Duas décadas passaram desde o encerramento das comportas da Barragem do Alqueva no longínquo dia 08 de fevereiro de 2002. A efeméride foi recordada e, houve, até lugar a balanços. Todos convergem na denúncia do modelo de agricultura alavancado pela barragem fortemente dependente da monocultura do olival produzida de forma intensiva, o que comporta alguns perigos para a sustentabilidade dos ecossistemas. Este argumento não deve ser negligenciado e merece, no mínimo, uma reflexão conjunta na procura de alcançar um maior equilíbrio entre a sustentabilidade ambiental e a viabilidade económica dos projetos em torno do Alqueva. Há, no entanto, um denominador comum que sobreleva nas análises produzidas e que parte de uma premissa errada: que as potencialidades daquele empreendimento atingiram o seu clímax e que pouco mais podemos esperar que não a subversão do modelo de desenvolvimento que se consagrou. Nada mais errado.

O Alqueva só agora entrou na idade adulta, os seus vinte anos atestam isso. As conquistas são significativas. E vão muito para além da paisagem outrora loira e ululante que os trigais produziam (uma monocultura de sequeiro), agora matizada entre o verde-acinzentado do olival e os tons acastanhados das videiras, tudo isto entrecortado pelo espetáculo do manto neve que cobre os campos das amendoeiras em flor. Outras culturas ganham protagonismo.

As efemérides são, frequentemente, momentos de celebração. A barragem do Alqueva foi a obra pública mais significativa realizada em Portugal nos últimos trinta anos, entre investimento público e privado são € 5 mil milhões que a infraestrutura já leva. A sua conceção original fez parte do Plano de Rega do Alentejo, em 1957, levando os críticos de tal empreendimento a questionar a oportunidade de retomar a obra em 1993. Todavia, o empreendimento nunca perdeu atualidade, particularmente num país fustigado frequentemente pela seca meteorológica e uma região, o Alentejo, presa a uma agricultura de sequeiro que lhe retirava competitividade num quadro de um mercado condicionado pelas regras da PAC. Prevaleceu o consenso de levar a efeito uma obra que, por si só, permitia armazenar 4 150 milhões m3 de água. No entanto, Alqueva tem sido muito mais que um reservatório estratégico de água: garante o abastecimento de água a 300 mil habitantes, dinamiza localmente atividades turísticas relacionadas com a albufeira, para além de irrigar os campos agrícolas. Diretamente gerou, até agora, cerca de 20 mil postos de trabalho!

Apesar disso o Alqueva continua enredado na sua dimensão regional, há espera que opere o milagre que muitos aspiravam: a reversão do duplo envelhecimento que fustiga o Alentejo desde os anos 60 do séc. passado e que está na origem do seu despovoamento! Um flagelo que se estende a todo o país, com exceção dos grandes centros urbanos.

Ferreira do Alentejo, no distrito de Beja, foi o primeiro concelho a beneficiar da água do Alqueva e volvidos 20 anos o concelho com apenas 7 600 habitantes conta com o maior lagar da Europa (Sovena – Oliveira da Serra) e o maior produtor de uva de mesa sem grainha do país (Vale da Rosa). Se os indicadores demográficos são desanimadores (em linha com o interior de Portugal), a taxa de desemprego de 5,2% e a população ativa afeta ao setor agrícola na ordem dos 50% confirmam as potencialidades que uma agricultura diferenciadora e competitiva pode proporcionar.

O ciclo da água do Alqueva está só a começar. Os seus efeitos nos concelhos pioneiros acalentam a expetativa de um futuro promissor para a região. Os setores subsidiários da agricultura dão prova de vida e fixam-se em zona industriais antes ocupadas com grandes armazéns devolutos. O modelo de desenvolvimento até agora seguido inevitavelmente terá de se adequar às transformações inegáveis que as alterações climáticas produzem, particularmente numa região deveras fustigada com os seus efeitos, em que as secas prolongadas são a sua face mais visível, mas, também, à economia digital e ao mundo de oportunidades que daí advêm. Para este último ponto impõem-se o estreitamente de relações entre os agentes da agricultura e a universidade – o Instituto Politécnico de Beja dispõe de know-how acumulado que deve colocar ao serviço da inovação na agricultura – como ocorreu no setor têxtil no Norte. Em face da ameaça concorrencial asiática este setor perscrutou na inovação e na tecnologia a oportunidade de criar uma marca diferenciadora para um segmento elevado de mercado, conjugando esforços com a Universidade do Minho dos quais resultou o Centro de Ciência e Tecnologia Têxtil. Na ausência de escala para competir em grandes mercados, os nossos produtos agrícolas têm na inovação e tecnologia a chave para a diferenciação e afirmação de uma marca de qualidade em mercados de «nicho».

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