Sim. A inteligência artificial (IA) já hoje ameaça o trabalho de muitos artistas e, dado o expectável desenvolvimento, fá-lo-á cada vez mais. A IA cria todo o tipo de imagens, escreve textos, compõe músicas. No futuro, irá fazer isto e muito mais, de tal maneira que um dia será difícil distinguir o que é do humano do que é da máquina. A criatividade das máquinas tornar-se-á mais atraente e mais desejada por quem recorre e aprecia esta produção. Pense-se, por exemplo, no domínio da ilustração e da publicidade. Para quê pagar a um artista humano, que demora imenso tempo a fazer dois ou três desenhos, se a IA gera rapidamente imensas imagens e mais fascinantes? Para quê contratar alguém para compor a música de um vídeo, se a IA cria de imediato muitas versões, com a duração, sonoridade e ambiente que se pretende? Para quê recorrer a um “copy” para um anúncio, se a IA consegue, com vantagem, gerar múltiplas alternativas para “vender” melhor um produto?

A IA é mais rápida, mais produtiva e até mais imaginativa. E, não menos importante, é mais barata.

Por isso, produtoras, editoras, agências de publicidade e marketing, irão cada vez mais recorrer aos serviços da IA. Realidade que já sucedeu noutras profissões, tais como os gabinetes de advogados que, entre outras coisas, hoje usam algoritmos de inteligência artificial para investigação no labiríntico universo legal ou para a formulação de contratos. Os velhos gabinetes com dezenas de estagiários deram lugar a um único programa eficiente.

Mas, não é só nas artes “menores”, decorativas e de ilustração, que a IA vai ocupando o espaço da criatividade. Nas artes visuais está a suceder o mesmo. Assistimos a uma crescente interação de muitos artistas humanos com as tecnologias digitais, gerando obras partilhadas, nas quais a máquina oferece inovação. Todos os dias nascem obras de um novo tipo, na génese, nos seus múltiplos conteúdos ou na forma como circulam. Entretanto, o grosso da atividade artística contemporânea deslocou-se do meio fechado das Galerias e dos Museus para o espaço virtual da Internet. É o caso dos NFT, assentes na tecnologia blockchain, que depressa se tornaram numa nova forma de arte, com um modelo de divulgação e comércio inovador. Para não falar da arte robótica, generativa ou dos recentes desenvolvimentos com os programas que criam obras a partir de algoritmos ou de um simples texto.

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O essencial da arte atualmente gerada por IA assenta na extraordinária capacidade das máquinas em fazer combinações de enormes volumes de dados. Num tipo de criatividade similar à própria criatividade combinatória dos humanos. Pense-se no Surrealismo que combina visões díspares para produzir novidade. Ou, de outro modo, aquele que uso nos meus robots artistas, que consiste em criar as condições, através de sensores, para a máquina recolher a informação de que precisa para poder criar qualquer coisa. Nesse caso, à partida, não são fornecidos quaisquer dados e a novidade é gerada pelas interações das máquinas com o ambiente, a tela por exemplo, e as outras máquinas. Daí que se usem enxames.

Em ambos os casos, existe um elevado grau do que podemos chamar “imaginação” artificial, dada a autonomia do processo e alguma aleatoriedade.

A IA é capaz de gerar algo que facilmente consideramos arte, cuja única condicionante é a aceitação pela nossa cultura. Como sucede com a própria arte de produção humana. Se muita gente ainda considera que as obras de Picasso ou o abstracionismo não são arte (o meu filho também fazia), na verdade, a sociedade, sobretudo a de influência Ocidental, vai reconhecendo estas obras dando-lhes destaque em Museus, coleções, ensino, inscrevendo-as na própria história da civilização.

Há quem levante objeções de princípio, alegando que as máquinas não têm intencionalidade, nem emoções. Mas, isso interessa? Alguma arte humana assenta em processos de automatismo, de que Pollock é o mais conhecido, onde a intencionalidade e a emoção são difusas. O imanente é mais importante. Na realidade, intencionalidade e emoção estão no observador e não em quem faz. Se assim não fosse grande parte da arte histórica, da qual desconhecemos os autores e as suas reais motivações, não teria qualquer validade. A arte, ao contrário da ciência, existe, ponto, sem precisar de outra legitimação. Intencionalidade e emoção não são condicionantes da produção artística.

Em conclusão, estamos perante uma ameaça aos artistas humanos? Repito, sim. E ainda bem. A nova arte gerada pelas máquinas pressiona fortemente os artistas a evoluir rápido e em força. As tecnologias digitais, a robótica e a IA têm destruído muitas profissões, ao mesmo tempo que dão lugar a novas. É agora objetivamente a vez da criação artística. Bem podem os artistas queixar-se, e até tentar censurar, pois já circulam abaixo-assinados para proibir a arte da IA, mas de nada vale. Como de nada valeu aos luditas combater as máquinas nas fábricas. Aos artistas humanos caberá cada vez menos fazer obras, mas criar aquilo que vai fazer essas obras. É uma mudança de paradigma, como se costuma dizer. E é uma mudança positiva.

Estamos agora, pela primeira vez, a competir com entidades não humanas muito inteligentes e criativas. É preciso evoluir, criar novas funções, inventar o novo, imaginar o impossível. Como aliás sempre se fez.