Em momento de aprovação na especialidade do Orçamento do Estado para 2020, a elaboração de medidas de apoio à habitação não deve ser uma surpresa. E também não é surpresa que a minha geração é das mais afetadas pela crise da habitação digna atual. Se dúvidas existissem quanto ao acesso à habitação ser um direito da juventude e um dever do Estado garantir os mecanismos de efetivação desse mesmo direito, o Artigo 70 da Constituição da República Portuguesa não deixa margem para discussões demagogas. Já as propostas apresentadas, essas sim promovem o conservadorismo na abordagem e uma falta de rasgo e coragem política para resolver um problema central quando falamos de emancipação das novas gerações.

O Conselho Nacional de Juventude tem olhado para a questão da habitação jovem com preocupação e trazido para o debate diferentes propostas de solução ao longo dos anos. Talvez seja necessário relembrar ainda que a juventude perfaz hoje, de acordo com os dados do INE, mais de 16% da população portuguesa e que dar condições para que cada uma e cada um possa iniciar a sua vida adulta – permitindo-lhes saírem da sua casa de família, adquirir independência e mobilidade social – é um investimento necessário para o contínuo desenvolvimento de Portugal, sob pena de se incentivar à migração e à gentrificação das cidades portuguesas.

Os dados que vieram a público do ano passado demonstram um total desfasamento entre programa de arrendamento jovem “Porta 65”  e a realidade dos grandes centros urbanos, onde os valores de mercado de arrendamento aumentaram entre 30 a 107%. Apesar dos ajustes anuais à Portaria de 2010 que estabelece os valores de apoio do “Porta 65”, num momento de intensa especulação imobiliária, urge tomar medidas de fundo, repensando com e para os jovens o modelo dos programas de apoio, o acesso ao crédito à habitação e às residências estudantis e o ordenamento do território de forma a dar resposta aos desafios que lhes são colocados hoje. Sem esquecer com isto que uma real discussão sobre habitação jovem não deve estar desfasada das questões do emprego e da sustentabilidade económica, social e ambiental. É essencial pensar numa estratégia política global, consequente e pormenorizada, ao invés de políticas avulsas e cosméticas.

Apesar do desdobramento do poder local dos grandes centros em medidas de apoio à habitação – entre elas o novo programa da Câmara Municipal de Lisboa “Renda Segura” que promove o aumento do parque habitacional “público” através do subarrendamento a preços de renda acessível, mas que é irrealista quanto aos valores e pouco ambicioso no investimento – a taxa de esforço da minha geração no que diz respeito à habitação continua a ser demasiado elevada. E se nos grandes centros a realidade é uma, a falta de vontade política e sensibilidade para o tema que subsiste em autarquias de menor dimensão continuam a contribuir para o problema. Não chega acabar com a habitação ilegal e ostracizar os mais vulneráveis para bairros segregados. Impõe-se uma política de habitação abrangente e inclusiva, que seja capacitadora de todas e todos os cidadãos e não vista com estigma.

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Não sendo este um problema exclusivamente português, importa olhar à nossa volta – em particular para outros países europeus – e refletir sobre possíveis soluções para este problema. A título de exemplo, em Berlim, decretou-se a estabilidade das rendas para os próximos 5 anos, evitando a gentrificação da cidade por um lado, o aumento da especulação imobiliária e permitindo às e aos jovens maior estabilidade financeira e segurança no que diz respeito à habituação. Já em Inglaterra, a iniciativa privada, quando constrói um complexo habitacional é obrigada a alocar uma percentagem do investimento a habitação acessível que muitas das vezes é comprada pelo poder local e transformada em arrendamento de baixo custo.

Já em Portugal, as soluções que temos (ou não temos) são parcas e muito pouco “amigas” daqueles que se querem emancipar. Os relógios da Assembleia da República – parados em 2010 – continuam a utilizar um instrumento político desafinado para responder aos desafios da década passada. Mas a realidade sobrepõe-se.

Por agora é urgente uma revisão do “Porta 65” – continuando o aumento gradual do financiamento público, ajustando os valores de elegibilidade para os valores reais de mercado e garantindo a total execução da verba do programa – e o exercício do direito de preferência em imóveis devolutos de superior interesse público para efeitos de transformação para parque habitacional público seria uma forma de demonstrar vontade política necessária à procura de uma solução conjunta com a juventude. No entanto, enquanto o objetivo for mitigar as consequências em vez de atacar as causas base deste problema – remuneração que não acompanha o aumento do custo de vida, falta de segurança financeira das e dos jovens, falta de investimento público e falta de regulamentação da especulação imobiliária  (para mencionar apenas alguns) – a suposta solução será sempre ineficiente e resultará sempre no reforço das desigualdades.