O respeito que todos devemos às nossas crianças e aos nossos jovens é o mesmo respeito que todos devemos à Escola enquanto instituição. As experiências, as aprendizagens, as oportunidades, os exemplos, as interações que se estabelecem na Escola são o manancial que contribui para a formação dos alunos enquanto seres humanos e enquanto cidadãos, para aquilo que serão ao longo da vida.

Olá professora, como está? Boa tarde, professora, venha cá que eu atendo-a! Professora como se sente? Se precisar de alguma coisa, diga-me! Professora, eu era cá um malandro! Não sei como me conseguiam aturar! Professora, estes são os meus filhos! Gostava tanto que fosse professora deles! Oh professora, os anos não passam por si! Que saudades daqueles tempos, professora! Fazíamos coisas tão giras! Sem perceber, estávamos a aprender tanto! A professora punha-nos a mexer! E a pensar!…

Que melhor retorno um professor pode ter do seu trabalho, da sua dedicação, da sua entrega? Que melhor motivação e incentivo para continuar a apostar “neles”, ano após ano, geração após geração de alunos? Que melhor profissão existe, senão esta que nos rejuvenesce, na qual encontramos reconhecimento genuíno, autenticidade, verdade, e na qual aprendemos também todos os dias, na qual crescemos humanamente, vivenciando as circunstâncias que constituem cada vida que acompanhamos?

Chamo-me Lídia. Sou professora há 34 anos. Vivo e leciono na Covilhã. Fiz a licenciatura em História, na Universidade de Évora, e o mestrado em Desenvolvimento Pessoal e Social na Universidade da Beira Interior. Sou professora de História e Cidadania e Desenvolvimento, na Escola Secundária Quinta das Palmeiras. Decidi-me, muito cedo, por esta profissão, penso que por alguma influência familiar: os meus pais eram professores de ensino primário e, numa altura em que não havia materiais pedagógicos e recursos disponíveis, passávamos as férias de Verão a ajudar a minha mãe a produzir painéis temáticos para o ensino da leitura, do estudo do meio, da aritmética, e materiais para o desenvolvimento da motricidade fina (esponjas forradas e “alfinetes artesanais” feitos com canetas velhas, para trabalhos de picotagem; materiais em cartão para produzir contornos…). Estas atividades, associadas à tarefa de ensinar, permitiam-me desenvolver um trabalho criativo e artístico que também me dava muito prazer, para além de me proporcionar uma interação humana constante, que sempre senti enriquecedora.

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Dos meus pais recebi o gosto pelo trabalho com crianças, de uma forma que eles faziam com muita dedicação, mestria e criatividade. O interesse pela História nasce da minha curiosidade por conhecer o percurso da minha família e de o compreender, associando-o a cada momento histórico – os meus avós maternos foram viver para Angola no início da década de 1930, num contexto nacional e internacional difícil; o meu pai foi mobilizado para a guerra colonial; nasci em Angola e vim para Portugal na altura da descolonização. Quando terminei o ensino secundário optei pelo curso de História para o ensino, e as expetativas que tinha foram cumpridas, pois a estrutura do curso, com uma componente pedagógica muito prática e dinâmica, foi ao encontro do que esperava. Sempre apreciei situações inovadoras, criativas, diferentes. Cansava-me a monotonia. Percebi, ainda como aluna, a importância da motivação e da mobilização de cada aluno para uma aprendizagem com sucesso.

Já enquanto professora percebi, muito cedo, que os alunos não aprendem todos da mesma maneira. Compreendi a importância de estar atenta a cada um deles, ao seu estado de espírito, à sua condição, e de incentivar o seu envolvimento no processo de aprender. Entendo a relação pedagógica como a construção de uma relação de respeito, compreensão e amizade, a partir do diálogo, do exemplo e do aprofundamento do conhecimento mútuos. A responsabilização dos alunos pela sua aprendizagem, pela construção do seu futuro no presente, a demonstração dos passos essenciais para que possam atingir os seus objetivos, assim como a importância de desenvolverem competências e atitudes que os tornem bons profissionais e melhores pessoas, são também passos importantes nesta construção, assim como a interiorização do valor da Escola e das oportunidades que proporciona.

