Num artigo publicado no dia 21 de Março no Observador, tentei mostrar quais são as dificuldades na modelação da trajectória de uma curva de infectados num surto epidémico, mais especificamente no caso português. Propus também um modelo que tentasse prever o número de infectados, de acordo com vários cenários. Rapidamente me apercebi que os dois cenários que tinha previsto, e mencionados no artigo, não estavam a seguir de forma adequada a trajectória da curva, sendo que criei dois cenários extra, como pode ser visto no meu post do facebook de dia 23 de Março.

Um destes cenários, claramente, estava (e ainda está!) a prever de forma bastante adequada a trajectória da curva, como pode ser visto no acompanhamento que fui fazendo da subida da curva, no dia 25 de Março, e depois no dia 29 de Março.

Posteriormente, actualizei o meu modelo para modelar de forma adequada não só os casos de infectados como também os casos de hospitalizados, como pode ser visto no preprint do artigo que submeti para revisão de pares ao Bulletin of the World Health Organization.

Sem querer entrar nos detalhes técnicos daquilo que mudou ou não na modelação, no essencial, o que alterei foi o facto de começar a usar os dados portugueses em vez dos italianos, e na forma como pensei o modelo. O trabalho é ainda preliminar, e portanto deve ser apenas utilizado para fins académicos, mas continua a chamar a atenção para dois pontos essenciais: a necessidade de medidas de contenção e mitigação, e a necessidade de medidas de auto-protecção. Com estas medidas implementadas, é de facto possível controlar a trajectória das curvas de forma a procurar não saturar o sistema de saúde nacional. A minha ideia, e de vários cientistas, será a de criar ferramentas posteriormente que permitam avaliar o impacto da medida x ou y, de forma precisamente a verificar a sua capacidade de achatar ou não a curva de forma adequada.

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Neste modelo chego a um valor preliminar máximo de casos internados em UCI em Portugal de ~500 a ~750 casos, se as condições da trajectória da curva se mantiverem. E é esse ponto que é importante salientar. Estas condições actualmente apenas podem ser mantidas se as medidas de contenção/mitigação e de auto-protecção forem mantidas!

Numa altura em que um dos grandes debates é a utilização obrigatória ou não de máscaras, penso que é importante destacar este ponto. No momento actual, em que ainda não existe medicação adequada para o tratamento da doença provocada pelo SARS-covid-2, a nossa única verdadeira arma contra este surto epidémico são estas medidas.

É verdade que existem várias promessas de medicação, algumas, penso, já terem uso exclusivamente médico, mas o uso autorizado destes medicamentos precisa de comprovação pelo método científico adequado – os testes aleatórios duplamente cegos, o que pode demorar meses ou anos. E é esta a realidade que temos que aceitar. Sendo assim, de facto, a única forma, é mesmo a das medidas que têm vindo a ser tomadas.

Mais dois pequenos pontos, e algo que não tenho visto ser explicado de forma mais clara, é a forma como os dados são apresentados. Por exemplo, no meu estudo, eu refiro os casos confirmados activos. No entanto, os números que normalmente são divulgados pela comunicação social são os números de casos confirmados acumulados. A diferença entre uns e outros é muito simples. Aos casos activos, temos apenas que retirar os casos “retirados” ou seja os casos de falecimentos ou casos de recuperados. Com isso obtemos o número dos casos em que existe uma infecção activa por covid. No caso português, acredito que o número de casos recuperados esteja a ser sub-avaliado por uma razão muito simples: tem sido preferível gastar um teste para comprovar um caso activo, do que gastá-lo para comprovar um caso recuperado. No entanto será talvez importante repensar isto, pois alguns recuperados podem estar a saturar os hospitais, como aliás já foi reportado há uns dias.

O segundo ponto tem que ver com a utilização, a meu ver, indevida, da utilização da expressão errática para descrever os casos de infectados em Portugal, que se viu noticiada há uns dias na comunicação social. Penso que a expressão foi utilizada sobretudo para a forma como a evolução dos novos casos se tem vindo a processar em Portugal. No entanto, a sua evolução não é errática. Errático seria se não fosse possível prever uma tendência, o que não é verdade, já que pelo menos neste momento, se consegue perceber uma tendência de decrescimento dos novos casos. O que acontece é que existe uma incerteza nos dados divulgados, que vem de vários factores, quanto mais não seja por razões administrativas. O que é importante salientar aqui é que numa altura de grandes incertezas, deve-se ser claro e preciso na utilização de termos de forma científica, sob pena de estarmos a gerar ainda mais incertezas e dúvidas. Neste momento, só a ciência, e a sua utilização adequada, nos podem salvar.