O Programa Mais Habitação, anunciado em fevereiro, iniciou, finalmente, no dia 7 de outubro, a sua vigência, depois de um veto presidencial político e da esperada confirmação pela maioria parlamentar.
Muitas têm sido as críticas às medidas que foram sendo referidas pelo Executivo (algumas delas corrigidas ou, entretanto, ajustadas pela Assembleia da República), seja por afetarem o investimento internacional, seja por introduzirem renovada instabilidade e impedirem o normal funcionamento das leis do mercado.
No entanto, no presente texto, pretendemos focar pela positiva, algumas das medidas de incentivo ao alargamento do parque habitacional disponível, começando, como convém, pelo princípio: o apoio à promoção de habitação para arrendamento acessível.
Não nos deteremos por isso agora na discussão sobre a viabilidade do desenvolvimento de um mercado de arrendamento são num ambiente legislativo instável, como o que tem marcado o português ao longo dos últimos 50 anos. Parece-nos inegável que os avanços e recuos que marcaram a transição para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, bem como medidas de limitação da rentabilidade do arrendamento tenderão sempre a introduzir fatores de repulsa para o investimento sustentado no imobiliário para arrendamento e em especial na área habitacional.
Embora Portugal se encontre hoje no meio da tabela europeia do arrendamento, com entre 21% e 25% das famílias a residir em alojamentos arrendados, não deixa de suscitar curiosidade que os Países mais ricos sejam os líderes do arrendamento habitacional (Suíça com 58%, Alemanha com 50%, Áustria com 45%, Dinamarca com 40% e França com 35% – Dados Eurostar 2021), correlação que nos deve fazer refletir.
Certo é que uma das grandes críticas feitas ao Programa Mais Habitação é a existência de inúmeros imóveis pertencentes ao Estado ou às Autarquias cuja quantidade se mantém até hoje indeterminada (variando consoante a fonte). Parece também evidente que o Estado e as Autarquias não estão vocacionadas para a construção ou conversão do parque imobiliário em tempo útil, o que justifica plenamente a criação de um programa de apoio à promoção de habitação para arrendamento acessível que torne apelativo e rentável o investimento privado não especulativo.
O apoio criado tem, para além de entes de natureza pública ou de solidariedade social (especialmente as Misericórdias, conhecidas proprietárias de um grande património urbano), por principais destinatários as cooperativas de habitação e construção e sociedades comerciais que se dediquem à construção civil em consórcio, ou sob outra forma de associação, com sociedades dedicadas ao arrendamento para habitação e à gestão de património.
Não é provável que o pacote legislativo suscite um desenvolvimento do sector cooperativo desalinhado com o que temos vindo a assistir no passado, pelo que, ao que estamos em crer, será no setor privado que este novo apoio poderá, ou não, vir a surtir os seus efeitos.
Este programa de apoio, para além de diversos incentivos fiscais, prevê, por um lado, a atribuição de financiamentos às empresas envolvidas de até € 250.000,00, com garantia mútua e bonificação da taxa de juro, para projetos na área da habitação acessível, nomeadamente para construção ou reabilitação, incluindo a aquisição do imóvel para este efeito, e posterior arrendamento.
Por outro lado, e que poderá ser, se aplicado de forma eficiente, um instrumento atrativo para o investimento e empreendimento privado, prevê-se a identificação pelo Estado do património imobiliário público para cedência a tais entidades privadas, com vista à promoção, disponibilização e gestão de arrendamento acessível, realizada através de transmissão do direito de superfície, por um prazo máximo de 90 anos, renovável por igual período, mediante acordo entre as partes para o mesmo fim.
Isto é, prevê-se a atribuição a entidades privadas da possibilidade de renovar e colocar no mercado de arrendamento a rendas acessíveis (isto é, que correspondam a um valor 20% inferior ao valor mediano das rendas por metro quadrado), auferindo durante até 90 anos as respetivas rendas, imóveis presentemente devolutos e pertencentes ao Estado, beneficiando para as obras de adaptação de um financiamento bonificado de até € 250.000,00.
Algumas incógnitas subsistem ainda sobre o detalhe da medida, que está sujeita e pendente da regulamentação, até ao final do presente ano (sendo de salientar a necessária clarificação da aparente gratuitidade da cedência), bem como à efetiva identificação dos imóveis disponíveis, que permitirão determinar a real rentabilidade do investimento que o setor privado é assim convidado a realizar.
O modelo, em todo o caso, presta-se a uma boa adesão dos agentes privados, bem como à formulação de modelos de investimento, como sejam “organismos de investimento coletivo não imobiliários”, expressão que a nova Lei introduziu, no âmbito das autorizações de residência para investimento (vulgo Golden Visa), em substituição da mais restrita “fundos de investimento ou fundos de capitais de risco vocacionados para a capitalização de empresas”, que assim poderão vir a constituir um novo âmbito de captação de investimento estrangeiro.