Nos últimos meses, e em especial nas últimas semanas, temos assistido a um sem fim de analistas e especialistas a vaticinar o perigo que a eleição de Donald Trump representa para a Europa. O perigo do fim do apoio militar à Ucrânia, o perigo do isolacionismo económico dos Estados Unidos, o perigo da saída ou desinvestimento americano na NATO. Perante isto eu pergunto-me: O que tem feito a Europa para se precaver desta ou qualquer outra eventualidade?

Olhemos então para a Defesa e para a Economia europeias, para tentar perceber porque este voto em Trump se tornou, potencialmente, tão catastrófico para nós.

Desde o início do milénio até 2023, entre França, Alemanha, Itália e Espanha, só a França atingiu valores acima dos 2% de investimento anual em Defesa chegando aos 2,1%. A Alemanha nunca passou dos 1.5%, Itália e Espanha nunca passaram dos 1,7%, e neste período encontram-se vários exemplos de anos em que qualquer um destes três países não passou dos 1,2% de despesa em Defesa. Os Estados Unidos o que têm feito? No mesmo período nunca baixaram dos 3,1% por ano e chegaram aos 4,9% anuais.

Na última década e meia, o PIB per Capita na Zona Euro cresceu de 29.740€ em 2011, para 41.610€ em 2023, isto representa um crescimento de 40%, e uma média de 3,07% ao ano. No mesmo período, o crescimento do PIB per capita nos EUA foi de 112,8% (8,67% ao ano), de 35.933€ em 2011 para 76.476€ em 2024.

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Em 13 anos passámos de um rendimento médio que representava 71,5% do americano para um que não chega a 55%. Se extrapolarmos estes números até ao final desta década, chegamos rapidamente à conclusão de que em 2030, o PIB per capita da Zona Euro seria apenas 40% do americano.

O panorama é negro: A economia alemã encaminha-se para o segundo ano seguido de contracção; as estimativas apontam para um déficit acima dos 6% em França, com a economia a praticamente não crescer e uma dívida pública de 112% do PIB; Itália ainda deve conseguir diminuir o seu déficit de 7,3% em 2023 para 3,8% em 2024, mas tem já uma dívida superior a 136% do PIB. Espanha também espera um déficit de 3% e tem uma dívida pública de 102,3% do PIB.

Para este triste desempenho económico do Bloco Europeu, contribuem diversos factores que, infelizmente, pouco vejo serem discutidos. Por um lado, a excessiva permissividade com países que claramente não estão a cumprir as regras orçamentais. Por outro, as sucessivas políticas de burocratização da indústria e de limitações à mesma e ainda os sucessivos entraves à inovação.

Ao mesmo tempo, os Governos dos grandes motores económicos europeus têm cada vez menos força nos seus respectivos países. Os partidos do centro teimam em não reconhecer a real escala dos desafios que a imigração descontrolada e as mudanças demográficas representam no dia a dia dos Europeus, empurrando-os para partidos das franjas mais radicalizadas.

O Governo da Alemanha está prestes a cair, em França a situação do presidente Macron nunca foi tão delicada, e mesmo fora da UE, Keir Starmer e os trabalhistas ingleses tiveram uma partida em falso no início do seu mandato. O único dos grandes países europeus onde a situação política parece estável é, inesperadamente, Itália. Com tanta fragilidade e atomização do poder, torna-se impossível que algum líder “tenha mão” na Europa como tiveram em tempos Schuman, De Gaulle, Adenauer, Kohl ou De Gasperi.

A Comissão Europeia tem estado refém de agendas ideológicas muito bem definidas e que estão a ter resultados económicos catastróficos, tanto a nível económico como social.

A Alemanha é um exemplo paradigmático. Do ponto de vista económico vemos o exemplo da Volkswagen que, sufocada por mudanças radicais de legislação, foi incapaz de se adaptar e já teve de anunciar o fecho de três fábricas em solo nacional, algo inédito. Do ponto de vista social vemos o extremo a que se chegou, com o Governo (socialista) de Scholz a decretar o fecho de fronteiras.

A Europa vem tendo, desde há muito tempo, um comportamento totalmente autofágico. Tem sido a própria União a castrar a sua capacidade produtiva, a enfraquecer a sua indústria, a descurar tanto a sua defesa como o controlo de fronteiras, e a tornar-se cada vez mais dependente da protecção americana, da produção chinesa e da energia russa. E agora?

Perante este caos, quisemos delegar no povo americano a responsabilidade de eleger uma Presidente woke, claramente impreparada para o cargo e com uma vincada agenda de esquerda, porque a nós nos “dá jeito”.

A responsabilidade do que se passa na Europa não é de Donald Trump e muito menos do eleitorado americano. A responsabilidade do que se passa na Europa é dos (maus) líderes europeus, e da (pouco exigente) população europeia. A Europa tem vivido as últimas décadas numa espécie de sonolência tóxica. Esta dormência resultou num bloco impotente e quase irrelevante no panorama mundial.

O plano Marshall acabou há mais de 70 anos, a União Europeia foi fundada há mais de 60, não é hora de a “Velha Europa” acordar? Será este o “abanão” de que as instituições europeias precisavam para encarar a realidade? Será que com o fim da “sombra” americana, que nos protegia de tudo e de todos, a Europa vai perceber que não é cortando as suas próprias pernas que se vai manter relevante e próspera?

Eu não tenho particular apreço pela figura de Trump, nem sou contra um projecto económico comum na Europa. No entanto, se for a eleição de Trump que volta a pôr carvão nos motores que na Europa se têm vido a calar, não terei problemas em dizer que a eleição de Trump foi um dos factores que salvou a Europa de si própria.