Dizem os gurus que Volodymyr Zelensky está a dar uma master class de comunicação de crise, mas isso é pouco: ele está a redigir uma novíssima e-bíblia, plenipotenciário das plataformas digitais, o verdadeiro influencer. Está a definir o futuro da comunicação (des)institucional e dos public affairs. Nós nunca vimos um político assim. Mas o digital e o soundbite são o seu ambiente preferido há muito tempo.

O método “e-Ze”

Zelensky leu o público como ninguém e criou o seu e-método de comunicação, que adapta e repete. Doravante, qualquer aspirante ou líder consumado vai tentar seguir-lhe os passos digitais. O método “e-Ze” pode fazer doutrina, ou é parco de conteúdo? A resposta está nas 3 vidas digitais de Vodo Zelensky e respetivas taxas de sucesso. Mas o método tem um problema: se inexistir um inimigo, falha.

A fórmula digital de Zelensky estrutura-se em 5 passos: 1) análise do público e alcance potencial, 2) definição do inimigo, 3) mobilização digital para o vencer. Como? 4) através da liderança autêntica, fazendo-nos crer ele é o mesmo no ecrã do smartphone ou ao vivo – e este é o pixel mais cintilante do método: ele segmenta e adequa o discurso aos vários públicos; em poucas mensagens-chave curtas e poderosas, repetidas à exaustão; usa as técnicas e estética dos comuns utilizadores das redes sociais, como selfies, self-shot videos, os “Zelensky edits” (a edição em estilo fancam épico-emocional). A difusão da mensagem é tão eficiente, que expande a audiência das redes sociais para o café, as headlines, a televisão. É o passo 5): do digital para o analógico, e fecha-se o círculo. O sucesso da aplicação deste método nas 3 vidas público-digitais de Zelensky? Assimétrico.

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O e-Candid@to

Em 2018, Zelensky e o Quartel 95 leram o país e concluíram: se na série “Servo do Povo” um vídeo viral nas redes elege subitamente o personagem, um partido “Servo do Povo” e uma estratégia digital descomprometida elegeria o ator. Era simples: os ucranianos estavam fartos da corrupção e inconsequência dos oligarcas, e apesar de Zelensky ser milionário e tido por alguns como fantoche eleitoral de um oligarca de alto calibre, era um refrescante meritocrata; os jovens, imprescindíveis no Euromaiden, tinham-se alienado da política e desconfiavam profundamente dos media tradicionais; 68% dos ucranianos tinham nas redes sociais a principal fonte de notícias; a população da Ucrânia é jovem (a média é 40,6 anos), literada (99,7%), quase 70% utilizava a internet e 26 milhões de ucranianos são muito ativos nos social media: com o Facebook, YouTube, Instagram e Telegram no topo, só 26% não utiliza redes (desce aos 2% na faixa dos 18/29 anos, e aos 5% nos 30/39).

Mykhailo Fedorov, à época um startupper de 28 anos, desenhou uma campanha “e-Ze” (“e-Zelensky”) e mobilizou um exército digital de “Ze-Lyudy” (“Ze-Pessoas”). Depois de anos como TV star, o eleitorado da 1.ª volta estava conquistado: os jovens (nas redes) e os ucranianos com ensino secundário incompleto (via TV). Programa político, ideias? Apenas o “break the system” através do “break the internet”, acabar a guerra no Donbass e combater a corrupção. O inimigo? O sistema, na pessoa de Petro Poroshenko. À 2.ª volta, o desejo de mudança, a fama e a postura “eu sou um de vós”, deram a Zelensky estrondosos 73%. Estava eleito o primeiro Presidente influencer de sempre.

O e-Presidente

Zelensky manteve o estilo e a estratégia na Presidência. Falava ao país em lives e postava vídeos no ginásio, a guiar, no sky, na frente da guerra no Donbass, disponível para todas as selfies. Nas Parlamentares de 2019, o “Servo do Povo” escolheu os candidatos numa plataforma online criada para os cidadãos submeterem ideias e sugestões, usando as críticas online como filtro de exclusão, e definindo as posições nas listas através de sondagens de popularidade. Já o Governador de Lviv havia sido escolhido pelos seguidores de Zelensky no Facebook. Fedorov, agora Vice-Primeiro Ministro e Ministro da Transformação Digital, tinha a missão de e-reformar a Ucrânia. É lançado o programa digital “País no Smartphone”, a app “Diia”, o portal “O Voto”.

Zelensky alimenta o apetite dos ucranianos pela digitalização e cria uma online democracy. Problemas da aplicação do método “e-Ze”? Não havia inimigo, a guerra e a corrupção continuavam a lavrar, e as reformas “analógicas”, v.g, o sistema judicial, não avançavam. Os jornalistas e cientistas políticos criticaram Zelensky: era um e-populista que governava o país como um canal de YouTube. O “e-Ze” falhava na governação, era curto. Quando Putin invade, a popularidade de Zelensky estava nas lonas e a e-inconsequência era trademark da sua governação. Não fosse a guerra, seria reeleito em 2024?

O e-Herói de guerr@

De repente, a guerra entra-nos pelos telemóveis adentro. Seguimos a invasão nas redes sociais dos cidadãos comuns, da NEXTA e do Presidente. O azimute digital do team Zelensky ajustou a estratégia instantaneamente, mal passou a ter inimigo. Agora, o público é o mundo.

É inquestionável que Zelensky tem substrato heróico. E é tão “igual” a nós, que está carregado de defeitos. Sou fã, assumo. Ele sabe que este é o palco digital da sua vida, ao segundo e ao pixel. Sabe que em 2021 passámos 650 biliões de horas no smartphone. Sabe segmentar-nos e mobilizar cada um de nós. E usa todas as armas do “e-Ze”: (i) o #OOTD (Outfit of the Day, um clássico dos influencers) verde-guerra mas básico, sem qualquer parafernália militar; (2) os desabafos quase intimistas nos self-shot videos; (3) os soundbites vigorosos como “I need ammunition, not a ride” ou “When you attack us, you will see our faces, notourbacks”; (4) a seleção do cidadão comum, seu “igual”, como interlocutor digital: os ucranianos, para resistir; os ocidentais, para pressionar e obrigar os líderes a atuar.

Se não fosse a guerra, Zelensky podia ser Presidente de mandato único. Dele se diria que tentou governar nas redes sociais, um populista digital de parco conteúdo. Mas quando faz de influenciador da guerra, nós seguimos este e-Herói até à frente de combate.

Há lições cruciais a tirar da guerra da Ucrânia. O “terceiro mundo” já não segue a batuta do primeiro – quem segue? Os millennials e a geração z não estão para aturar engravatados dogmáticos, e preferem um faltoso próximo ao falso impoluto – ou não se chegam à política. Na era digital, se continuam a aplicar fórmulas de comunicação institucional em ambiente digital, senhores políticos, só chegam à porta de saída.