: Se insistirem com o facto da absoluta confiança do povo português ter dado uma maioria absoluta, qual presente envenenado a um governo que se procura desresponsabilizar, sublinho que a guerra começou depois das eleições, e que anteriormente à guerra problemas como o da inflação estavam escondidos debaixo do tapete.