Só recentemente aceitei o facto de ser empreendedor. Nunca o procurei nem foi uma decisão consciente. Foi antes um caminho que foi acontecendo na minha vida e, quando dei por mim, diziam que eu era um empreendedor social. Este não pretende ser um artigo sobre mim, mas antes sobre a fraca saúde mental dos empreendedores – a face oculta do empreendedorismo.

Penso que já muito tem sido dito e escrito sobre este lado oculto, a face que ninguém vê do empreendedorismo. Ainda assim, provavelmente nada do que tenha sido ou venha alguma vez a ser escrito será capaz de verdadeiramente demonstrar aquilo por que um empreendedor pode passar, ou sentir. Provavelmente só mesmo passando pela experiência. Contudo, existem muitas causas que podem ajudar o leitor a perceber o porquê de tanta pressão e stress vivido por um empreendedor. São alguns exemplos as longas horas de trabalho, os “nãos” que recebemos constantemente, as pequenas “traições” de quem nos é próximo (muitas vezes inconscientemente), as incompreensões de quem gerimos. A necessidade de estarmos sempre bem para os outros, aqueles que procuram a nossa liderança, mesmo quando não estamos bem. E por fim, talvez para mim o maior peso, o facto de não sabermos até quando vamos ser capazes de pagar salários.

António Horta Osório é talvez dos Portugueses mais conhecidos e reconhecidos como gestor de topo e que passou por um momento muito difícil quando era CEO do Lloyds Bank. Chegou, inclusivamente, a ser internado durante seis semanas. Nalgumas entrevistas, Horta Osório afirma mesmo, que das maiores dificuldades que tinha, era não poder partilhar com ninguém o peso que carregava sozinho, porque isso abalaria a confiança do mercado e isso fez com que se fechasse em si próprio. Não é o meu caso e por isso aqui estou, em público, a dizer que, na verdade, muitas das vezes em que me veem com um sorriso, estou em esforço, estou a representar o papel de Diretor Executivo, e não o de Duarte.

Não sei se acontece a outros empreendedores, mas a mim, não raras vezes me acontece acordar às quatro da manhã. Acordo preocupado, ansioso, a ter que ir escrever listas de tarefas para não me esquecer do que tenho mesmo que fazer nesse dia. E depois a não conseguir voltar a adormecer. A juntar a isso uma família, que adoro, em construção, com uma filha pequena e outra a caminho. Tudo misturado dá para, em momentos de introspeção, vermos a receita para o desastre diante dos nossos olhos. Valha-me uma mulher fora de série, com uma confiança inabalável em mim e que é um suporte que nem nos meus melhores sonhos imaginei vir a ter.

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Outra coisa que mexe imenso comigo é o facto de quem está de fora achar que é tudo incrível e um caminho cheio de rosas. Que, de facto, só foi preciso ter coragem para começar a empreender. “Ah… não ter chefes, que bom que deve ser essa liberdade”, dizem-nos. “Ah… que espetáculo aparecer em tantos sítios a dar a conhecer o projeto, e é mesmo merecido” também se ouve algumas vezes. A verdade é que a liberdade de não ter chefes é apenas uma falsa aparência de liberdade, porque depois, na prática, há anos que não consigo verdadeiramente desligar e tirar férias. Isto para não falar na quantidade de fins-de-semana seguidos em que trabalho.

Por outro lado, aparecer na televisão ou nos jornais pode parecer deslumbrante, mas sinceramente, para além de alguma validação e credibilidade para aquilo que andamos a tentar construir, não serve para mais nada, do que deixar os nossos pais contentes e orgulhosos pelos filhos que têm. Atenção, em projetos como os que lidero e para a minha missão, a exposição do nosso trabalho é essencial e não estou a desvalorizar o tanto bem que conseguimos atingir com essa exposição. Contudo, estes holofotes não pagam contas, não nos ensinam a lidar com as frustrações, não nos ensinam a tomar decisões e não nos ensinam a gerir pessoas. Em resumo, não nos ensinam a saber lidar connosco próprios.

O truque, dizem, está em pensarmos nos empreendedores como atletas de alta competição. Têm que ser altamente disciplinados, ter uma alimentação saudável, fazer desporto, saber descansar e dormir, fazer meditação e ser mestres em gestão emocional. Diria que não tenho nada disto, exatamente porque não fui treinado para ser um atleta de alta competição. Por isso, para acrescentar à pressão que já se vive no dia-a-dia, eu, conscientemente, vou tentando alterar rotinas na minha vida.

Depois tenho que viver também com a frustração de não conseguir alterar esses maus hábitos que fui adquirindo ao longo da vida. Por isso, o considerar-me um empreendedor social, não quer dizer que me considere um bom empreendedor. Por uma única e simples razão, porque por muito bons resultados que a organização que lidero possa estar a alcançar, a verdade é que eu ainda não aprendi a cuidar bem de mim. A dormir bem, a fazer exercício, a comer bem, etc. Enquanto isso não acontecer, não estarei a ser um bom líder e se não sou um bom líder então não posso ser um bom empreendedor.

Por fim e para terminar, uma confidência mais pessoal. Acreditem que existem realmente momentos extremos de desespero. E digo-o publicamente, eu já chorei compulsivamente, sozinho ou com a minha mulher, por estar desesperado, por não saber mais o que fazer e decidir, por me sentir perdido nas minhas próprias decisões, por sentir que estou no limite das minhas forças. E a seguir? Lavei a cara, olhei para o espelho, sorri para a minha face oculta e disse: “Vamos lá aguentar mais um dia, só mais um”. A seguir fui tirar fotografias para mais uma qualquer reportagem daquelas que mostra a face brilhante do empreendedorismo.

PS: Não me interpretem mal, empreender tem sido das experiências mais ricas e entusiasmantes da minha vida e que mais aprendizagens me trouxe. Contudo, não deixa de ser uma das experiências mais tensas e stressantes que se pode ter, e por isso devemos sempre manter-nos alerta a possíveis sinais de esgotamento.

Duarte Fonseca nasceu na cidade do Porto, onde se formou em Terapia Ocupacional e trabalhou durante um ano numa prisão. Trabalhou durante quatro anos na Beta-i como consultor de inovação e durante três anos na Associação Just a Change. É atualmente Diretor Executivo da APAC Portugal, uma associação que cofundou em 2015, que tem como missão garantir a reinserção digna de todas as pessoas que estão ou estiveram presas e que promove o negócio social Reshape Ceramics. Faz parte da comunidade Global Shapers do World Ecomic Forum desde 2019.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.