No início de agosto, uma nova medida na área da Educação foi anunciada pelo Governo: algumas escolas do país deverão incluir já neste novo ano letivo uma disciplina obrigatória para os alunos do ensino secundário, chamada de “Literacias”.
A medida faz parte das iniciativas de projetos piloto de inovação pedagógica e, conforme o que se sabe até agora, deverão incluir noções de literacia financeira, política, democrática e análise de dados, com aprendizagens essenciais homologadas.
Apesar de ser uma excelente iniciativa, ainda há dúvidas sobre a execução desse projeto. Não se sabe ao certo quem serão os responsáveis pelas aulas, como ficará definido o conteúdo, ou o impacto real que se pretende avaliar a médio e longo prazo com a inclusão dessa nova disciplina – para além dos resultados no PISA (Programme for International Student Assessment).
Há uma forma de literacia, no entanto, que permanece negligenciada, apesar de sua importância crucial para o desenvolvimento integral dos jovens e cuja ausência tem gerado consequências preocupantes para a saúde pública: a literacia física.
A literacia física foi mais recentemente definida pela Sports England como “a nossa relação com o movimento e a atividade física ao longo da vida”. É composta por algumas premissas fundamentais:
- Importa ter uma relação pessoal positiva e significativa com a prática de atividade física – valorizar e desfrutar dessa prática;
- A forma que nos movemos, como nos conectamos com os demais, o que sentimos e pensamos durante a prática de atividade física tem um papel importante na construção dessa relação;
- Essa relação é influenciada por fatores pessoais, sociais e ambientais durante toda a vida.
Há outras definições do termo, porém, mais importante, talvez, é a ideia de que a literacia física pode ser desenvolvida, ou seja, essa relação com o movimento e a prática de atividade física pode ser aprendida e construída de forma a ter um impacto duradouro e positivo na vida de cada um. Para além disso, há estudos que indicam que pode haver uma associação positiva entre alunos mais ativos e um melhor rendimento académico.
Em alguns países, como a Austrália e o Canadá, a literacia física tem muito mais destaque e é considerada um elemento crítico para garantir um desenvolvimento positivo e saudável de crianças e adolescentes, tendo sido adotada como estratégia nacional a ser aplicada a essa população. Isso permitiu o desenvolvimento de instrumentos de avaliação próprios e uma ampla promoção da literacia física junto de educadores, formadores e famílias.
Em Portugal, infelizmente o termo não é sequer conhecido, muitas vezes é confundido com as habilidades motoras fundamentais (que é o conjunto de habilidades a serem aprendidas pela criança para o seu bom desenvolvimento motor) ou compreende-se como algo exclusivamente ligado à disciplina escolar de Educação Física. Em 2021, foi validado um instrumento de avaliação da literacia física em adolescentes portugueses, porém ainda são escassas as iniciativas da sua promoção a nível nacional.
Outro fator fundamental da literacia física é que ela não está apenas relacionada com a aptidão física ou a quantidade de atividade física que se pratica – é desenvolvida também de acordo a condição física de cada um e abrange múltiplos fatores psicológicos, emocionais e sociais. O “indivíduo fisicamente letrado” (physically literate individual) – termo elaborado pela professora e investigadora inglesa, Margareth Whitehead – adquire uma série de qualidades, como uma atitude positiva em relação ao seu corpo, independentemente das suas capacidades; a perspicácia de aproveitar as oportunidades do ambiente físico em que está, interagindo de forma criativa com este; uma capacidade de expressão corporal, comunicação não-verbal e perceção do outro acentuadas; uma consciência elevada sobre o seu próprio bem-estar holístico; uma motivação constante para experimentar e praticar atividades físicas e a confiança para aplicar as suas habilidades corporais em diversas circunstâncias.
A Ciência revela que a qualidade da relação com o movimento e a atividade física influenciam diretamente a escolha de ser e de permanecer ativo, o que interfere com a nossa saúde, bem estar e qualidade de vida. A transição para a adolescência e logo para a vida adulta representam um declínio perigoso na prática de atividade física e aumento do tempo sedentário dos jovens. Além disso, é uma etapa de intensa e complexa construção de hábitos e crenças pessoais que podem acompanhar o indivíduo ao longo da vida. Por isso torna-se tão importante promover o desenvolvimento da literacia física durante a jornada escolar, mas não só: todas as instituições deveriam ter também essa responsabilidade, visto que não é apenas na escola que as crianças e jovens constroem tal relação.
É fundamental incentivar constantemente a adoção de hábitos ativos, estimular a criação de comunidades educativas em torno de atividades ativas, proporcionar mais tempo e mais oportunidades para que os jovens se movimentem, ensinar, com base em evidência científica, sobre questões relacionadas a importância da atividade física para a saúde, além da possibilidade de experimentar atividades físicas diversificadas – a extensa colaboração com clubes e escolas que oferecem múltiplas modalidades pode ser um caminho interessante. Cada experiência positiva conta para encorajar os jovens a adotarem hábitos mais ativos para o futuro e serem agentes catalisadores em suas comunidades.
É certo que não é tarefa fácil e que não há um único caminho possível, porém incluir a literacia física (e a literacia em saúde, no geral) como um pilar na formação de crianças e jovens é tão essencial como as demais literacias que têm sido recentemente destacadas. Compreender a abrangência do seu significado e incorporá-la como parte de uma estratégia de formação em “Literacias” colocaria Portugal um passo mais à frente na promoção de saúde e qualidade de vida de uma população em alarmante sedentarismo.
O Observador associa-se aos Global ShapersLisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa