Nos tempos que correm, encontramo-nos irremediavelmente conectados ao mundo virtual, sendo que por vezes mais que ao mundo físico. As interações diárias, muitas vezes físicas, têm vindo a dar lugar a um mundo, já não tão novo, de fantasia e libertinagem. Temos vindo a perder a relação com o mundo físico: com o desabrochar da Primavera, o correr dos rios, as brincadeiras improvisadas. Somos reféns do mundo digital, quer a níveis de lazer, quer a níveis laborais. Neste mundo, não existem limites físicos; não existem impedimentos musculares, não há distância. O mundo tornou-se, por si só, uma pequena aldeia global.
Se falarmos com os nossos avós, rapidamente estes nos dirão como aprenderam a distinguir rios de ribeiras; como aprenderam os picos das serras e a diferença de um monte para uma serra. Aprenderam estradas e a ler mapas, porque não existia o Waze ou o Google Maps. Sabiam as dimensões da ferrovia e compreendiam que o clima é um fator determinante na vida de uma pessoa. Conheciam os prenúncios do frio, do calor; das flores e das tempestades. Só não conheciam o que era um telemóvel, nem a tecnologia digital – porque não existia. Por outro lado, os jovens atuais (a minha geração e as mais novas gerações) nasceram com a tecnologia e a capacidade de saber mais e mais rápido que os nossos avós – mas perderam o interesse de descobrir o mundo. Se as tecnologias, por um lado, permitiram aproximar distâncias, mais até que a revolução dos transportes, permitindo uma produção e difusão científica sem precedentes, o certo é que criou um efeito de repulsão ao conhecimento e ao confronto de dados, típicos de gerações anteriores.
Nesta nova configuração social, é importante questionar o papel da Geografia, assim como de tantas outras áreas sociais e exatas. Continuam a fazer sentido? O papel da Geografia, que venho a expor em várias crónicas de opinião, é de escrutinar a superfície terrestre e os fatores que ligam o Homem à Natureza, procurando compreender as relações e os impactes que a atividade humana perfaz no tecido natural. Por outro lado, as formas tradicionais de representação e divulgação geográfica não permitem que esta seja uma ciência amplamente desenvolvida. Pelo contrário, temos verificado a completa descaraterização e desconsideração desta ciência – quer pela sociedade em geral, quer pela nova geração de professores de todas as áreas. Se pensarmos, todas as ciências sociais possuem uma relação íntima com a Geografia: a História estuda a evolução do espaço no tempo (humano) e das suas alterações; as línguas são resultado de interações e constrangimentos do espaço geográfico (lembrando-se rapidamente do mandarim, que exprime os sons da natureza). As ciências exatas, de igual modo, representam uma fração das componentes numa dada geografia: a Física estuda a atuação das componentes num dado espaço, em dado momento; a Geologia estuda a paleogeografia e os paleoambientes, utilizando a “dissecação” dos estratos e fósseis para escrutinar a Geografia.
Num mundo onde a Geografia foi o principal motor dos Descobrimentos (a posição geográfica privilegiada de Portugal), de guerras e de descobertas (os instrumentos marítimos que Portugal aperfeiçoou resultaram da incapacidade de conquista para Este, por exemplo), é incorreto remeter a Geografia a uma disciplina subalterna, opcional em muitos casos. Ainda que a ferramenta do Geógrafo seja comummente associada ao mapa e à bússola, o certo é que a Geografia analisa problemas económicos, sociais, físicos e biológicos. Para se compreender as potencialidades de um país, é necessário atentar à sua geografia e à distribuição geográfica dos seus recursos, do seu clima e da sua fauna e flora.
No mundo atual, a completa alineação dos jovens ao mundo tem ditado o esquecimento de muitas e importantes ciências que contribuíram para uma maior capacitação e formação de gerações anteriores. Mais do que combater o desenvolvimento tecnológico, é importante educar para que seja uma ferramenta a utilizar e não um objeto a venerar. Neste quesito, a Geografia pode potenciar uma redescoberta do novo mundo, procurando fazer ver que as flores são mais bonitas quando tocadas; que as rochas são mais “reais” quando esbatidas por um martelo de geólogo, ou que os rios possuem uma inteira orquestra no seu percurso. “Não sei que tentação é que te impele / Os pequeninos e cansados pés” dizia Cesário Verde. É urgente (re)descobrir a Geografia dos locais, das estradas e das pessoas.