Amizade é amparo numa queda imprevisível e rebuçados sem sabor que, inexplicavelmente, nos adoçam o palato. Mas assim como o amor precisa do fogo que não se vê, a amizade precisa de velas que não se apagam, nem com a imprevisibilidade da maior e mais agressiva rajada de vento.
Há milhares de frases sobre a amizade, mas ela própria é dificilmente traduzida em linguagem porque, a verdadeira, tem sempre um código próprio e absolutamente pessoal. Pode provocar sentimentos explicáveis por palavras, mas invoca um presente ininteligível que pertence só aos amigos.
Mas para que esse presente, que se digna a desafiar as teorias que o anulam, se materialize, é preciso compromisso. É preciso que o código singular seja tão forte e causador de sensações tão autênticas que combate, com facilidade, todas as fragilidades do espírito: a mesquinhez, a inveja e o ciúme.
Além disso é preciso crer e querer. E, por vezes, abdicar, despindo a pele da nossa vontade, sabendo que manter a vela acesa é mais importante do que a particularidade do nosso desejo.
Uma semente bem cuidada será um dia árvore robusta e frondosa. Embora parecida com as outras, será original e extraordinária porque como ela não há mais nenhuma. Ademais, servirá de abrigo e é peça fundamental à vida porque nos deixa respirar sem nos pedir nada em troca.
Qualquer amizade que se queira sólida, robusta e frondosa, também precisa de atenção e carinho. Assim, tal como a árvore, será abrigo e ajudar-nos-á a respirar sem nos pedir nada em troca.
Li recentemente o livro “As Velas Ardem até ao Fim” de Sándor Márai e não pude deixar de reflectir sobre a amizade. Já outros terão dito, mas ela é, de facto, a mais pura das relações humanas.
No caos do zeitgeist, quase tudo é deturpado. Os segundos passam mais rápido do que nunca, os lugares deixaram de ser estáticos e os namorados descobrem-se e encontram-se online. É o tumulto do extermínio implacável da modernidade.
Mas hoje, dia 30 de Julho, Dia da Amizade, é bom celebrá-la, acreditando que o apego fugaz, fruto de uma cultura que promove o banal, disfarçado de original, e se alimenta de uma procura doente pela gratificação instantânea, seja incapaz de, pelo menos, ser tão variavelmente vertiginoso que extinga, para sempre, as velas que só se apagam no fim.