Estranhos tempos vivemos em que uma sociedade, na sua generalidade vista  como tolerante, respeitadora, acolhedora e inclusiva tem agora certos e determinados  nichos sociais que preferem ofender, denegrir ou rebaixar certos e determinados povos,  raças e etnias apenas e só em prol de discursos propagandísticos e com um único o  objetivo: a disseminação gratuita do ódio.

Que sociedade é esta que coloca uns contra os outros? Que tipo de retórica é  esta em que se colocam “portugueses de bem” e os restantes portugueses? Voltamos a  um período em que se definem os portugueses de primeira e os portugueses de  segunda. Assistimos, diariamente, com grande preocupação a um acentuar do discurso  da extrema-direita em que há uns portugueses “de bem” com mais direitos que o resto  da sociedade. É assim que se fere e destrói a democracia.

Desengane-se que acredita numa sociedade onde há portugueses ditos como  puros. Não há portugueses puros. Não há europeus puros. Não há nós e os outros. Nós  os que já ca estamos e os outros que chegam de fora e são vistos com desconfiança e  estranheza. Os nossos quando vão para fora também não gostam de ser vistos como  corpos estranhos inseridos num organismo numa dinâmica parasítica. Isto não pode, de  forma alguma, acontecer numa sociedade democrática. Não pode haver xenofobia. Não  pode haver racismo. Não pode haver descriminações intoleráveis. A democracia passa  por aqui. Passa pelo exercício da vida cívica, pessoal e humana de todo e cada cidadão  de uma forma livre e igualitária. Passa pela tolerância e pelo respeito mútuo. É preciso  cuidar e respeitar a democracia.

A verdade é só uma: “A democracia faz-se e desfaz-se todos os dias”, citando o  nosso Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Cada vez que aumenta a  pobreza desfaz-se a democracia. Cada vez que aumentam as desigualdades desfaz-se a  democracia. Cada vez que ficamos para trás na educação desfaz-se a democracia. Cada  vez que não vamos tão longe na saúde, na solidariedade social e na habitação, desfaz-se a democracia. Cada vez que há jovens que se formam e têm de partir por obrigação  e não por vontade própria, desfaz-se a democracia. Cada vez que não votamos, desfaz se a democracia. É, pois, preciso todos os dias refazer a democracia. É preciso começar pelo mais simples: nunca sacrificar a liberdade, o direito fundamental, o pluralismo, a  opinião de cada qual. É preciso respeitar a diferença.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Quem vive em democracia não imagina o que é viver em ditadura. Eu sou um  jovem que não viveu a ditadura, mas penso. Penso muito naqueles que, vivendo em  ditadura, tiveram de submeter tudo o que intencionavam publicar à censura: desde  livros, filmes e até mesmo as peças de teatro. Sou privilegiado porque vivo em liberdade  e pluralismo e não imagino o que é ter uma sociedade onde são proibidos os partidos  políticos, as associações políticas e/ou de estudantes. Sou privilegiado porque vivo em  liberdade e pluralismo e não imagino o que é ter uma sociedade onde são proibidos o  direito de reunião e o direito de manifestação.

Quem vive em democracia não sabe o que é não haver igualdade de direitos. As  mulheres não podiam votar e apenas uma minoria tinha o direito ao voto. Não se votava  porque a melhor propaganda era a não propaganda e a desinformação. Não havia  campanhas eleitorais, não havia liberdade de pensamento, não havia liberdade de  expressão, muito menos havia liberdade de imprensa. Era-se preso na base das opiniões  e das convicções.

Mas é exatamente isto que é a ditadura. O que define a ditadura é que há uma  minoria que manda; e uma maioria, que é o povo, que quer ser ouvido e não pode falar.  É importante nunca esquecermos do quão importante é vivermos nesta mesma  democracia. É fantástico podermos ter a oportunidade de admirar o maquiavélico  paradoxo do facho – como carinhosamente o gostaria de apelidar – daqueles que não  gostam da democracia. São precisamente os que não gostam de democracia que gostam  de viver em democracia para poder afirmar, livremente, que não gostam da democracia.  Esta é uma das mais belas reflexões que a democracia nos permite ter.

Que, de uma vez por todas, se pare com a disseminação do ódio entre raças,  etnias ou povos. Que se termine com a guerra e se promova a paz. A melhor forma de  fazer é uma guerra é precisamente não fazendo uma guerra. Mais vale um diálogo feio  do que uma guerra bonita. Que se tomem os jovens como futuro e o verdadeiro garante  da democracia portuguesa. Que se proclame pelo fim ao racismo e da xenofobia. Que  esta intolerável sociedade de intolerantes se torne num objeto de concretização do desejo político.

Que a intolerável sociedade dos intolerantes termine e se viva numa sociedade  tolerante e igual em direitos e deveres. Que em cada esquina se encontre um amigo;  que em cada quartel militar se edifique uma residência; que em cada rosto haja  igualdade e que esta terra da Fraternidade possa cantar a Grândola Vila Morena por  muitos anos, promovendo uma sociedade mais verde, ecologista e atenta  ambientalmente.

Está na hora de terminar com a intolerável sociedade dos intolerantes. Está na  hora da nossa geração atuar, refazer a democracia e valorizar a tolerância, solidariedade  e sentido de comunidade.

Está na nossa hora.