A transposição para ordem jurídica portuguesa da Diretiva do Direito de Autor no Mercado Único Digital (Diretiva MUD) está bastante atrasada, ao ponto de Portugal e de mais alguns outros Estados Europeus terem agora um prazo de um mês para efetuar tal Transposição.

Estão em causa alterações ao nível do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos (‘CDADC’), diploma estruturante no que diz respeito à proteção e salvaguarda dos titulares daqueles direitos, sendo este um momento legislativo muito importante para promover uma reforma ambiciosa que modernize e adeque o regime às novas formas de violação de direitos em ambiente digital. Nesse sentido, será necessária coragem política e ambição para reforçar a proteção dos titulares de direitos perante o flagelo da ‘pirataria’.

Sendo a ‘pirataria’ a manifestação mais comum de utilização não autorizada de obras legalmente protegidas, de valor cultural e económico muito importante, têm necessariamente de merecer uma tutela eficaz e compaginável com os princípios da tipicidade, da certeza e segurança jurídica exigidas no Direito Penal.

Isto é, este fenómeno crescente e cada vez mais global, particularmente no setor do audiovisual, destrói o valor e toda a cadeia inerente à atividade criativa, bem como os interesses dos vários agentes que nela participam, nomeadamente Autores, Produtores Audiovisuais, Atores, Editores e Distribuidores de Video e Cinema, Operadores de Redes de Serviços de Comunicações Electrónicas e Organismos de Radiodifusão.

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De acordo com informação publicada em março 2021, só no mercado do audiovisual o impacto da pirataria na economia portuguesa ronda os 200.000.000 (duzentos milhões) de euros: 146.000.000 (cento e quarenta e seis milhões) são em receitas e 66.000.000 (sessenta e seis milhões) são em impostos.

Mais, a crescente facilidade tecnológica na reprodução e comunicação ao público de obras protegidas, não tem sido acompanhada de meios legais de reação expedita e eficaz que impeçam a disseminação da pirataria em ambiente digital.

Por este facto, por uma questão de oportunidade que se prende com este momento legislativo, dever-se-á ter a argúcia, a coragem e a sensibilidade jurídica para alterar o código do direito de autor e direitos conexos, nomeadamente as suas normas de natureza penal de modo a atualizá-las ao ambiente digital, até porque em sede penal não há lugar para interpretações extensíveis ou analógicas, ou seja, ou é o que está na lei, ou simplesmente não pode ser punível. Com efeito, os mecanismos atualmente existentes têm sido manifestamente insuficientes para fazer face às novas formas de consumo de pirataria, nomeadamente o acesso ilícito através de streaming (com ou sem subscrição – e.g. IPTV)

A pirataria continua a ser um flagelo na Europa e em Portugal. Um quadro normativo que ofereça um elevado nível de proteção aos titulares de direitos ao mesmo tempo que promove a consciencialização e penaliza os consumidores de conteúdos piratas, será um fator de competitividade das indústrias criativas e de preservação do património cultural. Neste contexto, temos uma oportunidade de ouro para se reformar o CDADC (Código de Direito de Autor e Direitos Conexos) enquanto instrumento fundamental para a proteção de direitos de autor e direitos conexos. Na verdade, a eficácia na prevenção e repressão da pirataria no setor do audiovisual, passará por uma harmonização do quadro legislativo em vigor, nomeadamente ao nível do CDADC, Código Penal e legislação avulsa que sanciona alguns comportamentos associados à pirataria.

Em conclusão, entendo que se acrescentarmos ao tipo legal do crime de usurpação (artº195) do CDADC uma formulação jurídica que expresse a sua aplicação ao streaming e alargando a legitimidade da constituição como assistente em processo penal aos prestadores intermediários de serviços, alterando-se também o artº 200 número 2 do mesmo código, estamos enquanto Sociedade a dar um maior contributo à proteção da criação e difusão cultural e à Sociedade em geral.

Entendo ainda que, para uma melhor e mais completa tutela de direito de autor deverá ser introduzido um mecanismo no CDADC, aproveitando-se o artº 212 (atualmente revogado), que permita de uma forma eficaz dissuadir o consumo ilegal de obras protegidas, criando-se para o efeito um regime contraordenacional grave para quem aceder de modo reiterado, a difusões não autorizadas de obras prestações ou emissões através de serviços de comunicações eletrónicas, pois só penalizando estes comportamentos se poderá minimizar os efeitos perversos que a pirataria tem no ecossistema do audiovisual. Trata-se, na verdade, de implementar uma prática que já vem sendo adotada em França e em Itália.

Afigura-se crucial, sinalizar e censurar socialmente o desvalor ético associado ao comportamento de todos aqueles que oportunisticamente e sem respeito pelo trabalho intelectual de terceiros usufruem, tal como receptadores, de bens apropriados ilicitamente, do património de outros.