Recentemente, o Financial Times publicou um artigo com um título que me chamou a atenção: “Portugal quer tornar-se um paraíso fiscal para os jovens”. O artigo descrevia o novo regime fiscal destinado a quem tem menos de 35 anos (IRS Jovem). Como jovem emigrante que quer voltar a casa, este é um assunto que me interessa particularmente. Afinal, se o meu país está prestes a tornar-se um paraíso fiscal, gostaria de ser a primeira a saber. Contudo, depois de uma análise mais atenta dos números, parece-me que o FT pode não ter considerado alguns detalhes importantes, ou talvez o governo português esteja a apresentar uma narrativa demasiado optimista.
O novo regime fiscal para os jovens prevê isenções significativas do imposto sobre o rendimento: 100% no primeiro ano de trabalho, 75% do segundo ao quarto, 50% entre o quinto e o sétimo e 25% no oitavo, nono e décimo anos, com um limite de cerca de €28.010. (1) Em teoria, parece bastante apelativo, mas como sabemos, é essencial ler nas entrelinhas, ou, neste caso, analisar os números.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE) de Portugal, o salário médio anual ronda os €17.300 (brutos) (2). Em contraste, o salário médio bruto no Reino Unido é, aproximadamente, £35.500 (3), segundo o Office for National Statistics (ONS). Para efeitos desta comparação, assumiremos que um trabalhador português que recebe o salário médio em Portugal conseguiria também obter um salário médio no Reino Unido.
Agora, consideremos dois jovens profissionais portugueses no início das suas carreiras. O primeiro escolhe ficar em Portugal, beneficiando dos dez anos completos do regime IRS Jovem, com um salário anual de €17.300. (4) O segundo decide emigrar para o Reino Unido, onde irá receber o salário médio e pagar impostos britânicos durante o mesmo período. Para simplificar, assumimos que os salários não se alteram durante os dez anos e excluímos as contribuições para a segurança social e outras taxas, focando-nos apenas no imposto sobre o rendimento.
Ao longo de dez anos, o jovem em Portugal pagará cerca de €4.255 em impostos, enquanto o emigrante no Reino Unido pagará, aproximadamente, €55.032, já ajustado para a taxa de câmbio (5). À primeira vista, a vantagem fiscal para o residente em Portugal parece significativa, com uma poupança superior a €50.000 em impostos, sugerindo que a política fiscal do governo é capaz de ser eficaz na retenção de talento e atracção de jovens para Portugal.
No entanto, as economias fiscais não são os únicos números que importam. O que realmente conta é quanto se leva para casa, líquido de impostos, para gastar, poupar ou investir. Aqui, a situação muda drasticamente. Ao longo de uma década, o jovem que ficou em Portugal terá aproximadamente €168.745 em rendimento líquido, e o que se mudou para o Reino Unido ficará com €264.977, valor já corrigido para a taxa de câmbio e diferença no custo de vida (6). Ou seja, o trabalhador português que escolheu não emigrar acaba com cerca de €96.200 a menos, o que equivale a menos €9.620 por ano ou €802 a menos por mês.
Esta análise demonstra que, embora Portugal possa estar prestes a tornar-se um paraíso fiscal para as pessoas elegíveis no âmbito do IRS Jovem, a realidade é que os benefícios fiscais não são suficientes para compensar os salários em Portugal. O que é preferível: pagar impostos moderados sobre salários mais altos ou impostos mínimos sobre salários mais baixos? Curiosamente, aqueles que poderão beneficiar mais desta medida são os chamados “nómadas digitais”, que recebem salários brutos a níveis europeus ou americanos, mas optam por se estabelecer em Portugal para aproveitar estas isenções, bem como o bom tempo e o menor custo de vida. Suspeito que este não era o objectivo pretendido da medida.
Permitam-me uma clarificação: não sou contra a redução de impostos. Num país como Portugal, onde o esforço fiscal é elevado – o quarto mais alto da União Europeia (7) – qualquer alívio é bem-vindo, desde que seja bem estruturado, justo entre gerações e acompanhado por uma redução na despesa pública. No entanto, mesmo com este novo regime fiscal, é evidente que a emigração continuará a ser uma opção atractiva para muitos jovens profissionais em busca de melhores perspectivas financeiras. Em suma, não se trata apenas de pagar menos impostos; trata-se, sim, de ter mais rendimento disponível.
Talvez ao FT tenha faltado uma análise mais aprofundada sobre o alegado paraíso fiscal que Portugal pretende ser. Sim, haverá uma diminuição significativa de impostos para os jovens, mas, comparando com a realidade de outros países, esta medida não será suficiente para travar a emigração. Portugal pode até aliviar a carga fiscal, mas está longe de ser um paraíso.