A estória que inspirou a pintura intitulada de ‘A Verdade saída do poço’, dos finais do século XIX, da autoria do escultor e pintor francês Jean-Léon Gérôme, reza assim:

A Mentira convenceu a Verdade a tomarem banho nuas num poço, ao que ela acedeu na sua boa-fé de quem acredita na verdade. A Mentira, incapaz de contrariar a sua própria natureza, aproveitou aquele momento de distração da Verdade, para imediatamente vestir as suas roupas abandonando-a naquele local, só e completamente nua.

Foi a partir desse momento que a Mentira, vestida com as roupas da Verdade, se tornou popular e aceite. Já a Verdade, por andar nua, era ignorada e, cruelmente, experienciava a frieza de todos virarem a cara para o lado para não a verem. Preferiam não a enfrentar, a ver a Verdade nua e crua.

Esta pequena alegoria, cada vez mais atual na nossa sociedade profundamente hedonista, impregnada duma retórica sofística, de realidades paralelas ou virtuais, que mais não são do que pura propaganda política onde o parecer é mais importante que o ser, deve fazer-nos refletir sobre o caminho político que queremos para o nosso País.

Na verdade, quem pensa que os temas fraturantes e questiúnculas, em torno de pequenos episódios isolados, nos tornam grandes políticos ou estadistas, está profundamente enganado. Na essência da política está a verdade, o saber, a capacidade de trabalho, a liderança e, acima de tudo, o serviço público.

É por isto que devemos exigir aos políticos e aos governos uma gestão rigorosa dos nossos interesses e impostos, enquanto gestores da causa pública, tal como numa empresa privada se exige aos seus administradores.

A este propósito, face ao comportamento omissivo do Governo, venho mais uma vez relembrar que, tal como o escrevi no meu artigo de 27 de junho do corrente ano, com o título ‘Uma questão de oportunidade’, a transposição para a Ordem Jurídica Portuguesa da Diretiva de Direito Autor no Mercado Único Digital (Diretiva MUD), não respeitou o prazo imperativo dado pela Comissão Europeia para o efeito.

Mais, conforme resulta do último relatório daquela Instituição, Portugal é o país mais atrasado em toda a União Europeia, neste desiderato e não se vislumbra, até ao momento, qualquer calendendarização que nos permita perceber quais os passos seguintes dados pelo Governo para este efeito.

Nesta Diretiva, além de estar em causa alterações estruturantes ao nível do Direito de Autor e Direitos Conexos, importa acelerar este processo legislativo para evitar as perdas que os Titulares de Direitos estão a ter, em contraposição com os lucros (Value Gap), que os gigantes da internet têm à custa da criação intelectual de terceiros.

Perante isto, e porque em política há sempre consequências, o comportamento omisso do Estado Português é a causa direta e adequada da seguinte realidade:

• Os cofres públicos (entenda-se dinheiro dos nossos impostos) vão ter de suportar e pagar uma pesada sanção pecuniária (entenda-se multa) à Comissão Europeia. Tendo como exemplo a Bélgica, a quem o Tribunal de Justiça da União Europeia obrigou a pagar 5 mil euros por cada dia de atraso, a demora do Governo português já nos custa a todos mais de 2 milhões de euros;
• Os Titulares de Direitos de Autor e Direitos Conexos estão em Portugal, desde junho de 2021, privados de receber a remuneração pela utilização dos seus trabalhos intelectuais;
• O Orçamento de Estado está a perder os impostos inerentes aos direitos cobrados pelos seus Titulares;
• Os gigantes da Internet (empresas multinacionais que pouco ou nada pagam de impostos em Portugal) estão a ganhar muito dinheiro à custa desta inércia legislativa.

Concluindo, Pergunto:

• Será este um comportamento diligente de um titular de um cargo político?
• Quem vai compensar os Titulares de Direitos pelos prejuízos que estão a sofrer?
• Quanto mais vamos pagar dos nossos impostos pela sanção pecuniária (entenda-se multa) à Comissão Europeia?
• Vamos olhar para o lado, como na alegoria, ou vamos acreditar numa mentira vestida com as roupas da verdade e, no final dizer que não é bem assim?!