Oliveira Salazar não morreu. Pelo menos, assim parece se olharmos para a direita portuguesa e o indómito medo de se afirmar como sendo aquilo que é, e não poderia deixar de ser: o lado direito da democracia liberal portuguesa. Esta incapacidade resiste fruto de uma certa vergonha motivada pela crença, infelizmente ainda relevante nos sectores socialmente influenciados pela esquerda, que insiste em Salazar — e o seu autoritarismo — como sendo o paradigma da “identidade” da direita. Daqui nasce uma superioridade pseudo-moralista da esquerda que se imagina com maiores pergaminhos democráticos que a contraparte direita — a qual, perante o dedo moralista apontado pela esquerda, muitas vezes desiste e aceita as alegadas “regras do jogo” impostas pelo adversário. Um exemplo? A forma como o PSD se deixa aprisionar pelo cerco criado pelo PS e a comunicação social que impõe a “forma politicamente correcta” como lidar com o Chega!, um constrangimento nascido do “manifesto Acácio” das célebres linhas vermelhas publicado em 2020 por uma certa “elite” pensante, normalmente publicada, que assim pretendeu representar, e condicionar, a direita portuguesa.

No entanto, como deveria ser evidente para todos, apesar do que a esquerda possa acreditar, a direita moderna nada tem a ver com Salazarismo. Este, como qualquer livro de História o atesta, era anti-democrata, anti-liberal e anti-parlamentar, o oposto da direita liberal moderna. Ainda assim, este desequilíbrio no sistema político-partidário, onde um lado se imagina moralmente acima do outro, o qual, ainda para mais, não se revolta contra a posição subalterna que lhe é imposta pela maior parte dos agentes mediáticos, não deixa de ser trágico e explica muito do atraso estrutural português, tal como, também, o estado deplorável em que nos dias de hoje a “direita” se encontra — isto, porque nenhum movimento político, social e cultural se afirma numa sociedade, menos ainda se torna maioritário e vencedor, se estiver enfermado de um medo de existir que o coloca a priori numa posição de menoridade existencial.

Quanto ao atraso estrutural, importa perceber que a esquerda tende a colocar o seu ênfase político na distribuição — daí que os seus slogans andem permanentemente em redor de ideias como a “igualdade”, a “solidariedade”, ou qualquer outra coisa que, na prática, implica quase sempre a existência de um estado omnipresente que controla, regula e redistribui a capacidade produtiva da sociedade. Ao contrário da esquerda, a direita tende mais a focar-se na vertente produtiva, privilegiando liberalizar mercados, baixar impostos e diminuir o peso do estado. Infelizmente, a evidência histórica de serem os países com maior grau de liberdade económica — leia-se menos impostos e menos estado — que mais prosperidade alcançam é algo que não convence a casmurrice própria da mente lusa que ainda vê o mundo pelas lentes da ortodoxia marxista. Do mesmo modo, parece também não ser facilmente compreendido pela “inteligência” académica e intelectual — tradicionalmente alinhadas, junto com as redacções, à esquerda — que não se pode distribuir aquilo que não se produz, uma evidência que explica como o estado social-democrata apenas pode ser colocado em prática em países com economias pujantes, fortemente firmadas no modelo do livre-mercado e da iniciativa privada. O atraso estrutural português, resumido assim em poucas palavras, deriva precisamente deste desequilíbrio: com a excepção dos 10 anos de Cavaco Silva e do governo de emergência de Passos Coelho, passámos os últimos 40 anos a querer distribuir aquilo que, para mal dos nossos pecados, não nos preocupámos em produzir.

Este desbalanço criou um estado gigantesco acoplado a uma enorme classe de dependentes que, junto com uma grande parte de funcionários públicos, natural e racionalmente, religiosamente, votam, independentemente do ciclo político, no partido que lhes garante o rendimento, bem como o tradicional aumento meses antes de eleições legislativas, assim aprofundando uma espiral de lento, mas constante, empobrecimento face aos países vizinhos: onde há 30 anos lutávamos para ser o “bom aluno” da Europa a 12, passamos agora por “cábulas” na cauda de uma Europa a 27, um completo fracasso geracional apenas explicado por uma falência intrínseca do sistema político português, evidentemente incapaz de gerir o país com o mínimo de capacidade que se exigiria a uma democracia liberal avançada — que não somos, nem nunca fomos. Os resultados, muito mais que a propaganda governamental, falam por si.

