A palavra Escola deriva do termo grego Scholé, significando tempo de lazer ou lugar de ócio. Pergunto: Qual é o espaço e o tempo da Escola?

A resposta a esta pergunta desvelará pistas sobre a ação dos professores, dos alunos e das políticas educativas cuja renovação contínua da sua rede concetual não implica, de per si, que as práticas que lhe subjazem sejam distintas.

Assisto na escola à ditadura da fragmentação do tempo cronológico: aos primeiros cinquenta minutos do primeiro bloco letivo seguem-se-lhe outros tantos, cirurgicamente compartimentados por entre pavilhões de aulas segundo o ritmo de uma velocidade enfurecida e envelhecida. Almeja-se uma educação holística, integral, com um ensino cronometrado e disciplinar. Não será a “ocupação plena dos tempos letivos na escola” uma necessidade de apropriação e de controlo do tempo? Não deveriam os alunos propor sistematicamente projetos para dinamizar? Haverá tempo fora deste tempo cronológico? Como recuperar o tempo processual da construção, criação e intervenção, segundo o “elogio da lentidão” (Milan Kundera) ou da fruição?

O professor encontra-se refém de instrumentos, tarefas e reuniões demasiado burocráticas. E, à medida que os níveis de escolaridade vão aumentando, vai decrescendo a sua autonomia, porque as metas que convergem na lógica dos resultados dos exames nacionais vão-se aproximando e vão-no afunilando. É possível autonomizar o aluno, quer dizer, promover uma educação que desenvolva o pensamento crítico e criativo e, simultaneamente, heteronomizar a ação do professor?

Neste contexto, reflito no perfil do professor como aquele que possui uma atitude filosófica, ou seja, que tem a capacidade de despertar o espanto, a surpresa e a curiosidade nos alunos; que sabe escutar a suas vozes, que adora partilhar conhecimentos mas que tem a abertura para se deixar surpreender e a humildade para ser um eterno aprendiz, a inventividade para trilhar novos e outros caminhos com os seus conteúdos, mesmo quando a sua voz é minoritária e a sua práxis aparenta ser inútil, assume-se como um resistente. Um “indisciplinado criativo” que de forma endogenamente colaborativa desafia e é desafiado pelos seus alunos e pares, contribuindo para a criação e divulgação de conhecimentos, experiências e afetos, dentro e fora da sua escola, dentro e fora da sua comunidade. Um “indisciplinado criativo” que, paradoxalmente, se torna num modelo de ação ético-moral, paciente e resiliente, porque a educação-ação é uma tarefa incessante e apaixonante de contrariedades, de conquistas e de criação de utopias.

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Um dos meus projetos, uma das minhas “pequenas utopias”, designa-se “Filosofia com Cinema”, e assume a cumplicidade vital e essencial entre a filosofia e o cinema, potenciando a educação e o desenvolvimento do olhar, do pensar, do sentir, do imaginar e do agir. Trata-se de um projeto plural que começa na Escola Secundária de Amarante, ESA (Clube Filocinema, Plano Nacional de Cinema, disciplina de Filosofia e, sempre que possível, na “disciplina interdisciplinar” de Literacia, Comunicação e Pensamento que congrega as áreas de Português, Filosofia e Inglês) e se prolonga para fora da ESA com a “Filosofia com Cinema para Crianças” no ensino do primeiro ciclo (EB nº 2 de Amarante), e com os ”cineséniores” da Casa da Boavista, residência sénior, mas também com o estabelecimento de parcerias com outras associações/instituições.

Interessa-me muito que cada um descubra, através da pedagogia da pergunta, a obra fílmica, mas que paulatinamente se vá descobrindo, de uma forma partilhada e humanizada. Por isso, apraz-me levar os alunos do ensino secundário ao primeiro ciclo e ambos à residência sénior, porque erigem-se enquanto agentes de transformação, de resolução de problemas, isto é, de aperfeiçoamento de si, dos/com os outros, da comunidade.

Um professor “indisciplinado criativo” desaloja a escola do seu espaço tradicional. Conheço alguns “indisciplinados criativos” – muitos outros estarão ainda na (minha) invisibilidade –, que tal como eu acreditam no poder transformador da Educação concebida como a Esperança em ação para uma sociedade mais justa. Inquieto-me: por que se privilegiam paradigmas educativos, práticas pedagógicas, de escolas de outros países quando se desconhecem as boas práticas que animam as escolas portuguesas?

Confesso que um dos méritos do Global Teacher Prize Portugal foi o de me colocar em diálogo com excelentes professores, de norte a sul do país. Por isso, cresceu-me a pequena utopia de um “Erasmus nacional” que potencie o estreitamento de laços e o estabelecimento de parcerias entre escolas, com a mobilidade de professores e de alunos portugueses em território nacional.

E nesta utopia de uma escola simultaneamente no sítio e fora do sítio, desejo que os saberes, as artes e os professores dialoguem entre si sem hierarquias e preconceitos. Em prol de uma Educação onde professores e alunos são construtores e realizadores de pequenas utopias.

Professora de Filosofia na Escola Secundária de Amarante. Vencedora do Global Teacher Prize Portugal 2021

Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.