Anualmente, acompanhamos a competição que emerge em Abril, na tentativa de discernir quem celebra com maior ardor e reverberação os 25s e os ideais da liberdade. Contudo, confrontamo-nos com uma realidade paradoxal: a liberdade em democracia parece gerar menor liberdade.
Ao nos aventurarmos em comparações, é provável que observemos, de uma certa perspectiva, no actual regime, uma tendência de menor liberdade nas últimas décadas com fortes probabilidades de se agravar.
Através das forças do Estado, são alcançadas novas liberdades e direitos que ocultam, no espaço mediático, a troca e perda de outras liberdades sobre as quais o Estado não exercia domínio prévio. O poder, que diz representar todos, tem a legitimidade da maioria sobre os interesses particulares, que tende apenas a admitir nos limites do bem colectivo.
Em democracia, comandam os que representam a maioria. Ainda assim, pouco é deliberado pelos cidadãos no aparato burocrático, que não responde politicamente pelo poder que exerce. A possibilidade de viver à margem deste sistema é praticamente inexistente, uma vez que estamos subjugados a um “poder que não admite qualquer outro”. A liberdade fora do Estado é temporária ou forçada à clandestinidade.
A tendência da expansão do poder da maioria sobre o particular leva a que testemunhemos, então, a erosão da liberdade à medida que somos cada vez mais governados. E o que implica ser governado? É uma condição que ganha densidade e se intensifica no presente regime e pode ser definida como: “ser governado é ser vigiado, inspeccionado, espiado, dirigido, legislado, regulamentado, cercado, doutrinado, convencido, controlado, contado, avaliado, censurado, comandado por seres que não têm nem título, nem ciência, nem virtude… Ser governado é ser, em cada gesto, em cada transacção, em cada movimento, notado, registado, recenseado, taxado, timbrado, medido, cotado, cotizado, patenteado, licenciado, autorizado, anotado, admoestado, impedido, reformado, emendado e corrigido. É, sob pretexto da utilidade pública e em nome do interesse geral, ser colocado em posição de contribuição, abusado, resgatado, explorado, monopolizado, concessionado, pressionado, mistificado, roubado; depois, à mínima resistência, à primeira queixa, reprimido, emendado, (…)”.
Na exagerada citação de Proudhon, já se notava, no entanto, ainda no século XIX, que a cada revolução, a máquina do Estado mais se afinava. Um padrão inexorável que parece manter-se válido actualmente e intensificado. Governo e Liberdade tendem a formar um contra-senso.
É, de facto, questionável falar em liberdade num contexto marcado por uma máquina burocrática sem precedentes e que se amplia para uma tecnocracia além fronteiras, para cada vez mais longe do eleitor. A teia de poder ganha complexidade, poder e domínio sobre o cidadão.
Imersos numa ideia de conquista de liberdades, na dimensão mediática, constatamos outra realidade paralela discreta: a perda de liberdades individuais em benefício de todos, representados num Estado ubíquo.
Como salientava um eminente pensador, “nas democracias, o povo parece fazer mais ou menos o que quer, inserindo a liberdade nesses tipos de governo e confundindo o poder do povo com a liberdade do povo”.
Estamos, pois, convictos da nossa autoridade enquanto povo. Ao contrário de regimes pessoais, não temos ninguém para culpar pelo regime a não ser a nós próprios, a maioria, e como tal insuspeitos de interesses particulares. Mas quem de facto autorizou esta evolução? Ninguém e todos. A responsabilidade dilui-se numa maioria que o Estado diz representar, impessoal e anónima, que monopoliza a totalidade.
Se é a estas condições que chamam liberdade, que assim seja! No entanto, cabe-nos questionar: será mesmo?