Segundo a UNICEF, Portugal é o país com mais crianças institucionalizadas na Europa e na Ásia Central, ou seja, 294 por cada mil crianças estão em instituições, o triplo da média mundial.

Estas crianças crescem sem família, com pouco ou até sem amor em instituições demasiado grandes para conseguir oferecer o devido acompanhamento individual que uma criança requer e merece. Para além de muitas já terem experienciado traumas, abusos e rejeição, o tempo passado à espera de ter uma família (o que muitas vezes não acontece) dá azo a uma angústia psicológica profunda, ansiedade e dificuldades sociais, como em criar relações positivas, resultando em adultos com diversos traumas, medo de rejeição e baixa autoestima.

Muitas destas crianças apresentam atrasos na fala e no desenvolvimento e uma grave negligência emocional e, juntamente ao abuso e exploração no seu passado, torna a sua vida futura em algo já sabotado, como se estivessem a jogar um jogo viciado, impossível de se ganhar. Muitas crianças acabam por embarcar no mundo da criminalidade, drogas, álcool ou passam por relações pessoais tóxicas e abusivas e repetem os padrões que deram azo à sua origem. Viver com o estigma da rejeição não é algo fácil de se lidar, especialmente quando esta rejeição não foi demonstrada somente pela família biológica, mas também pelas inúmeras vezes que não foram adoptados ou preteridos para outra criança.

De acordo com a UNICEF, 14% das crianças em instituições têm algum tipo de deficiência e, de acordo com o relatório CASA, o número aumentou nos últimos anos. A probabilidade destas crianças serem adoptadas é extremamente baixa. Aliás, a maioria das pessoas prefere recém-nascidos ou bebés, sendo que 70% das famílias prefere crianças entre os 0 aos 3 anos (uma faixa etária que representa apenas 25% do total de crianças para adopção)e apenas 6%, crianças com 7 anos ou mais.

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Infelizmente, a adopção de crianças a partir dos 15 anos é praticamente nula, assim para crianças que ainda mantêm vínculos com a família biológica.

Também há uma preferência por crianças sem irmãos, sendo rara a adopção de irmãos pela mesma família e apenas crianças que seja órfãs, abandonadas ou tenham sido retiradas pelo tribunal aos pais biológicos para a sua protecção é que são passíveis de adopção.

Eu fui abençoada por ter sido adoptada com poucos dias de idade e o facto da mulher que me deu à luz não me querer (e não se saber quem foi homem que participou na minha concepção) e me ter dado pessoalmente à minha mãe, tornou o meu processo de adopção mais fácil e rápido. Mas na realidade, o processo é bastante moroso, burocrático, rigoroso, emocional e psicologicamente desgastante.

O processo de adopção começa com uma avaliação prévia do casal ou pessoa que pretende adoptar e é recomendado acompanhamento legal e uma preparação psicológica. Quando ao processo em sim, começa com uma avaliação física e psicológica, médica e psicossocial para verificar se reúnem as condições para educar e criar uma criança. É também feita uma avaliação de estabilidade emocional, financeira, habitacional e da disponibilidade de tempo, assim como diversas entrevistas.

É necessário reunir inúmeros documentos, nomeadamente de identidade, saúde, renda, situação profissional, residência e condições de vida.

Caso a candidatura seja aceite, é realizada a inscrição no cadastro nacional de adopção, havendo um processo de espera, onde se procura a criança adequada, com base nos desejos do casal ou indivíduo e as crianças disponíveis para adopção.

Após a escolha da criança a ser adoptada, inicia-se o período de convivência entre a criança e o casal ou indivíduo. Este período pode demorar até 1 ano e o seu objectivo é o conhecimento mútuo entre a criança ou crianças e o casal ou indivíduo.

Se o período de convivência tiver sucesso, passa-se ao período de pré-adopção, ou seja, a criança vai viver com a família ou indivíduo, embora ainda esteja sob a tutela do estado, havendo visitas domiciliárias regulares para verificar se foram reunidas as condições correctas para a adopção, se foi estabelecido um vínculo emocional e adaptação de ambas as partes. Este período pode demorar de 6 meses a 1 ano. Caso haja aprovação da equipa de avaliação, a adopção é então legalizada.