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A par, e fruto directo dessa incapacidade política, gerou-se uma assustadora dívida pública — outra medida empírica que atesta o défice entre o que se produz e o que se distribui — apenas sustentável enquanto os peritos do BCE a garantirem a “preços controlados” (o Quantitative Easing que nada diz à generalidade do eleitorado) e os governantes portugueses, de espinha vergada, continuarem a pedirem a esmola enquanto cumprem com aquilo que os burocratas em Bruxelas lhes mandarem fazer. Neste aspecto, é já a soberania nacional que foi deitada à rua também.

Em suma, não será difícil de perceber, pelo menos para espíritos mais libertos dos grilhos da possessão ideológica e da falsa virtude do moralismo pacóvio que domina a redacção e a escola, que o desequilíbrio estrutural português pode ser facilmente correlacionado com uma desproporcionada primazia de governos preocupados em distribuir aquilo que não se produziu — e que não se produziu porque há um défice de governação no país focada nesse aspecto. Ou seja, o famoso “déficit” deriva de um défice económico estrutural, e este défice deriva de um outro, que lhe é anterior, que é político e cultural, e se traduz nos governantes que produzimos e elegemos — normalmente, já por hábito e cada vez mais, à esquerda.

Para esse défice, tal como aludi no início, contribui fortemente o fantasma do Salazarismo — normalmente consubstanciado no epíteto “fascismo” —, o papão com que a esquerda constantemente brinda qualquer proposta reformista, inovadora ou mais original por parte da direita. Hoje, Montenegro é “fascista” porque não diz que se recusa a aceitar votos parlamentares de apoio a um seu governo por parte do Chega!, tal como Passos Coelho foi “fascista” por implementar o programa da Troika (negociado pelo PS após a bancarrota socialista), ou Cavaco Silva foi “fascista” por querer privatizar a banca, os seguros e a comunicação social, ou, ainda, Sá Carneiro era “fascista” porque se coligou com a “extrema-direita” de Freitas do Amaral. No entanto, mais grave do que a propaganda esquerdista, infantil, ignorante e descabida — porque injusta para com as vítimas do verdadeiro fascismo —, é o facto de a direita parecer acusar o toque e, quando acossada, acabar escondendo-se, a medo, sob a pressão da maioria académica, política e mediática que polui a comunicação social — hoje cada vez mais dependente dos subsídios e anúncios do estado e dos seus institutos, fundações e demais infindáveis organismos.

Assim, chegamos ao triste estado em que a direita se encontra em Portugal — encolhida, desvirtuada, descaracterizada porque a reboque dos temas e preocupações da esquerda. Senão vejamos: de um lado a IL, uma agremiação criada por três ou quatro peritos de marketing que sonharam um pequeno partido que não fosse “nem de esquerda nem de direita” e que, servindo como barómetro do sistema, ora daria a vitória ao PS, ora ao PSD. A IL apenas não morreu à nascença porque os seus fundadores, a coberto do epíteto “liberal”, após os naturais desaires eleitorais iniciais de quem nada tinha para oferecer ao país além do marketing, viram a derradeira oportunidade no recrutamento de Guimarães Pinto que, sozinho e contra a matriz original do partido, ofereceu pela primeira vez um voto em Portugal com o qual uma relevante franja de eleitorado de direita (que votava essencialmente PSD ou CDS) se identificou. A seu tempo, depois de conquistada a ribalta parlamentar, Guimarães Pinto passou, naturalmente, para segundo plano e o partido que nem é de direita nem de esquerda, um nem-nem político, lá retornou à mão de quem nele sempre mandou, bem como rumo à sua inicial imaginada função no sistema partidário. Entretanto, abusam do slogan “liberal”, desde logo porque parecem ser incapazes de alcançar que o liberalismo — o verdadeiro, aquele em “toda a linha” — é sempre o que protege o indivíduo, junto com a sua intrínseca liberdade, em particular face ao estado que, presume-se, sendo liberal, deverá, por princípio e em tese, ser neutro nos costumes, nas ideias e nos valores — o oposto da agenda identitária tipo-BE que a IL advoga em berros estridentes para que o estado a passe a patrocinar nas escolas e jardins infantis, tudo em nome de uma liberdade que, porque não compreendida, acabam por perverter.

