Será razoável ambicionar uma economia vibrante, tendo por base um mercado de trabalho tendencialmente obsoleto?

É tentador considerar que, com taxas de desemprego baixas, tudo corre bem para que a economia cresça. Que, com uma posição cimeira entre os países da União Europeia que mais horas trabalham, já contamos com capacidade suficiente para gerar valor e ver o PIB desabrochar… Contudo, parece que a realidade teima em não corresponder a estas premissas. Na verdade, é bem sabido que estar empregado não significa, necessariamente, ter a ocupação profissional adequada, aquela que apaixona e leva naturalmente a um empenho constante. Nem o grande número de horas trabalhadas é sinónimo de sermos uma nação particularmente conhecida pela produtividade.

Mas terá o mercado de trabalho culpa no cartório nesta matéria? Não estará o grande gatilho do crescimento económico no domínio da eficácia de gestão do tecido empresarial?

Ao observar-se o músculo das economias mais sólidas, constata-se rapidamente que o seu dinamismo deriva, sobretudo, da capacidade de iniciativa que é permitida aos seus agentes. Se pegarmos nessas referências e as transportarmos para a realidade nacional, torna-se difícil perceber como se estimulará a iniciativa, se os nossos agentes são desde logo sugados para um mercado de trabalho centrado em gerar dependência. Se a normalidade é sinónimo de trabalho “por conta de outrem” e o profissional que abdique desse paternalismo acaba invariavelmente por seguir caminhos perigosos e precários, onde fica a agilidade laboral necessária para que ocorram os ajustes inevitáveis até se encontrar o cenário profissional ideal para cada um? Em muito maus lençóis.

Resignamo-nos a trabalhar de forma dependente, com o papel de “recurso”, cuja propriedade é detida por determinada organização, ou atiramo-nos ao abismo da burocracia imensa e dispendiosa que nos tornam numa pessoa coletiva? Será assim tão anátema a tradição laboral anglo-saxónica, que, para além do “trabalho por conta de outrem”, fomenta igualmente um contexto saudável de trabalho autónomo? Isto é, a possibilidade de, enquanto profissional, deixar de ser “propriedade” de uma empresa e passar a ser “parceiro” de duas, três ou mais, onde executo as minhas funções, em simultâneo ou sequencialmente, ou em múltiplos cenários vantajosos para ambas as partes?

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Em Portugal também temos essa possibilidade. Possuímos profissionais liberais que podem exercer a sua atividade de forma autónoma e independente. Mas, atenção, esta afirmação é também falaciosa! Na verdade, o que nós temos não é uma possibilidade de trabalho autónomo, antes uma “lista de atividades exercidas pelos sujeitos passivos de IRS” que foram autorizadas, pelo menos por motivos fiscais, a serem desenvolvidas fora do escopo do trabalho por conta de outrem. Ou seja, que não apresentam “subordinação jurídica” a um empregador. Poder-se-ia pensar: certamente serão profissões que não podem ser exercidas senão de forma autónoma, mas factualmente não é esse o caso. A lista está cheia de ofícios exercidos tecnicamente através de ambas as modalidades.

E as inconsistências continuam, desde logo porque não há uma definição legal de profissão liberal, nem sequer conceitos consensuais sobre esta matéria. Faz, então, sentido impedir inúmeras atividades do exercício autónomo, se nem o próprio critério de triagem está assente em pressupostos sólidos? O que se ganha com isso é incerto, mas o que se perde é, sem dúvida, um manancial de oportunidades de gerar dinamismo e iniciativa.

Este tema é incontornável e tem de ocupar as agendas de debate e reflexão, ou dificilmente veremos maior dinamismo no mercado de trabalho nacional. E, sim, muito tem sido feito pela modalidade de trabalho independente, desde a possibilidade de acesso ao subsídio de desemprego, baixas médicas ou licenças parentais, entre outros. Contudo, há ainda um longo caminho a percorrer no sentido de proteger os profissionais que podem optar por este contexto, tal como continua a ser feito para os trabalhadores no regime “por conta de outrem”.

Urge encarar esta questão de forma ousada, abandonar uma visão paternalista e permitir que a autodeterminação profissional aconteça através de uma escolha livre e consciente, por parte de cada profissional. Apenas com respeito pela idoneidade destes, e pela sua capacidade de escolher o que consideram melhor para as suas carreiras, assistiremos à emancipação do mercado de trabalho, condição essencial para que a iniciativa floresça.