À medida que Agosto chega ao fim e Setembro anuncia a chegada do outono, o cenário político português começa a agitar-se com a proximidade das eleições autárquicas, que se realizarão dentro de um ano. Estas eleições, responsáveis por determinar a gestão das nossas cidades, vilas e freguesias, são, de forma preocupante, muitas vezes desvalorizadas ou subestimadas por uma parte significativa da população. Persistem percepções erradas e perigosas de que o poder local se resume a um mero exercício de distribuição de “tachos” entre as máquinas partidárias e as figuras mais influentes dentro das comunidades. Este tipo de visão, além de ser simplista, é profundamente prejudicial, pois ignora a vasta e determinante importância que as autarquias têm no quotidiano dos cidadãos e no desenvolvimento sustentável do país.

É inegável que a má opinião que existe em torno do poder local e dos seus autarcas tem algum fundamento, criando um impacto negativo e desproporcionado na percepção pública. Todos estamos cientes dos inúmeros casos de autarcas envolvidos em escândalos de corrupção, negócios imobiliários duvidosos, abuso de poder, entre outros, em processos judiciais que se arrastam, na maioria, sem desfecho à vista. Estes casos, além de serem profundamente lamentáveis, alimentam uma desconfiança corrosiva e uma descrença generalizada na eficácia e integridade do poder local. Mas será justo deixar que os altos de uma minoria manchem a imagem de uma instituição que, em muitas regiões, é a última linha de defesa contra o abandono e o subdesenvolvimento?

Não podemos permitir que esses casos isolados obscureçam o trabalho essencial, muitas vezes invisível, realizado pela vasta maioria dos autarcas. Estes líderes locais, longe dos holofotes e da notoriedade mediática, dedicam-se diariamente à resolução de problemas concretos que afectam as suas comunidades, desde a manutenção de infraestruturas básicas até ao apoio social e económico em tempos de crise. Apesar de amplamente divulgados, esses escândalos representam uma pequena fracção no universo de milhares de autarcas que, com recursos limitados e frequentemente insuficientes, continuam a lutar pela melhoria das condições de vida dos seus concidadãos. Desvalorizar este trabalho é, em última análise, um ataque à própria estrutura democrática que sustenta o funcionamento das nossas comunidades.

A tendência para generalizar a ideia de que o poder local é intrinsecamente corrupto ou ineficaz é não só uma visão distorcida, mas também perigosa. Ao adoptar esta postura, estamos a contribuir para um ciclo vicioso de desinteresse cívico e alienação, onde a desconfiança alimenta a inacção e, por sua vez, a inacção permite que os verdadeiros corruptos operem com ainda mais impunidade. Esta visão simplista e fatalista não faz justiça ao papel crucial que as autarquias desempenham na manutenção da democracia e no desenvolvimento das nossas comunidades.

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Desprezar a relevância das eleições autárquicas é um erro crasso, uma miopia política que subestima o papel fundamental que o poder local desempenha na vida de todos nós. É precisamente o poder local, com a sua proximidade única, que está na linha da frente na gestão de questões cruciais como a educação, segurança, habitação, transportes, saúde e ambiente. São as decisões tomadas a nível local que moldam, de forma directa e imediata, a qualidade de vida dentro das nossas comunidades. Quando desvalorizamos o seu papel, estamos, na verdade, a minar o impacto decisivo que estes têm, especialmente nos territórios de baixa densidade, onde o défice de financiamento e a falta de atenção do poder central são crónicos.

Num país onde a centralização do Estado aprofunda um fosso alarmante entre os órgãos de poder e as reais necessidades dos territórios, a importância do poder local torna-se ainda mais evidente e inquestionável. A centralização exacerbada não só ignora, como desvaloriza e negligencia as especificidades de cada região, deixando vastas áreas do país à mercê do abandono e do subdesenvolvimento. Esta realidade torna o papel das autarquias absolutamente vital, pois são elas que, através de recursos frequentemente insuficientes e uma carga de responsabilidades desproporcional — agravada pela descentralização mal implementada — tentam colmatar as falhas e omissões do poder central. Sem o compromisso do poder local e dos seus milhares de autarcas, muitas comunidades ficariam completamente desamparadas, presas a um ciclo de estagnação que o poder central não consegue — ou não quer — quebrar.

O poder local não pode, de forma alguma, ser visto como um mero palco para disputas partidárias e atribuição de lugares. Pelo contrário, é a nível local que se estabelecem as bases para uma sociedade mais justa, consciente e resiliente. Em vez de nos resignarmos a uma postura de desinteresse e afastamento, devemos adoptar precisamente o oposto: uma atitude de intervenção activa e participativa, reconhecendo a importância das eleições autárquicas como uma oportunidade crucial para moldar o futuro das nossas comunidades.

Os cidadãos têm o poder — e a responsabilidade — de influenciar directamente as políticas que afectam a qualidade de vida nas suas localidades. O desinteresse e a apatia são os maiores cúmplices da ineficácia e da corrupção; não podemos permitir que prevaleçam. Cada voto conta e tem um impacto profundo, seja na melhoria das infraestruturas, na promoção da justiça social, ou na implementação de políticas ambientais verdadeiramente sustentáveis.

Este é o momento de rejeitar o conformismo e exigir mais. Precisamos de líderes verdadeiramente comprometidos com as necessidades das suas comunidades e preparados para fazer o que é necessário, mesmo quando é difícil. A participação activa e informada nas eleições autárquicas é essencial para assegurar que o poder local continue a ser um motor de progresso real, capaz de promover uma sociedade mais justa, inclusiva e resiliente.

Não podemos, portanto, continuar a subestimar a importância das eleições autárquicas. As eleições que se avizinham devem ser vistas como uma oportunidade ímpar para que todos os cidadãos se envolvam, de forma concreta, na construção de um futuro mais promissor para as suas comunidades. É essencial ultrapassar a visão simplista que reduz o poder local a “tachos” e reconhecer o seu verdadeiro valor como motor de progresso social e económico.

Exercer o voto de maneira consciente e responsável não é apenas um direito, mas também um dever cívico. É através deste compromisso que podemos fortalecer a democracia e assegurar que o poder local responde verdadeiramente aos interesses de todos, e não apenas de uma minoria. Chegou o momento de agir, de elevar as expectativas e de fazer escolhas que reflictam a aspiração por uma sociedade mais justa, inclusiva e próspera.

Que tenhamos a visão e a coragem de estar à altura deste desafio, reavaliando e reafirmando o valor do poder local como um pilar essencial na construção de um futuro mais justo, inclusivo e sustentável para todos nós.