Os diretores-gerais de cerca de duas centenas das maiores empresas dos Estados Unidos da América, associados à organização Business Roundtable, declararam o fim à priorização dos lucros dos acionistas em detrimento dos interesses dos demais, ou seja, dos colaboradores, dos consumidores, dos aglomerados populacionais onde as empresas operam e da sociedade como um todo.

Se esta comunicação fosse oral eu repeti-la-ia de novo para ficar bem entendida e assimilada.

Trata-se de uma verdadeira revolução numa economia sempre vista como predominantemente capitalista, ou seja, onde o capital é tradicionalmente o fator de produção mais bem remunerado.

O grupo Business Roundtable reúne as maiores empresas americanas de todas as áreas industriais e comerciais, desde a saúde, construção, energias, software, automóveis, etc… ou seja, é  solidamente transversal e tem um enorme peso nas economias americana e também mundial.

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Mas esta intenção, que poderia parecer um compromisso superficial de intenções, foi bastante aprofundada, detalhando que há uma necessidade de corresponder, ou até exceder, às expectativas dos colaboradores e parceiros das empresas, investindo nos mesmos. Isso inclui a oferta de melhores compensações e de importantes benefícios, a intensificação dos níveis de treino e educação para promover um maior ajuste às rápidas transformações que ocorrem atualmente no Mundo, o incentivo à transparência e à ética no tratamento com os fornecedores, o apoio às comunidades onde as empresas se localizam e a geração de valor de longo-prazo aos acionistas. Este será o novo standard das lideranças futuras das empresas americanas.

Esta organização, fundada nos anos oitenta, começou exatamente ao contrário declarando que o interesse dos shareholders seria prioritário e assim permaneceu durante décadas. Esta nova declaração parece não ter necessariamente um alinhamento político com a atualidade americana, mas está completamente em linha com a estratégia de grande parte das empresas que, nos últimos anos, vêm aumentando a atenção na melhoria das condições dos colaboradores e investindo mais nos meios envolventes das empresas e nas causas comuns das populações.

Aspetos como participar na qualidade de vida dos trabalhadores, através da oferta de mais e melhores seguros de saúde, e a promoção em paralelo da atividade física, da saúde alimentar, do espaço de trabalho, do tempo livre, bem como uma maior atenção à representatividade dos géneros nas lideranças, uma maior distribuição dos lucros pelos colaboradores e a melhoria dos sistemas internos de reconhecimento e de incentivos, estão na base da declaração e fazem parte das linhas estratégicas destas empresas.

Para melhor entendermos esta revolução de mindset, convém ter presente que os salários dos americanos têm estado estagnados durante os últimos quarenta anos e a maioria dos ganhos foram sempre distribuídos, na sua grande parte, pelos detentores do capital das empresas. Além disso tem havido uma deterioração da cobertura dos seguros de saúde e das pensões. Esta situação estava a tornar-se insustentável para as organizações e punha em risco o seu desenvolvimento.

Com esta estratégia de retenção de uma maior fatia de lucros para investimento interno, melhorando a distribuição da riqueza, as empresas procuram mais sustentabilidade e acreditam que poderão assim manter o crescimento económico. Espera-se igualmente que a produtividade possa subir com o maior envolvimento dos colaboradores e o seu nível motivacional possa contribuir para esse crescimento.

Um economista de Massachusetts, Lenore Palladino, defende que a primazia dos acionistas na distribuição de lucros põe em risco a própria raça humana e, para que as lideranças das empresas se comprometam de facto com o capitalismo acionista, há a necessidade de priorizar a saúde do meio ambiente através de uma dramática reorientação estratégica, revertendo os males causados e introduzindo uma reengenharia dos negócios de forma a manterem a produtividade e rentabilidade a longo-prazo.

Um outro ponto que parece ser interessante nesta revolução é a necessidade de compensar os CEOs das empresas de outra forma, menos baseada em ações e em capital acionista das empresas, e mais em objetivos de sustentabilidade do negócio.

Esta medida muda o enfoque das lideranças das empresas, muito concentradas no preço das ações – que é formado puramente no mercado tendo em conta a oferta e a procura -, bem como os dividendos a distribuir por ação, ganhando assim uma outra dimensão na sua valorização, mais ligada à sustentabilidade da empresa e ao seu compromisso com os seus colaboradores e com a sociedade em geral.

Na minha perspetiva, a aplicação destas medidas no tecido empresarial português tem que se ajustar à nossa realidade, visto termos uma economia constituída em grande escala por PMEs, ou seja por empresas não cotadas em bolsa. Para todos os efeitos a filosofia desta iniciativa pode ser transcrita para a nossa realidade no que toca à melhor distribuição dos rendimentos e na aposta das empresas nos seus colaboradores e no meio onde estão inseridas.

O grande desafio da sociedade portuguesa, além da sustentabilidade das empresas, passa por garantir também uma segurança social sustentável, ou seja, das pensões e dos cuidados de saúde. O Estado tem que admitir a necessidade de assegurar a boa saúde financeira destas áreas em conjunto com o setor privado, através de incentivos para disponibilização de melhores seguros de saúde e complementos de pensão que correspondam às expectativas dos seus colaboradores.

Esta ideia é sustentada pelas recentes notícias que revelam que o número de cirurgias no setor público tem diminuído ao contrário da atividade do sector privado que continua a crescer a nível nacional. Em complemento, poderiam ser introduzidas políticas de maior distribuição dos rendimentos e proteção das empresas que procuram sustentabilidade a longo prazo, por via, por exemplo, de incentivos que premeiam o nível de exportações e os níveis salariais praticados pelas empresas, controlados por análises de benchmarking. Ou seja, os melhores performers poderiam ter benefícios específicos fiscais e de acesso ao capital, por exemplo.

Sendo um dos principais problemas mundiais o acesso à saúde continua a ser debatido e são necessárias mais ações concretas por parte dos governos dos países. Durante o corrente mês de setembro, a ONU vai anunciar o direito à saúde como um direito universal, ou seja, todos os países vão ter que garantir esse direito aos seus cidadãos. Uma excelente oportunidade para os governos mostrarem o que valem neste setor fundamental e para os mercados se diferenciarem ao apostarem na saúde dos seus colaboradores e familiares, de forma a prosseguirem as suas políticas de retenção de talento, envolvimento e motivação, suscetíveis de motivar o alcançar de objetivos de produtividade e reconhecimento social. Creio que nesta tarefa os Governos necessitarão de envolver toda a sociedade, incluindo os setores público e privado.

Luís Lopes Pereira é diretor-geral da empresa de dispositivos médicos Medtronic.