Existem “atributos” que devem ser exercitados nas crianças e que nós, devemos, acima de tudo, exercitar durante a vida adulta de forma autónoma e responsável: a resiliência, a inteligência emocional, a comunicação saudável e a gestão de competências. Todos esses, se bem dominados, levar-nos-ão, irrefutavelmente, a um maior autoconhecimento e, como consequência, a uma maior autodisciplina. Se assim for, saberemos naturalmente gerir expectativas, por exemplo, e também ocupar o nosso lugar, assim como sabermo-nos posicionar de acordo com o nosso nível de conhecimento e com maior humildade.
De acordo com um artigo publicado na Bluenotes em março deste ano, “o futuro da liderança é a bondade”. Concordo, pelo que considero que não existe melhor forma de estarmos em paz permanente com o nosso interior, se não for ao sermos generosos com o outro. O artigo exemplifica grandes lideranças mundiais, como é o caso da Primeira-Ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, sendo que o seu maior atributo é a bondade e generosidade, a par de uma gestão de excelência.
Uma pessoa completa, quer nos quadrantes profissional ou pessoal, não implica que seja perfeita (porque ninguém o é; e quanto mais completo um indivíduo for, mais assumirá, à partida, o quão ignorante é e que não existem absolutos). Pessoas completas são apenas dotadas de uma série de características que as tornam imprescindíveis e agradáveis para o seu trabalho, para a sua família, para os grupos de amigos e colegas, mas acima de tudo para conseguirem lidar consigo mesmas.
Quando alguém é disciplinado e conhece os seus limites, será sempre facilmente recomendável pelos seus pares, como sendo confiável e generoso e, certamente, um bom gestor: seja de conflitos, seja de pessoas, seja de uma empresa ou das suas próprias emoções, em qualquer circunstância.
É muito diferente falar-se de alguém que depende do ego, e falar-se de pessoas com perfeito equilíbrio ao nível da autoestima e confiança em si próprios (também bondosos consigo próprios). Tenho a convicção de que, se exercitarmos diariamente a nossa confiança, disciplina e autoconhecimento, conseguiremos humanizar mais as nossas relações e tornar os nossos relacionamentos uma experiência extremamente agradável, fazendo disso um estado permanente e não temporário.
O homem é um animal social e, como tal, todos julgamos ou, então, temos uma certa tendência a supor, formar juízo ou a sentenciar os outros. Há umas semanas, em conversa de café, diziam-me: “as pessoas mais magoadas, são as que mais magoam os outros”. É claramente uma frase corriqueira já muito reescrita, mas não deixa de ser real por ter sido banalizada.
Quando não existe um trabalho da autodisciplina feito desde cedo, e feito também na fase adulta, alguns indivíduos que passaram por situações traumáticas ou por ausência/carência de amor e/ou afeto na infância irão facilmente projetar os conflitos interiores que não foram resolvidos nos pares (habitualmente os bem-sucedidos) com quem lidarem diariamente no seu dia-a-dia. Uma forma de o fazerem, é projetarem uma falsa realidade sobre si mesmos para a sociedade, porém correndo riscos de lidarem diariamente na sua solidão com o orgulho ferido.
É, por isso, tão importante sermos sempre capazes de darmos o benefício da dúvida e, acima de tudo, incentivarmos a uma maior abertura à conversação por parte de todas as pessoas que sintamos que possam estar a passar por uma fase mais difícil nas suas vidas.
Ademais, acredito que a ideia de que se um homem pedir ajuda ou for feminino nos seus atos, atitudes e comportamentos está ainda, infelizmente e erradamente, muito enraizada na ideia de alguns portugueses como sinal de fraqueza, criando barreiras a uma maior humanização das relações, em especial depois de dois anos de uma pandemia que nos afastou e baniu do toque, impedindo a concretização do verdadeiro sentido das conexões.
Se todos e todas (ainda) temos algum receio de abraçar e de demonstrar afeto, em alguns meios mais conservadores o homem tende a reservar-se no que diz respeito aos afetos, à humanização dos sentimentos e ao diálogo aberto sobre problemas reais, devido ao preconceito e estereótipo criado por uma sociedade tendencialmente machista que (ainda) nos vai vendendo a ideia do homem macho, forte, firme e frio – o que não é real, e felizmente, embora de forma gradual e não linear, comecemos a verificar progressos e uma mudança de paradigma.
É crucial falar-se sobre assuntos e conversas difíceis e assuntos tabu — com todos, e de todos/as para todos/as — ao invés de os evitar. O incentivo ao diálogo saudável e construtivo é fundamental para a promoção de uma sociedade mais aberta, mais tolerante, mais informada, saudável e com menos preconceitos. Havendo maior tolerância, haverá certamente uma maior compreensão relativamente a posicionamentos e opiniões distintas e, consequentemente, uma visão mais alargada dos outros, que permitirá a cada um entender o quão todos somos semelhantes nas infinitas diferenças que nos unem e ao mesmo tempo nos separam. Com maior tolerância, as pessoas estarão certamente mais predispostas a praticar a bondade no seu dia-a-dia. No entanto, a bondade é algo intrínseco e que nasce connosco, mas precisamos de abrandar a vida, por vezes, para entendermos que temos que a praticar mais vezes e com maior intenção e sem show-off; mas relembro também a importância de sermos bondosos connosco próprios.
Tal como escrevi no meu primeiro artigo no Observador, que pode ler clicando aqui, é cada vez mais importante que a saúde mental não seja um tabu e que as consultas de psicologia possam vir a ser mais acessíveis para todos e, consequentemente, mais regulares e tenho esperança de que, num futuro próximo, a ideia de se recorrer a um psicólogo seja absolutamente normalizada e que ninguém mais tenha que ser rotulado como “maluco” por isso.