A necessidade de um plano que defina aquilo que pretendemos, enquanto país, em matéria de gestão da água para os diversos fins, nas diversas geografias e com foco nos diversos horizontes temporais, é inquestionável. Esteve, portanto, bem o Governo quando, em reunião do Conselho de Ministros de 22 de maio de 2024 (há já 5 meses!), sob o lema “Água que une”, “(…) anunciou ainda uma iniciativa interministerial que representa um compromisso com a gestão sustentável da água, através de uma abordagem holística, multissetorial e colaborativa. (…) Esta estratégia, que será apresentada até ao fim o ano, inclui um novo Plano Nacional da Água (PNA 2035) (…). Em paralelo, será desenvolvido um plano de armazenamento e de distribuição eficiente da água para a agricultura (REGA), promovido pelo Ministério da Agricultura e das Pescas, que será articulado com o PNA (…)”. Cerca de um mês depois, a 17 de junho, foi criado um Grupo de Trabalho “…para gerir a estratégia Água que Une…”, presidido pelo Presidente das Águas de Portugal e integrando ainda a Agência Portuguesa do Ambiente, a Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural e a Empresa de Desenvolvimento das Infraestruturas de Alqueva.
Daí para cá, o Governo tomou algumas decisões com impacto evidente na gestão da água, nomeadamente em relação ao abastecimento do Algarve (Dessalinizadora em Albufeira e Estação Elevatória no Pomarão). Que se saiba, sem especial articulação com o referido Grupo de Trabalho. Nas últimas semanas, foi divulgado o calendário de uma série de reuniões, em diversas regiões do país, deste Grupo com as pessoas ou entidades que quisessem dar contributos para a referida estratégia.
Nesta “questão da água” é muito importante que se tenha uma abordagem tão integrada quanto possível: todas as origens, todo o país, todos os usos e todos os horizontes temporais. A água não é uma questão superficial ou subterrânea, não é uma questão do Norte ou do Sul, não é uma questão da agricultura ou do consumo urbano e não é uma questão do hoje ou do amanhã. É uma questão de todas essas dimensões em simultâneo: é uma questão da coesão, é uma questão do território, é uma questão do ambiente, é uma questão da economia. É sobretudo uma questão do País e das pessoas. Aqui, a iniciativa “Água que une”, marcou pontos: foi gerada a oportunidade de se avançar para um plano integrado para a gestão da água (é o que resulta do supramencionado Conselho de Ministros), e foi criada a expetativa de que tal seja feito com rapidez e sem “nins”. Se perdermos a oportunidade e gorarmos a expetativa, o que poderia ser um passo em frente representará um gigante passo atrás.
Ora, apesar das decisões tomadas para resolver problemas urgentes (Algarve e Sudoeste Alentejano), a minha perceção é a de que corremos o risco de que as expetativas saiam goradas e que a oportunidade se perca. Porquê? Porque encontradas (e postas em marcha) as soluções para o urgente (do hoje, em duas regiões muito específicas), o importante poderá passar para segundo plano. E o importante é que, até final deste ano, esteja identificado o plano de ação nacional: que obras, com que sequência e calendário, com que financiamento.
Não me entendam mal. Foi essencial o Governo ter respondido às urgências mencionadas (sobre as soluções em concreto, não me pronuncio, embora me custe entender a opção pelo Pomarão e a renúncia à barragem da Foupana), e sabemos bem como em Portugal somos peritos em “desenrascar” situações. Com a resolução das urgências referidas, e se tivermos a sorte de ter um ano com níveis de precipitação generosos no Sul do país, temo que o que é realmente importante seja relegado para as calendas.
Acresce que os sinais que têm resultado das reuniões regionais do Grupo de Trabalho a que acima fizemos referência, não são encorajadores. Por um lado, a ausência, na maior parte das reuniões, dos responsáveis máximos de cada uma das entidades (com exceção da EDIA, que se tem feito sempre representar pelo seu Presidente), fazendo-se representar por outros, retiram elã ao processo e limitam a capacidade de decisão do Grupo. É verdade que se trata de pessoas muito ocupadas, mas ou este assunto é importante o suficiente para que nele se empenhem pessoalmente, ou não vale a pena perder muito tempo. Por outro lado, certas posições expressas por algumas das entidades que integram o Grupo de Trabalho, mantendo preconceitos em relação ao que se pretende e às possíveis soluções a adotar, esvaziam de sentido algumas das reuniões. Finalmente, a pouca ambição aparente daquilo que resultará do trabalho a desenvolver até final do ano, a manter-se o estado de coisas referido, transformará fatalmente esta oportunidade única em mais um powerpoint, com a esterilidade que deles é caraterística.
Termino como comecei: que a boa decisão tomada em maio não se transforme em mais uma (na última?) oportunidade perdida para encararmos de forma séria e empenhada a gestão da água em Portugal. Ninguém perdoaria se tal acontecesse. Não se trata de uma questão ideológica, nem de uma questão setorial, muito menos de uma questão geracional. Trata-se de um desafio que, ou o vencemos enquanto sociedade, ou baixamos os braços e votamos o país e as gerações vindouras a uma derrota sem remissão possível. A escolha é nossa.