A direção de uma escola em Portugal registou um número anormal de atrasos nos alunos mais novos. Após várias chamadas de atenção aos pais desde o início do ano – incluindo alguns emails escritos sensibilizando para o tema –, decidiu aplicar uma medida que daria 15 minutos de tolerância para o início das aulas – sem marcação de qualquer tipo de falta. 8:45 é a hora de início das aulas. Às 9:00 as crianças são direcionadas para a biblioteca da escola esperando o início da aula seguinte, evitando o distúrbio causado pela entrada a meio da aula.
Quais as consequências da decisão da escola?
Nesta escola, estuda o filho de uma pessoa amiga. A generalidade dos pais e encarregados de educação ficaram estupefactos com a decisão da escola, entendendo que isto prejudica as crianças, e alguns – poucos – assumindo que a responsabilidade é sua. Mas como é que uma criança que é levada à escola pelos pais, pode ser responsabilizada pelo seu atraso? A razão mais comum para estes atrasos que surgiu entre as discussões dos pais, parece ser o trânsito. Ora como se o trânsito – o da manhã, sobretudo – fosse uma exceção nas cidades, e não uma condição de mobilidade habitual, e quase sempre previsível: ou seja, é sempre pior do que se espera. Neste caso, a desculpa do trânsito que aquelas crianças se habituam a ouvir dos pais e mães, ficará tão enraizada, que ela perdurará pela vida adulta. É uma desculpa, porque é generalizada, generalizadamente infantil, e que usamos mesmo entre adultos. A solução para o trânsito da manhã, que faz sempre as pessoas demorarem mais tempo que o previsto – imagine-se por hipótese, mais 15 minutos –, poderia ser sair de casa 15 minutos mais cedo… ou talvez 25 minutos mais cedo, para haver uma folga de tempo, e garantir que se se for ainda pior, está cabimentada a respetiva tolerância.
Que valores estão em causa?
Educamos assim as crianças, vamos ter adultos assim. Vamos ter uma sociedade assim. Vamos ter um país assim. Responsabilizamos políticos, gestores, trabalhadores em geral, e todos nas várias profissões por nunca darem o exemplo, mas fomos – salvo exceções – educados assim. Hoje, continuamos a passar essa cultura aos nossos filhos. Há três valores em evidência: a falha de um compromisso; a incapacidade de planeamento; a falta de respeito pelos outros que chegam a horas.
Numa reunião com pessoas de países do centro da europa, é comum que todas as pessoas estejam prontas para iniciar os trabalhos uns minutos antes da hora combinada. Num contexto em que o caminho de internacionalização da economia é fulcral, a nossa forma de lidar com os horários é só um travão. Os três valores em evidência, associam-se assim, a uma forte quebra de confiança.
Já vimos este episódio nalgum lugar?
Imagine-se uma reunião marcada para as 9:30 da manhã. As pessoas vão entrando na sala, e os que chegam antes das 9:30, sentem que ainda têm tempo para ir à máquina de café que está no canto desse espaço, porque imaginam que há duas ou três pessoas que vão chegar atrasadas. Às 9:30, se a reunião estiver para começar, a máquina de café ainda está a trabalhar, fazendo aquele barulho imenso a tirar “a bica”. É muito dificil fazer acontecer o que devia ser simples: começar a reunião às 9:30 conforme estava comprometido.
Compromisso, mais um exemplo!
Lembro-me de que num processo de seleção e recrutamento recente para uma posição de gestão crítica numa das empresas do grupo, o executivo responsável pelo pelouro pediu-me para fazer uma conversa final – como é habitual nestes processos – com os três candidatos que entendeu serem da sua preferência, e dar o respetivo parecer para a sua decisão final. Um dos candidatos chegou atrasado, depois de termos marcado para uma hora da sua conveniência. O meu colega, 10 minutos depois da hora combinada, perguntou-me se ainda queria falar com esse candidato: falámos, mas o resultado acabou por ser determinado pelo atraso e a ideia de que a vontade da pessoa naquela missão, não existia!
A reflexão é esta: como é que alguém que não consegue fazer uma coisa simples como chegar a horas ao primeiro compromisso do dia, pode assumir um compromisso mais complexo, como gerir a própria vida, uma pequena ou grande empresa, um grupo de empresas ou um país? – retiram-se as exceções que podem acontecer durante um ano de trabalho, por algum motivo de força maior, só para dar não dar espaço de interpretação inflexível desta narrativa. [esta frase – com esta exceção – já indicia que a própria reflexão é feita por um português desta cultura, em que a flexibilidade é também uma característica… apenas talvez não deva ser uma regra].
Crianças há que têm a sorte de os pais chegarem a horas, podendo aprender o princípio básico do que é um compromisso. A sorte de terem pais que chegam a horas, transforma-se assim, na sorte dos filhos que chegam a horas.