Nos livros de divulgação histórica e nos manuais escolares da disciplina é comum ilustrarem os protagonistas na sua velhice. Aquelas figuras, enrugadas e sérias, em nada beneficiam a causa por que lutaram ou o ideal que perseguiram aos olhos dos jovens, nem tão pouco lhes despertam o interesse ou espicaçam a curiosidade. É claro que para muitos desses heróis, a hora vespertina coincidiu com a sua obra-prima ou o seu momento de glória; com algumas exceções, o reconhecimento chega tarde e a maturidade e a experiência semeadas ao longo de uma vida apenas logram ser colhidas nessa altura. É necessário reconhecer, contudo, que a juventude apenas procura a juventude, ou seja, anseia pela frescura e a moda, refastelando-se com a beleza e delicadeza que, há muito, deixaram de amparar aqueles corpos. Enquanto que na mente juvenil a estrela pop permanece para sempre com o elixir da juventude, qual retrato de Dorian Gray, o estadista ou o artista só consegue habitar nela como máscara enfadonha. Não é de estranhar, pois, que o estudo se torne um sacrifício. Torna-se veemente a perseguição a tal preconceito, é preciso lembrar pedagogicamente que até as múmias mais antigas dos museus tiveram algures no tempo uma mocidade cheia de vida.

A somar a esta falta de perspetiva, é apontada uma falha grave na conduta do pessoal político. A acusação de que os políticos seriam capazes de arrancar a pele do melhor amigo para fazer um tambor, de modo a chamar a atenção sobre si, pode parecer escarninho. Todavia, é uma analogia interessante à necessidade de estarem continuamente debaixo dos holofotes, analogia que os próprios teriam dificuldade em escorraçar. Se o político, no seguimento da origem do termo, termo que define a priori o conceito, tem de estar necessariamente na coisa pública, e quanto mais cedo melhor, a fama é o motor e móbil da ação, sendo o poder uma mera consequência. Ainda assim, numa relação recíproca, esses dois vértices alimentam-se um ao outro, permitindo uma carreira que se pode destacar pela nobreza de servir a comunidade. Todavia, a ideia simplista de que o estadista deveria ficar satisfeito por ter a possibilidade de, não só ficar, mas também fazer História, e como tal, outro escrúpulo seria acessório e evitável, é ignorar a sua – compreensível e espectável – humanidade. O poder, queiramos quer não, reveste-se de um manto de arminho, e seja o monarca, o militar ou o civil, servem-se convenientemente e adequadamente da prerrogativa.

Outro enviesamento provém das ideologias reabilitadas que defendem ferozmente que um político não deve ser julgado pela sua política. Os mais cínicos dirão, assim vincando a falácia, que um político não deve ser apenas julgado com base na sua política. Os seus vícios e hobbies, os seus tiques e maneirismos, manias e trejeitos, se (des)figura o dandy ou o flâneur…; o seu género sexual, o seu bilateralismo biológico e dimorfismo sexual…  Enfim, tudo faz parte de um todo, todo que é preciso extrapolar, retirar conclusões e fazer enredos, numa panorâmica em que ele é sempre maior do que as partes. Se as partes são disformes, o todo é redondo como um alvo. E todo o alvo, mais cedo ou mais tarde, resume-se a uma função bélica. Ora, se as democracias tiveram algum mérito, este assenta principalmente e primeiramente na substituição das balas pelos votos, da rua pelo gabinete, do recreio pelos bastidores. Se a História reclamasse uma santidade aos seus atores poderíamos ter volumes gloriosos de relatos de caridade e de milagres; seria uma hagiografia imensa na sua beleza, certamente, mas também rarefeita. Nada contra a ideia de políticos santos ou de santos políticos – também os houve. No entanto, essa recolha seria objeto da Teologia. A História é demasiado ágil e barulhenta, curva e turbulenta para acolher santos (em grande número). Transpondo para a História o que disse Churchill acerca da política, ela é um belo jogo e vale bem a pena esperar por uma boa mão. Os espirituais e os místicos não têm propensão para a paciência (salvo para a meditação e para a oração) – mostram demasiado cedo o seu jogo, pois sabem que não têm nada a perder – não neste mundo – e tudo a ganhar. Ora, isto é o contrário da política e do político. E não é necessário arrastar Maquiavel para a discussão.

A Política, não devendo, obviamente, ser situacionista, deve ser, no seu basal histórico, pragmática e realista. Todos os políticos, por mais originalidade que possuam, são homens do seu tempo. Podemos reclamá-los ou incriminá-los, mas na modalidade da sua época histórica. As famosas lições da História têm de ser inseridas nesse contexto. Deve, contudo, existir um denominador comum entre as opções e ideais políticos de um agente e a tradição Ocidental; uma estrutura de ações políticas que se enquadrem, a mínimos olímpicos, com os direitos humanos, a democracia, o pensamento crítico e a filosofia, com a tolerância. Será essa a pedra de toque do valor do Homem na História.

A acusação de cobiça é bastante popular entre os mais jovens. (Se quisermos uma dose de realismo, devíamos dizer que ela varre todo o eleitorado). Malgrado os casos concretos não excederem as proporções e as percentagens das outras ocupações, o facto de serem mais visíveis e altamente propaladas pelos novos e velhos mídia, e o alto nível a que se compete, contribuem para a noção de que a rapina se espalhou e se mantém na ordem do dia. Quanto a tal, as estatísticas e os números ajudarão a desmistificar a temática. Contudo, o fenómeno comummente chamado de portas-giratórias, é algo que mais dificilmente se consegue dirimir. Sem dúvida de que os políticos, principalmente os membros do governo, mercê da sua posição e das relações inerentes, estão expostos a situações particulares e altamente sensíveis, onde sofrem a pressão de individualidades influentes, que, no futuro, mediante uma boa performance, poderão requisitar o seu aconselhamento e a sua instrução a troco de simpáticas benesses e competitivos salários (o que alguns mais provocatórios designarão de sinecuras). Uma análise profunda a esta questão seria um tópico para uma outra reflexão; no entanto, como esboço, referirei que é preferível um bom ministro a um mau ministro, um bom governante a um mau governante, e se o sacrifício for um vencimento dourado alheio, quantia assegurada, de resto, sem peso para os contribuintes, que assim seja. Efetivamente, no caso de ter realizado um mandato capaz, o estadista retirará importantes e profundos conhecimentos sobre a área em questão, saberes e skills que farão dele um especialista na matéria, um verdadeiro connoisseur, inclusivamente com uma certa intimidade com os decisores (players) principais do negócio, algo inescapável e decisivo em tais andanças.

Não é o nosso propósito acalentar esperanças na criação de jovens políticos. Essa vontade e, acima de tudo, essa decisão, de ser parte ativa e vocal na Pólis, é – e deve ser – unipessoal. Sem humildade e sem sobranceria, defendemos que uma educação liberal, mediada pelo estudo atento da História (Política), não sendo condição suficiente, é condição necessária para construir bons cidadãos. É um tipo de formação do espírito humano que atravessa um mau bocado, e ficamos por aqui em termos de trivialidades. Não adianta – nem sequer à verdade – culpar os tempos e os modos atuais de vida e de viver. Churchill, ele que na sua juventude perseguiu avidamente essa formação por moto próprio, aconselhou a um jovem que se questionava acerca da arte de governar, que se dedicasse ao estudo da História. Agora que reparamos nisso, acabamos de fazer o mesmo.

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