A história do Movimento Associativo em Portugal é longa e bastante complexa. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Mudam-se os problemas, mudam-se as causas. Hoje vivemos numa época onde o ensino e o conhecimento não são sufocados e amordaçados pela força de um regime autoritário. Vivemos num tempo onde cada um se pode (em teoria) expressar e manifestar livremente. Contudo isto não quer dizer que o Ensino Superior em Portugal seja um mundo das maravilhas, imaculável e perfeito. Sendo que hoje nos debruçamos com novos e até inesperados problemas por resolver.
Cada vez mais as licenciaturas deixaram de ser verdadeiros critérios de diferenciação entre os jovens. Cada vez mais vemos os nossos colegas a serem obrigados a continuarem perpetuamente os seus estudos, com mestrados e doutoramentos que colocam pesados encargos financeiros nas suas famílias. Cada vez mais vemos os nossos amigos a entrarem num mercado de trabalho sem condições fidedignas, com salários baixos, impostos altos e cada vez menos progressividade nas suas carreiras. Infelizmente para muitos a solução destes e de outros problemas da nossa geração está a um bilhete de avião de distância…
Ao longo dos últimos 20 anos o Movimento Associativo dedicou (e bem) uma grande parte das suas energias à questão da “propina 0” e à progressiva redução da propina no primeiro ciclo de estudos. Os últimos anos representam uma vitória para os jovens portugueses, sendo que é de registar uma inquestionável redução das propinas do primeiro ciclo de estudos em Portugal. Contudo, em pouco ou nada a classe política tem demonstrado interesse neste problema. Aliás diria eu que só muito recentemente é que alguns atores políticos sinalizaram a importância desta questão.
No passado mês de março, as manchetes televisivas nacionais foram incendiadas por uma realidade para alguns desconhecida… mas uma realidade tão conhecida por todos nós. O país olhou com vergonha para uma Academia em tumulto. Os desenvolvimentos no Instituto Superior Técnico envergonharam todos nós. De um dia para o outro, os estudantes e as suas famílias foram confrontados com a notícia de que em breves meses os encargos e despesas em determinados mestrados no Instituto iriam duplicar.
Sem aviso prévio. Com pouca ou nenhuma justificação. De forma incisiva e definitiva os órgãos desta escola, sancionados pelo Conselho Geral e pela própria reitoria da Universidade de Lisboa, autorizaram este aumento sem precedentes. Com um mero golpe da caneta colocaram dezenas se não centenas de alunos numa situação de profunda precariedade. Colocaram os alunos, os nossos colegas, numa situação em que, muitos provavelmente por falta de meios, vão ser obrigados a abandonar o ensino superior, os seus cursos e os seus sonhos.
Desengane-se quem achar que este é um caso isolado. Que esta é uma realidade única ou uma espécie de fenómeno particular. Bem sei que os jovens de hoje sabem e conhecem a realidade, a nossa realidade. A realidade do estudante universitário do século XXI. A realidade do estudante que, mesmo após a conclusão de uma licenciatura e após vários anos de despesas em habitação, alimentação, até e com a própria propina, é forçado, por pressão de um mercado de trabalho cada vez mais estreito, fechado e exigente, a prolongar os seus estudos.
E não, a culpa não é da pandemia. Este é um problema muitos mais antigo que a covid-19. E aqueles que hoje utilizam este argumento de cartada para nos desconsiderar e menosprezar sabem bem que assim não é.
Para um jovem que acaba uma licenciatura de três anos são várias as questões que se impõem: deverei inscrever-me num mestrado? Na mesma instituição onde tirei a licenciatura? Na mesma área? Numa diferente? Ou devo começar logo a procurar emprego? São questões difíceis. Todos nós em algum momento ou outro já nos confrontámos com elas.
Hoje em dia sabemos que, ao contrário de ontem, quando os empregadores distinguiam entre licenciados e não licenciados, a distinção primordial é feita entre licenciados e mestres. Não sou eu que o digo. É o próprio diretor do Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior, Pedro Teixeira que o diz.
Hoje em dia, na maior parte das áreas do saber, a frequência de um mestrado é decisiva na capacidade de o jovem conseguir integrar o mercado de trabalho de forma digna. Muitas vezes é nada mais, nada menos do que o mecanismo que assegura que esse mesmo estudante consiga encontrar emprego dentro da sua própria área de formação.
O mestrado está a tornar-se cada vez mais um elemento crucial na formação académica do indivíduo. Uma licenciatura de três anos já não serve por si só. Por isso é impossível não ver esta questão com grande preocupação.
De realçar que hoje em dia, ao contrário dos outros países da União Europeia, só existe um teto limite para o valor dos mestrados nos cursos que são fundamentais para a frequência de uma determinada área profissional, como, por exemplo os mestrados na área da Medicina.
Quando temos, em Portugal, mestrados em universidades públicas que ultrapassam os 13.000 euros no valor global da propina. Quando todos os anos assistimos a um aumento periódico e sistemático das propinas de mestrado em vários estabelecimentos de ensino, em alguns casos de 50 ou 100 euros por ano. E quando simultaneamente o poder de compra das famílias portuguesas tem vindo a decair ao longo dos últimos tempos, não podemos meter a cabeça na areia e fingir que vivemos no mundo das maravilhas.
As associações académicas têm de ter um papel intransigente na luta pelos interesses da nossa geração. Não só dos estudantes que as elegem, mas de toda uma geração. A geração mais qualificada de sempre, dizem alguns.
O movimento associativo em Portugal nunca teve uma voz única. Sempre existiram várias opiniões e perspetivas sobre os vários temas. Em raras ocasiões houve completo consenso.
O caso da Academia de Lisboa é paradigmático desta realidade. Uma consequência direta da pluralidade de universidades (públicas e privadas), faculdades e politécnicos na nossa cidade, com vários atores que muitas vezes optam mais pela competição do que pela cooperação.
Lisboa não é Coimbra. Lisboa não é o Porto. Lisboa não é Aveiro. Lisboa não é Évora. Lisboa não é o Algarve. Lisboa não é o Minho. Lisboa é Lisboa. Somos a Academia lisboeta, nos seus defeitos e virtudes. Nas suas falhas e qualidades. Enfim, por mais que nos critiquem ou até ridicularizem, só nos resta dizer que por alguma razão todos os anos tantos estudantes querem vir estudar para a nossa cidade.
Temos de estar unidos nas lutas e na defesa da nossa geração. Temos de ser como sempre fomos, a voz de toda uma comunidade. Temos de ser como sempre fomos, incansáveis na luta pelos nossos direitos, na conquista de um melhor e mais justo Ensino Superior. A questão com a qual nos deparamos hoje não tem uma resposta fácil. Raramente as questões verdadeiramente importantes a têm. O debate iniciado irá sem dúvida necessitar de uma grande reflexão científica, pedagógica e académica, e irá envolver uma diversidade de atores.
Mas, como todas as grandes jornadas, começa com um passo em frente e está na hora de darmos esse primeiro grande passo em frente.
Viva a Academia.
Vivam sempre os Estudantes