Acredito que a Escola tem de ser um local onde as crianças e os jovens se sentem seguros, felizes e confiantes e onde têm que ter espaço e liberdade para se expressarem, decidirem, intervirem, compreendendo a importância e o sentido do que aprendem. A aprendizagem implica envolvimento e construção pessoal, daí a importância de se proporcionarem, aos alunos, iniciativas e projetos mobilizadores de ação, projetos que, dentro da escola e na comunidade, proporcionem experiências imersivas de aprendizagem em contexto real, que lhes permitam explorar, produzir e aplicar conhecimentos, desenvolver talentos e capacidades de investigação, comunicação, análise, espírito crítico, criatividade e autonomia.

Aprender História não tem de ser “uma seca”! Não tem de ser “decorar coisas que pessoas que já morreram fizeram”! Aprender História ligando-se o currículo à história local, da comunidade e da própria família é muito mais interessante e significativo. Aprender História percorrendo o património, investigando, recriando, com o apoio de historiadores, arqueólogos, investigadores, é aliciante. Aprender História experimentando novas tecnologias e ferramentas digitais para apresentar os resultados do trabalho em formatos criativos e diversificados, na comunidade escolar, em concursos a nível local e nacional, ou em meios digitais, é motivador. Mas a aprendizagem também se constrói preparando-se debates ou tertúlias em torno de temas, participando-se em bootcamps onde se criam ambientes de reflexão e trabalho em equipa, preparando-se jornadas de conhecimentos onde os alunos partilham conhecimentos com colegas de outras turmas, professores e pais, organizando-se exposições temáticas, dinâmicas e interativas, associadas a conferências com palestrantes convidados, encenações, visualização de documentários e filmes.

Porque vejo a escola como uma plataforma de oportunidades de aprendizagem, crescimento e desenvolvimento pessoal e humano e onde se semeiam desafios para o futuro, cresceu em mim o gosto pela Cidadania e Desenvolvimento, pelo empreendedorismo e pelas TIC. Assim, em colaboração com professores desta área, utilizo ferramentas inovadoras para os alunos produzirem aplicações digitais como o GPI – “Guias de Percursos Interativos” – onde se criam percursos digitais pelo património artístico da Covilhã, ou se recria o património através de ferramentas 3D.

Outro projeto que tem sido importante, tanto para os alunos como para a escola, é o Projeto QTV, que dinamizo em conjunto com os alunos e outros professores – um canal de TV escolar, que produz reportagens das atividades desenvolvidas na escola e uma rubrica intitulada “Repensar o Mundo”, na qual os alunos debatem temas da atualidade do seu interesse.

No Projeto Integrador, disciplina criada no âmbito do Plano de Inovação da Escola, promovem-se competências empreendedoras, com base no conhecimento mais aprofundado do meio local. Os alunos aprofundam o conhecimento dos recursos e património das freguesias rurais e urbanas da Covilhã, desenvolvendo pesquisas, visitas e contactos com dirigentes associativos, políticos e populações locais. São promovidas capacidades no domínio comportamental, fundamentais na formação do espírito empreendedor e softskills na área do empreendedorismo, através de diversas dinâmicas, com a participação de variados parceiros. Criam-se ideias de negócio com base no aproveitamento dos recursos da região e produzem-se produtos que são apresentados à comunidade em feiras de empreendedorismo ou em concursos locais ou nacionais.

Na Cidadania e Desenvolvimento os alunos são levados a planificar e desenvolver projetos de cidadania ativa, com ações concretas, criando parcerias com instituições diversas da comunidade, como lares de 3ª idade, infantários, hospital, centro de saúde, associações, instituições de solidariedade social, de defesa do ambiente, de acolhimento de crianças e jovens, GNR, PSP, etc. No 12º ano, na disciplina Vivências e Experiências de Cidadania promove-se a literacia política, aprofundam-se e debatem-se temas da atualidade e desenvolvem-se projetos locais promotores dos ODS. Algum deste trabalho pode ser visualizado no Blog de Cidadania da Escola onde leciono.

A experiência enquanto finalista do Global Teacher Prize Portugal comprovou o que expressei inicialmente: a Escola é o espaço privilegiado para o crescimento e formação de todos, no respeito pelas diversas singularidades, acreditando-se sempre no potencial de crescimento de cada aluno pois, em cada um deles há uma semente por cumprir. Os alunos, por sua vez, crescem, beneficiando das múltiplas singularidades que cada professor representa na sua tarefa de educar, das múltiplas sensibilidades, talentos e habilidades, que usam para ajudar a desenvolver seres humanos informados, confiantes, ousados, lutadores, interventivos.

Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.