O processo de legalização da adopção pode demorar até 2 anos.

Devido a várias alterações legais, o processo completo pode demorar entre 5 a 6 anos mas, no caso de recém-nascidos, pode demorar ainda mais.

Caso se opte por uma adopção plena, onde a criança passa a ter todos os direitos que um filho biológico, é necessário o consentimento dos pais biológicos da criança, excepto se tiverem perdido legalmente os direitos parentais.

Os requisitos para iniciar o processo são, para casais (nacionais ou estrangeiros) ou em união de facto, heterossexuais ou homossexuais, terem entre 25 a 61 anos, boa saúde física e mental, condições financeiras, residência adequada e uma união estável de pelo menos 4 anos; como pessoa singular (solteira, casada, viúva ou viver em união de facto) independentemente do género, ter entre 30 a 61 anos, boa saúde física e mental, condições financeiras e residência adequada.

Há também requisitos especiais para quem tenha mais de 61 anos.

Em 2020 o número de candidaturas a aguardar propostas de adopção era 6 vezes superior ao número de crianças para adopção.

De acordo com o relatório da CNA, em 2022, o número de adopções voltou a descer (157) e o número de devolução de crianças em processo de adopção aumentou.

O número de candidaturas foi superior a 1300 e o número de crianças para adopção, cerca de 230, com 14 crianças devolvidas às instituições. O período de espera após a candidatura foi de aproximadamente 7 anos.

Este é um período excessivo e, embora tenha como objectivo proteger a criança, também a afecta negativamente, assim como as suas chances de ser adoptada, para além de ser um elemento dissuasor para quem pretende adoptar.

Outro ponto em ter em conta é que de acordo com o primeiro estudo epidemiológico sobre infertilidade em Portugal, em 2022, 9 a 10% dos casais sofrem de infertilidade. Para estes casais, a adopção pode ser uma possibilidade e com um sistema de adopção tão moroso e que, por mais desumano e incompreensível que seja, permite a devolução de uma criança, perdesse a fé e a esperança. O sistema de adopção deve ser revisto com urgência. Não só pela criança que passa tempo desnecessário em sofrimento e a sonhar com uma família, resultando em danos permanentes a nível emocional e psicológico, mas também para quem pretende adoptar. Há, de facto, a necessidade de um escrutínio metódico e exaustivo, mas o processo é demasiado moroso e penoso, o que só desmotiva quem realmente quer adoptar uma criança, permitindo-lhe o amor e estabilidade que tanto precisa.

Quando penso em adopção, recordo-me sempre de um vídeo que vi sobre uma criança que foi adoptada com a sua irmã. E essa criança (com cerca de 4 anos) diz à sua mãe: “Sabes o que aconteceu ao meu coração quando te vi pela primeira vez? O meu coração apaixonou-se por ti”.

Para mim, laços de sangue são sobre estimados, não é isso que define uma família, mas sim o elo de amor, apoio e compreensão que une os seus membros. O termo mãe e pai é adquirido por mérito, pelo comportamento, acções, pelo amor e dedicação, compreensão e apoio, pelos sacrifícios e os ensinamentos, não por razões biológicas.

Os meus pais salvaram-me a vida, deram-me amor e oportunidades que caso contrário nunca teria. Por isso estou eternamente grata e nunca conseguirei devolver tudo o que me proporcionaram ou ter palavras para exprimir o quão importantes são para mim, especialmente a minha mãe, que esteve sempre à minha beira, nos bons e maus momentos e sempre me apoiou e defendeu e foi muito por ela que me tornei no ser humano que sou hoje.

Desejo que mais crianças tenham a mesma benção que eu tive. Ninguém se deve sentir rejeitado ou um fardo simplesmente por ter nascido, e com este sistema tão penoso é exactamente isso que acontece. O sistema deve ser revisto, com urgência, pelas crianças que vivem em instituições a sonhar com uma família que as ame.