Num momento em que são garantidos a Portugal 15,3 mil milhões de apoio à recuperação económica e social e o novo envelope financeiro para o Quadro Plurianual da União Europeia é estabelecido, ainda nenhum decisor político teve a humildade de perguntar à juventude o que quer do país que vai herdar.

Os dados apurados sobre o desemprego jovem remetem-nos hoje para valores alarmantes do passado, tendo o desemprego disparado 150% em Abril entre jovens até aos 24 anos, bem como as denúncias informais da precarização do emprego durante a pandemia. Ao mesmo tempo, são já sobejamente conhecidas as questões do subemprego e os números elevados de jovens NEET (Not in Employment Education or Training) fora das estatísticas, atirados para uma economia informal, também ela em queda livre. Já os receios de uma geração de diplomados da Covid-19, resultado das dificuldades no acesso ao ensino e da fraca aquisição de competências durante a pandemia, são também já partilhados entre deputados. Uma leitura dos últimos estudos sobre saúde mental indica, ainda, que as novas gerações não estão a recuperar os níveis de bem-estar anteriores à pandemia tanto quanto as outras gerações. E quem fala destas questões, poderia falar sobre as situações dramáticas da habitação jovem e estudantil, sobre o abandono escolar expectável na retoma do ano letivo, sobre as situações de jovens em risco que não foram denunciadas, das condições de pobreza em que muitos jovens artistas se encontram, do investimento parado no ambiente e na coesão territorial e em tantos outros problemas que se “empurram com a barriga” sem soluções à vista.

É, portanto, um jogo de telefone estragado dizer que a juventude não está desproporcionalmente vulnerável à crise económica e social e é um ato de egoísmo geracional dizer que os jovens não serão aqueles a assumir a maior parte dos dividendos desta crise e destas ajudas europeias. Ajudas essas, que começam a ser pagas em 2028 e devem ser totalmente ressarcidas até 2058, ou seja, no período de vida ativa das novas gerações. Mas eis senão quando, surge uma Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal, que mantém economia e juventude tão distantes quanto possível. E nós, jovens, onde ficamos? Não nos resignamos a não ser parte da solução. Não envolver a juventude na discussão sobre que Portugal queremos, para nós e para aqueles que vierem depois de nós, é um ato de cobardia e sinal de uma visão de curto prazo que não tem faltado a quem decide hoje.

E porque não nos resignamos, fizemos e continuaremos a fazer o nosso caminho. O Conselho Nacional de Juventude (CNJ) auscultou os jovens e as organizações que os representam, criámos um Pacote de Medidas por uma Recuperação Económica e Social da Juventude, reunimos com líderes partidários, grupos parlamentares, Governo, Presidente da República, autarquias e parceiros da sociedade civil para o apresentar, num total de mais de trinta entidades. Porque não nos podemos calar, nem ficar à espera que nos questionem depois das decisões serem tomadas.

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No Pacote de Medidas por uma Recuperação Económica e Social da Juventude que o Conselho Nacional de Juventude elaborou constam 100 medidas, de jovens para jovens, que englobam todas as áreas da vida económica, social e política numa lógica transversal da juventude e que se consubstanciam em seis pontos principais:

  1. É urgente promover um novo paradigma para o emprego, assente no trabalho digno, através do aumento geral dos salários, da salvaguarda dos direitos, da regulamentação do teletrabalho e da compatibilidade entre a vida profissional, pessoal e familiar, com vista à concretização do potencial das novas gerações;
  2. É necessário aumentar o peso da habitação com apoio público na globalidade do parque habitacional a nível nacional e garantir programas efetivos de renda apoiada, com majoração para jovens que não atirem a juventude para as casas dos seus pais ou para condições indignas de habitação;
  3. É preciso não perder o ímpeto na educação, repensando o modelo atual de ensino, aprendizagem e avaliação, considerando as questões prementes da digitalização, a aquisição de competências fluidas e as reais necessidades do mercado de trabalho português. Sem deixar ninguém para trás, garantindo a capacidade da ação social escolar e sem retrocessos em matéria de digitalização;
  4. É necessário um compromisso com a resiliência e o bem-estar das novas gerações, reforçando as respostas e as equipas multidisciplinares a exercerem apoio nas diferentes instituições de ensino nos diferentes graus, tendo em conta que as perturbações da saúde mental são um problema estrutural que implicam diversas áreas da dimensão humana;
  5. Promover uma recuperação económica por via da sustentabilidade, incentivando uma economia mais verde, garantindo o fornecimento de energia de baixo carbono a preços competitivos e promovendo a eficiência energética, a descarbonização e a economia circular;
  6. Promover a participação plena e efetiva da juventude nos processos de decisão, criando espaços de diálogo entre decisores políticos e a juventude, reforçando junto dos atores políticos a necessidade de envolvimento das novas gerações e explorando as novas formas de participação digital.

O CNJ traçou o caminho e as metas estão bem definidas. Queremos uma recuperação económica e social de que a juventude seja parte integrante e queremos sentar-nos à mesa para decidir. Porque um país sem jovens é mais pobre. Porque as respostas que se derem hoje às novas gerações ditarão o futuro de amanhã. Não nos peçam para lutar pelo Portugal do futuro sem nos darem a possibilidade de o ajudar a definir agora.