Faço notar, em primeiro lugar, que não nutro qualquer tipo de apreço por opiniões. Melhor dizendo — e tendo em conta que não se justifica a utilização de uma expressão eufemística —, não escondo o sentimento de repugnância que inúmeras vezes me domina aquando da confrontação com opiniões frívolas. Perante estas palavras, seria possível conjeturar uma vasta gama de cenários explicativos sobre este ponto, e até, eventualmente, sobre os traços psicológicos que justificariam uma tal atitude. Porém, tais explicações não constituiriam mais do que meras opiniões. Não se trata, naturalmente, de uma intransigência intelectual a respeito da existência de posições divergentes (o que consubstanciaria uma atitude despótica, quiçá narcisista); trata-se, pelo contrário, do reconhecimento de que a infocracia que pauta as sociedades hodiernas exponencia a proliferação de exercícios opinativos inócuos, ao passo que desfavorece o desenvolvimento de posições teóricas bem sustentadas.

Assim se delineia o ponto de partida para a presente reflexão. O que aqui se pretende é, portanto, proceder a uma distinção clara entre os conceitos de “opinião” e “posição”, demonstrando a superlatividade deste último. Visando cumprir este desiderato — ainda que de modo assaz lacónico —, recordemos aquela que é, porventura, a mais sumptuosa tentativa de separação dos dois conceitos. Referimo-nos à proposta apresentada por Platão, que define a doxa (opinião) como uma forma de conhecimento ilusória, particular e contingente, e, antagonicamente, a episteme (ciência) como uma forma de conhecimento verdadeiro, universal e necessário. Pese embora o desenrolar da história do pensamento humano, e nomeadamente a mundividência instaurada pelo advento da ciência contemporânea, sugira que o conceito clássico de episteme deve ser avaliado com a devida prudência, podendo justificar-se, aliás, a suspensão parcial das categorias de “verdade”, “universalidade” e “necessidade”, tal não invalida a atualidade e a pertinência da distinção preconizada pela filosofia platónica.

Quer isto dizer que, mesmo perante a toada anti-racionalista em que por vezes nos vemos enclausurados nos nossos dias, as opiniões continuam a revelar um elevado grau de esterilidade. Em confluência com a explicação epigráfica, a identificação da opinião com as categorias de “particularidade” e “contingência” aparenta ser insofismável, o que nos remete para o seu estatuto ilusório no plano do conhecimento. Em contrapartida, o conceito de “posição” é, de certa maneira, coadunável com o conceito clássico de episteme, desde que as categorias subsumidas no mesmo não sejam interpretadas dogmaticamente, isto é, de forma irrefletida. É, pois, neste sentido, que urge diferenciar as duas palavras e discernir, com comedimento e coerência, a sua aplicabilidade.

Todas as pessoas são capazes de formar e, subsequentemente, transmitir as suas opiniões; ou seja, são capazes de se debruçar sobre determinado “objeto” ou assunto e, com maior ou menor proficuidade, consolidar um juízo acerca deste. Note-se, que o termo “juízo” é aqui empregado de acordo com adefinição kantiana, isto é, como um produto do entendimento humano que é gerado pela unificação de dois conceitos, sendo que um cumpre a função de sujeito, enquanto o outro assume a função de predicado. Nesse sentido, dado que qualquer opinião decorre desta mesma prossiliência cognitiva – de uma conjunção de ideias, entenda-se –, podemos concluir que as opiniões representam, apesar de tudo, atos judicativos.

Não obstante, devemos ter em conta que estas configuram juízos superficiais cuja infrutiferidade se revela notória, não possuindo, por isso, qualquer relevância epistemológica. O “corpo” desta conclusão lógica foi, também ele, esculpido pelo platonismo; recordemos, a título de exemplo, a insurreição do filósofo ateniense contra o “conhecimento verosímil” disseminado pelos sofistas. Um dos eixos fundamentais da objeção platónica à sofística parte, como se sabe, da ideia de que o conhecimento que esta fornecia seria representativo de um posicionamento não filosófico, ou, por outras palavras, de uma atitude filodóxica. Este conceito expressa, com efeito, a noção de uma conduta que se situa nos antípodas da praxis filosófica, na medida em que, contrariamente à filosofia, a filodoxia evidencia a perniciosa tendência de privilegiar a aceitação de opiniões infundadas, em detrimento de uma examinação crítica dos argumentos que as sustentam.

Perante esta telegráfica contextualização, as palavras introdutórias deste brevíssimo artigo tornam-se inteligíveis aos olhos de (quase) todos os leitores, no sentido em que se encontra, desde já, aduzida a razão do descomprazimento relativo à inutilidade que caracteriza o termo “opinião”. Em síntese, a exposição concisa que aqui se presentifica, procura apenas colocar em evidência a ambiguidade e a indigência do conceito de “opinião”, demonstrando, em simultâneo, a dignidade e a subtil elevação do conceito de “posição”. Este texto não deve, portanto, ser interpretado senão como uma crítica contundente da nociva predisposição com que, nos dias que correm, a esmagadora maioria das pessoas se exime de refletir com profundidade e argúcia, limitando-se a aceitar de modo acrítico a informação com que se depara. Cumulativamente, o presente artigo não deixa de corporificar um repto a todos aqueles que, com naturalidade, leem e escrevem; assume-se como um apelo discreto, mas necessário, para que se ouse questionar o caráter dóxico que subjaz ao termo “opinião”, visando um horizonte de sentido menos exíguo, cuja hipotética consecução dependerá sempre de uma adequação sistemática do pensamento humano à natureza epistémica do conhecimento.

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