Ora, se dum lado, o da IL, temos à suposta direita uns aliados culturais e intelectuais da esquerda identitária — uma das maiores ameaças à liberdade individual dos nossos dias — que nem sequer se assumem, e bem, como sendo de direita, então que dizer do outro lado? Aí, impante, orgulhosamente sós, temos o Chega! e Ventura, um “one man show” que ninguém percebe bem o que defende ou quer para o país: de liberal na economia a advogado de fixação de preços alimentares, de adepto de uma cerca sanitária anti-Covid aos ciganos até contestatário das medidas anti-Covid para todos, de combatente da ideologia de género a proponente de casas de banho sem género nas escolas, de crítico da nacionalização da TAP a crítico da privatização da TAP, de tudo e o seu contrário se faz Ventura desde que cheire a votos e a popularidade. Ainda assim, dada a sua natureza alegadamente anti-sistema, o Chega! vê a sua popularidade crescer apesar das incongruências internas que o tornam politicamente ininteligível. Aliás, ao contrário de Meloni em Itália e Abascal em Espanha que, concorde-se ou não, expõem o seu pensamento com a clareza que lhes garante reconhecimento eleitoral, o Chega! em Portugal parece fazer furor precisamente não assumindo nenhum combate em particular para além do chavão de oportunidade que Ventura explora sempre com mestria e genialidade.

Ventura ganha também votos quando estes lhe vêm cair de podre no regaço. Isto porque entre a IL e o Chega!, no meio, está um CDS que desapareceu do mapa e um PSD que passou grande parte dos últimos 6 anos a dizer ao seu próprio eleitorado de direita que “o PSD não é de direita”. Rio, um mitómano casmurro auto-imaginado como salvador da pátria e que, a expensas de querer granjear a popularidade que a inteligência nacional afirma não poder ser de “direita”, ocupou-se, pressurosamente, a destruir o legado do PSD como o grande partido de “centro-direita”, abrindo desse modo, de par em par, estúpida e atavicamente, as portas ao crescimento da IL e do Chega!, dois partidos, aliás, cujos fundadores em parte, ou na totalidade, saíram desse mesmo PSD.

Assim, uma direita que, pelas razões que se apontaram acima, tinha já uma dificuldade intrínseca em, primeiro, afirmar-se como aquilo que é, ou deveria ser, e, depois, em conseguir passar a sua mensagem num ambiente que lhe é hostil, acabou dividindo-se em 3-4 partidos (se contarmos com o CDS) que se demonstram hoje incapazes de oferecer uma maioria estável ao país e uma alternativa credível ao PS. Posto isto, o défice produtor, empreendedor e libertador nacional não pode fazer outra coisa além de aprofundar-se — algo que vamos constatando à medida que o governo socialista apodrece no poder junto com os serviços sociais para os quais, apesar dos impostos altíssimos, não há dinheiro para pagar.

Naturalmente, a esquerda agradece o estado da arte. E, aproveitando, PS e Chega! entraram numa espécie de affair secreto onde o primeiro fortalece o segundo, porque não fala noutra coisa senão nele, e o segundo, agradecido, retribui garantindo que quanto mais forte for menos o PS tem que se preocupar com o PSD ser capaz de governar por mais que breves interregnos na hegemonia socialista.

O medo de existir da direita é o grande responsável pelo défice democrático que vai grassando, agora já da política para as instituições em geral, desde os tribunais (veja-se o caso Sócrates) às secretas, dos observatórios às autoridades corporativas, por todo o lado alastrando o polvo socialista, isto porque cresce sem o necessário contraponto democrático. Deste modo, considerando a natureza nem-nem da IL, o cata-ventismo oportunista do Chega! e o desaparecimento do CDS, sobra agora apenas a esperança de que o PSD consiga reencontrar a sua verdadeira identidade como o grande partido da direita democrática e liberal portuguesa, símbolo político do reformismo e da liberdade económica e individual, apresentando — sem medos! — a alternativa prática ao socialismo empobrecedor. Para isso, importa correctamente interpretar o mundo que nos rodeia, descortinar as melhores soluções e apresentar uma plataforma eleitoral que congregue num compromisso realista os elementos conservadores, liberais e social-democratas que desde sempre lhe estiveram na génese e que, quando bem aproveitados, foram capazes de gerar as únicas maiorias absolutas que trouxeram real crescimento e produção de riqueza a Portugal.

Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.