“A reprodução assexuada é uma fita desinteressante, consistindo na mera e sucessiva divisão dos organismos sem conjugação de material genético entre eles. Um único progenitor divide-se a si próprio e toda a descendência é geneticamente idêntica aos pais, como no caso das bactérias e das estrelas-do-mar. Ao contrário deste filme monótono, a reprodução sexuada é criativa e apaixonante, muito graças ao bailado cromossómico interpretado pela estratégia evolutiva vencedora das espécies que gozam de variabilidade interindividual.”
Embora o inegável sucesso genético da humanidade seja devido à polaridade sexual, esta parece não merecer sequer a sinalética binária das latrinas escolares. Tal medida recente será aceitável? É verdade que a identidade de género pode ser uma questão de autopercepção, e essa escolha individual deve ser respeitada (sem necessidade de comprovações científicas). Também se justifica o desagrado perante certas intolerâncias, mas será tolerável decretar normalizações sociais que fazem tábua rasa das diferenças (biológicas e não só) entre homens e mulheres?
Quem imaginar a biologia separada dos demais aspetos identitários ou considerar as questões de género exclusivamente sociais deve estudar melhor o assunto. Embora a diversidade humana dependa de múltiplos fatores, como seja o ambiente em que vivemos, a ciência revela ligações entre aspetos genéticos e a identidade de género. Aliás, a tentativa de compartimentar o que é biológico surge também contrariada pela surpreendente plasticidade do próprio genoma, existindo “genes-interruptores” que ligam e desligam outros genes em conformidade com estímulos ambientais.
O filme da nossa espécie é um êxito de bilheteira graças a genes realizadores que vêm atribuindo papéis sexuais distintos e de igual importância na construção do futuro, ao contrário do que acontece nas espécies assexuadas. Há dois milhões de anos que machos e fêmeas contracenam o drama épico da evolução humana, dirigidos por genes premiados com o Óscar de melhor argumento adaptado à interpretação de papéis complementares.
Segundo o guião da seleção natural, estes genes galardoados caracterizam a nossa espécie de forma binária, equipando sensivelmente metade do elenco humano com a exuberante produção diária de milhões de espermatozoides, enquanto a outra metade é adereçada com um número comedido de óvulos espaçadamente férteis. Esta diferença singela é em larga medida responsável pela coesão biológica e psicossomática entre homens e mulheres, explicando a cumplicidade registada nas cenas mais importantes da vida.
Desde os primórdios da espécie humana que tais genes realizadores gritam “Ação!”, entrando primitivamente em cena hominídeos fortes e rápidos; brutal testosterona… extraordinária força e rapidez em expedito movimento… perseguir e caçar… apontar e falhar, tentar de novo, acertar em cheio ou morrer… E no amor, galantear e cortejar, conquistar ou perder, sempre procurando disseminar rápidos agentes que não se fazem rogados.
Por outro lado, os genes realizadores sussurram “Seleção”, confiando sobretudo ao sexo feminino o delicado guião do relacionamento, sensibilidade e carinho, compreensão e paciência, atenção e subtileza, tudo competências fundamentais para perscrutar, discernir e cultivar relacionamentos duradouros, estudar, ponderar e compreender o outro, sempre para selecionar bem o parceiro e não desperdiçar preciosas oportunidades férteis contracenando com quem não pode vencer o Óscar de melhor ator.
Quanto ao enredo das demais estratégias evolutivas, nunca chegará aos calcanhares do guião que nos trouxe até aqui. Não há óscares para argumentos esbatidos, nem para genes e atores sem ponta de criatividade. Mesmo que vírus, bactérias e outros genomas tresmalhados colonizem alguns de nós, a humanidade continuará a ocupar todos os nichos ecológicos do planeta.
Há fitas que são uma verdadeira perda de tempo.