A Península Ibérica, denominada Sefarad pelos judeus desde o século VIII, levou a que estes se chamassem sefarditas, enquanto aqueles alemães foram chamados asquenazis ou asquenazitas, porque, segundo fontes talmúdicas, identificou-se a Germânia a Gomer, cujo filho, Achkenaz, surge na Bíblia como descendente de Noé. Entre os séculos XI e XIV, os asquenazis predominavam na França, Inglaterra, Países Baixos, Suíça e Norte da Itália. Expulsos da Inglaterra (1290) e França (1306-1394), espalharam-se pelo Leste da Europa.
A chegada dos judeus sefarditas
Ainda se desconhece quando os judeus se estabeleceram na Península Ibérica, pois, não obstante provas arqueológicas que remontam aos séculos I ou II, a verdade é que historiadores antecipam essas datas, ligando-a à expansão fenícia e respetivas feitorias comerciais; outros atribuem a sua fixação ainda na época do rei Salomão, identificando a cidade bíblica de Társis com Tartesso, na Península, ainda por localizar exactamente.
Note-se que, na reelaboração da Crónica Geral de Espanha feita por um converso toledano, por volta de 1400, aponta-se a fixação judaica na Península anterior a Cristo, eximindo assim os sefarditas dos preconceitos e acusações de deicídio, facto que não consta anteriormente.
Assim, na “árvore da vida judaica”, surge um ramo ibérico alimentado sempre pela seiva do grandioso tronco palestiniano, como refere o Talmud:
“Todos os povos do mundo, mesmo as naves que deslizam da Gália a Aspâmia, são benditas graças a Israel.”
A situação é árida e tensa, desde as lutas entre autóctones e bárbaros até ao avanço do Cristianismo. No século IV, no primeiro Concílio de Elvira, exige-se a segregação dos deicidas. Houve tempos aflitivos, como em 613, quando o rei visigodo Sisebuto decreta a expulsão ou conversão, a grande “perseguição de Sisebuto”, condenada severamente por Santo Isidoro de Sevilha. Milhares de mortos, milhares de conversões e uma significativa fuga para o Norte de África, onde os muçulmanos aceitavam judeus e cristãos, pois era “Gente do livro”, estrangeiros cujas religiões eram também originárias da Bíblia.
No domínio visigodo, houve fases de maior ou menor tolerância conforme o estado financeiro, os interesses e a personalidade dos reis. A tolerância religiosa esteve sempre dependente das conveniências económicas, como o pagamento de avultadas somas de dinheiro para evitar a expulsão.
A conquista árabe e a Reconquista cristã
A partir de 711, com a conquista árabe de grande parte da península sem qualquer envolvimento judaico, a situação mudou completamente: o califado de Córdova, num clima de liberdade e tolerância, aproveita e estimula a presença judaica no campo económico e no desenvolvimento cultural. Com a avalanche maometana vêm judeus sírios e palestinianos radicados em África, integrados na civilização árabe, que serão um suporte sólido no ajustamento judio-mourisco, profícuo para ambos.
Com a paz no século X (929-976), Córdova torna-se outra Bagdad, um poderoso viveiro cultural, onde a marca judaica é fulcral na Filosofia, Medicina, Farmacopeia, Astronomia, Poesia, Narrativa, etc., um tesouro para os séculos vindouros.
Entretanto, nos vários reinos cristãos – Astúrias, Leão, Castela, Aragão, Navarra e Catalunha –, ultrapassado o primeiro século de uma reconquista vacilante, em que se exterminavam os vencidos e sistematicamente se destruía o seu património, os cristãos vão avançando lenta, mas seguramente. Daí, com o alargamento progressivo dos reinos e respetiva estruturação, os soberanos, precisando de povoadores e de empreender a organização do território, de uma sociedade e de um Estado, passaram a poupar e motivar os habitantes das áreas conquistadas a permanecer, incluindo os judeus. Existia, então, uma tolerância que permitia o desenvolvimento do comércio, de uma indústria essencial, da organização administrativa vital para a formação de um Estado.
Surgem as primeiras obras legislativas. Relativamente ao povo judeu, estas balançam entre as leis segregativas dos concílios toledanos, o preconceito de conotar o judeu como criminoso, e o clima de cordialidade e acolhimento. Há uma certa equivalência em termos de imunidade e direitos, comprovados pelas cartas de foral e até alguns decretos do Concílio de Leão de 1020, onde, por exemplo, as avaliações imobiliárias se faziam com equidade.
A política de Afonso VI (?-1109) de Leão e Castela marca o ponto de viragem. A sua Carta de Foro, com valor de lei para todo o reino de Leão e sobretudo a Carta inter Christianos et Judeos, de forus illorum, estabelecem a igualdade de direito entre cristãos e judeus, aliada a um quadro de liberdade e fraternidade. Consignava-se, por exemplo, que, em julgamentos entre cristãos e judeus, se faria o juízo de Deus, através da luta com pértiga e escudo, o único juízo perfeitamente justo, já que Deus seria o juiz.
Sintomáticas as reações da Santa Sé: em 1066, Alexandre II congratula-se com a atitude verdadeiramente cristã, enquanto passada uma década o seu sucessor, Gregório VII censura o rei.
Cumprem-se, assim, os objetivos reais: uma adesão judaica total, visível na sua participação nas conquistas de Toledo e Burgos, no desenvolvimento da administração, estratégia militar, eficiência financeira.
Em 1090, o rei casa a infanta Urraca com Raimundo de Borgonha e, em 1093, a filha ilegítima, Teresa de Leão, com Henrique de Borgonha. Em 1108, com a morte do único filho varão, Sancho, Afonso VI, nas cortes de Toledo, transmitiu o trono a Urraca e os Condados de Portucale e Coimbra a Teresa. D. Teresa prosseguiu a política de autonomia, povoamento, organização do condado e estratégias de defesa contra as investidas muçulmanas.
A fundação de Portugal
O século XII foi um século de guerra. Para além do avanço na reconquista, a nobreza portucalense considerava perniciosa a ligação de D. Teresa à Galiza, através da relação com Fernão Peres de Trava e com outros nobres e membros do clero, donde podia provir uma influência perigosa. Assim, D. Afonso Henriques (1109-1185) fez-se paladino desse descontentamento, culminado na batalha de S. Mamede, em 1128, passando daí a governar o Condado. Objetivo principal: a independência de Afonso VII (1105-1157), rei da Galiza, Leão, Castela e Portugal, coroado em 1135 “Imperador de toda a Hispânia”.
Afonso Henriques, em 1139, após a batalha de Ourique contra os muçulmanos, passa a designar-se rei, gerando um conflito parcialmente sanado em 1143 com o Tratado de Zamora, na presença do legado pontifício, cardeal Guido de Vico. Aí, reconheceu-se a independência do Reino de Portugal. Afonso VII entrega ao primo o senhorio de Astorga, para o sujeitar a vassalo.
Afonso Henriques tentou afincadamente passar a vassalo direto da Santa Sé, libertando-se assim de Afonso VII, o que conseguiu, em 1179, com o Papa Alexandre III, que reconheceu a independência do reino com a bula Manifestis Probatum.
Ao mesmo tempo, Afonso Henriques ia combatendo com êxito os muçulmanos a Sul, enquanto falharam as tentativas de penetração na Galiza. Santarém, sempre em guerra com Coimbra, foi a primeira conquista (1147), abrindo acesso à região rica do Tejo e a Lisboa. Usou-se como estratégia uma mensagem anunciando aos muçulmanos o fim das tréguas daí a três dias, havendo um ataque imediato de noite. Esta estratégia foi elaborada pelo judeu Yahia Aben-Yahia, recém-chegado a Coimbra. Pouco ou nada se sabe dele, apenas o que dois descendentes seus relataram três séculos depois: homem viajado, próximo do rei, influente na participação dos judeus na reconquista, povoamento e organização do território.
Afonso Henriques criou o título de “arrabi-mor do reino”, a primeira estrutura administrativa independente para os judeus, tendo Yahia ocupado o cargo. Tal como na organização do concelho, o rabino era a autoridade máxima civil e religiosa, eleito pelos membros da comuna, onde ouvidores, procuradores e homens bons tinham a seu cargo a administração, coadjuvados pelo escrivão, porteiro, chanceler, tabeliães, tesoureiros e colhedor. A estrutura regida por Yahia teria sido muito rudimentar, mas já dividida em distritos, com os cargos de rabi local, sinagoga, tribunal e juízes, prisões próprias, escolas. Toda esta organização foi-se aperfeiçoando com as Ordenações.
Em Lisboa, os judeus estabeleceram-se relativamente tarde, pelo que já não puderam instalar-se dentro das muralhas. Com uma pequena comuna entre os hodiernos Arcos do Rosário e o Largo de S. Rafael, a judiaria (na rua ainda hoje da Judiaria) ficava então junto às muralhas. Como o sítio da rua do Terreiro do Trigo estava ainda coberto pelo Tejo, foi impossível alargar-se muito mais, pelo que a comuna foi para ocidente, hoje na Baixa, conhecida durante várias gerações como “Judiaria Velha” ou “Judiaria Grande”, porque posteriormente foi precisa outra. Em outubro de 1147, Afonso Henriques conquistou Lisboa coadjuvado por uma frota de cruzados, a quem concedeu terras, senhorios e o privilégio do saque nos primeiros quatro dias.
Yahia recebeu o senhorio de Unhos, Frielas e Aldeia dos Negros (Camarate), assim como a sinagoga de Santarém, a mais antiga do país, onde a comunidade judaica, anterior à conquista, exercia intensa atividade comercial.
D. Sancho I, filho e sucessor de Afonso Henriques, continuou a servir-se dos judeus para o povoamento, dando-lhes representação legal nas cartas de foral, criando, assim, mais comunas. José Aben-Yahia, neto de Yahia, é então almoxarife-mor, sendo-lhe permitido construir a sinagoga de Lisboa.